Quem tem medo da insurgência LGBTI+ em Mato Grosso?
Viver o orgulho LGBTI+ no Brasil, em tempos de bolsonarismo, envolve o enfrentamento a violências sistemáticas que colocam o país entre os mais letais para vida de pessoas trans no mundo. A data de 28 de junho rememora a batalha de Stonewall, bar que vinha sofrendo ataques sistemáticos da polícia nova-iorquina e que nesta mesma data, no ano de 1969, encontrou resistência e luta por parte da comunidade LGBTI+ que ali se encontrava.
No Brasil, cada cidade tem seu próprio Stonewall, em distintas temporalidades, como em São Paulo, com o levante do Ferro’s Bar em julho de 1983, ou como em Cuiabá, com a insubordinação e saída em “passeata” após a fiscalização policial que encerrou uma festa de Halloween na Casa Cuiabana em 1999. As insurgências LGBTI+ marcam a passagem de uma fase de medo e vergonha de publicizar a orientação sexual e a diversidade de gênero para uma redefinição histórica do orgulho pela diferença.
Estudos sobre vivências LGBTI+ em contextos interioranos têm apontado que, embora haja um profundo processo discriminatório fora dos grandes centros, também existe uma força (re)significadora dessas vidas, que encontram fissuras em meio ao conservadorismo que marca essas realidades locais. E é sobre a potência dessas insurgências, que brotam do solo árido do sertão, entre a secura do cerrado e os solos inundáveis do pantanal, que esse texto se inscreve. Porque elas são o motivo para a questão que move esse texto: Quem tem medo da insurgência LGBTI+ em Mato Grosso?
Em parte, as decisões políticas neste estado são dirigidas por ruralistas, “coronéis do agronegócio”, grandes empresários ou por seus herdeiros políticos. O desejo por uma masculinidade viril e pela continuidade de um padrão familiar que mantenha os homens no domínio dos negócios e da vida política é o maior interesse moral nesta lógica. Portanto, qualquer ameaça a esse domínio gerará pânico e reações conservadoras. Logo, demandas e lutas em torno dos direitos sexuais da população LGBTI+ tendem a serem negligenciadas ou exterminadas.
É o extermínio da diversidade e da diferença que motiva a ação política daquelas(es) que se dizem “defensores da família” e se mobilizam em torno de uma suposta “ideologia de gênero”. A pauta da educação é umas das mais disputadas entre ativistas religiosos. Em Mato Grosso, na Casa Legislativa estadual, temos acompanhado os “discursos de ódio” do deputado Cattani (PSL), que acredita que “ser homofóbico é uma escolha” que deve ser aceita socialmente, e, mais recentemente, ele apresentou um projeto de lei para proibição do uso de pronome neutro nos espaços escolares sob a acusação de que o movimento LGBTI+ vem tentando destruir a língua portuguesa. O político é só mais um a serviço do bolsonarismo, tendência que busca esvaziar as instituições democráticas com o objetivo de aprofundar uma política econômica ultraneoliberal e uma agenda moral anti direitos humanos e antigênero. O movimento que Cattani representa localmente se espraia até Cáceres nos ataques reacionários ao projeto de lei do dia municipal do orgulho LGBTI+.
Sobre o projeto do deputado, trata-se do uso do obscurantismo como estratégia discursiva, já percebida em muitos dispositivos municipais que contrariaram a Constituição de 1988 há alguns anos em medidas provisórias que buscavam impedir o debate de gênero nas escolas. Foram julgados pelo Superior Tribunal Federal (STF) como inconstitucionais sob o princípio de que utilizar do aparato estatal para manter grupos minoritários em condição de invisibilidade e inferioridade se trata de violação de direito fundamental preconizado no artigo 1º e 5º da CF/88.
A invisibilidade é uma estratégia sofisticada de negligência e desresponsabilização do Estado e da sociedade civil com as vidas que importam menos, um exemplo se dá na ausência de ações, leis e até mesmo notícias que desenvolvem processos educativos. O GenSex COVID-19 — Observatório Virtual de Gênero e Sexualidade na pandemia mapeou notícias sobre saúde, violência, gênero e sexualidade entre janeiro e setembro de 2020 e, nos conteúdos regionais sobre população LGBTI+, aparecem apenas notícias de violência, demonstrando ausência de informações sobre promoção de saúde e acesso a direitos, por exemplo.
Mas, afinal, por que têm medo da insurgência LGBTI+? Ousamos responder que, além do ressentimento por, como nos diz a filósofa Wendy Brown[1], não haver “nenhum futuro para o homem branco”, há um fatalismo imbuído numa realidade que se aproxima, tão certeira quanto a resiliência do cerrado. O laboratório de extermínio que se tornou o governo Bolsonaro está em ruínas e as ruas têm mostrado que as/os LGBTI+ se somam a outras forças políticas nessa tarefa, querendo vacina no braço, comida no prato e #ForaBolsonaro.
Texto de:
Bruna Andrade Irineu — Coordenadora do NUEPOM/UFMT e do GenSex COVID-19
Brendhon Andrade Oliveira — Pesquisador do NUEPOM/UFMT
Referências:
[1] BROWN, Wendy. As ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politéia, 2019.