Gênero e Fake News: A relação entre estereótipos e a construção de notícias falsas

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3 min readJul 16, 2020

Com o início da pandemia de Covid-19, o número de downloads de aplicativos de notícias teve um crescimento de 68%. Apesar disso, 7 em cada 10 brasileiros ainda se informam pelas redes sociais e 62% já acreditaram em alguma notícia falsa. Esse cenário leva o Brasil, de acordo com pesquisas realizadas pelo Reuters Institute Digital News Report, a ser o terceiro país com maior número de exposição a fake news.

A disseminação de informações adulteradas é prejudicial não só para quem consome o conteúdo, mas também para quem é associado a ele. E até aqui a desigualdade de gênero é notória, pois os boatos que envolvem mulheres conseguem maior reverberação, deixando cicatrizes evidentes em suas vítimas. Os conteúdos com maior noticiabilidade se relacionam com estereótipos de gênero, que tendem a desvalorizar a mulher retratada, assim como assuntos de cunho sexual, um fator facilmente noticiável em uma cultura machista que visa a objetificação feminina, principalmente porque quanto mais apelativa a manchete, maior é o consumo da matéria.

Ao levarmos em consideração que qualquer tipo de inverdade, da mais simples à mais absurda, pode incentivar as pessoas ao erro e a consequências irreversíveis, nos deparamos com o caso emblemático da “Bruxa do Guarujá”, em 2014, no litoral de São Paulo. Após fotografias e até um retrato falado de uma suposta sequestradora de crianças para rituais de magia negra começarem a circular pelas redes sociais dos moradores do município, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus foi espancada até a morte, ao ser confundida com a criminosa. A “bruxa” sequer existia.

Com o passar dos anos, as “notícias” inverídicas começaram a fazer parte do cotidiano brasileiro com tamanha irreflexão, que mesmo no contexto de uma pandemia global, sites de notícias matogrossenses divulgaram a informação de que uma suposta enfermeira havia sido flagrada mantendo relações sexuais com um paciente em tratamento de Covid-19, no interior do Amazonas. Todavia, a data da gravação está bem longe do período de pandemia e sequer foi realizada no Brasil.

Situações como essas talvez possam ser explicadas pela equivocada lógica de trabalho de alguns veículos que não se preocupam com a veracidade de suas informações e sim com o número de cliques que elas irão render. Logo, em meio a um cenário de pandemia, a crítica situação de uma enfermeira abusando de um paciente debilitado pode gerar um profundo sentimento de desconforto e repúdio, diante da convicção de que o vídeo e as informações passadas sejam verídicas. Ou até mesmo pode reforçar estigmas de hiperssexualização que cercam as profissionais da enfermagem e as mulheres como símbolos sexuais, aumentando assim a difusão das referidas “notícias”.

As brasileiras são as principais vítimas da disseminação de informações falsas, além de serem as mais xingadas, ameaçadas e vinculadas a conteúdos violentos e/ou de cunho sexual na internet. Os assuntos das matérias produzidas, em sua maioria, caminham lado a lado com estereótipos de gênero ligados ao conceito de “ser mulher”, que, em muito, deriva da base patriarcal que ainda constitui nossa sociedade. Temas como maternidade, aparência física e conteúdos sexuais viram manchetes sem produção de conteúdos de qualidade, apenas para ganhar visualizações.

Um outro problema é que, uma vez veiculadas, as falsas notícias não desaparecem, mas se perpetuam, fazendo suas vítimas conviverem com os boatos sem a responsabilização dos que agem de má fé, dos que disseminam as desinformações e/ou dos que se omitem. A violência se perpetua junto ao boato. A rede social que deu origem à notícia da “Bruxa do Guarujá” foi isenta de qualquer indenização à família da vítima e, mesmo desmentida, a falsa informação da “enfermeira abusadora” continua sendo veiculada em meios jornalísticos de Mato Grosso.

Texto de:

Andrelina Braz, estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Victória Dalla Costa, estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

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Observatório de Comunicação e Desigualdades de Gênero

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