Uniformes pra quem? Olimpíadas e a sexualização dos corpos femininos em práticas esportivas
O aumento da participação das mulheres em competições esportivas é uma marca dos Jogos Olímpicos de Tóquio, que tiveram início na última semana. Do total de 11 mil atletas participando das disputas, 48,8% são mulheres, um número considerado recorde entre todas as edições. Essa proporção é também resultado de uma decisão do Comitê Olímpico Internacional (COI) de reduzir as vagas de homens e ampliar a oferta de modalidades para atletas mulheres.
A representatividade é importante e, sem dúvida, demonstra reconhecimento diante do desempenho e da capacidade das atletas. Porém, existem aspectos machistas que ainda precisam ser superados no meio esportivo, como é o caso da sexualização dos corpos femininos na padronização de uniformes em determinados esportes.
O assunto ganhou repercussão na última semana, quando jogadoras da seleção feminina de handebol de praia da Noruega foram multadas por não aceitarem usar top e biquíni em um jogo. Elas vestiram shorts e, por conta disso, cada atleta recebeu multa de 150 euros, totalizando 1,5 mil euros (cerca de R$9,2 mil). A punição demonstra mais uma tentativa de controle dos corpos femininos, exercida majoritariamente por instituições dirigidas por homens.
No Brasil, durante a CopaBeach/Cepraea, em 2017, o time de handebol de praia do Rio de Janeiro também protestou contra o uso obrigatório de “sunquíni” como uniforme padrão para mulheres. Na época, as atletas tinham usado shorts durante três jogos, quando foram surpreendidas com um anúncio do departamento de arbitragem da Federação de Handebol do Estado do Rio de Janeiro, sobre a possibilidade de perderem por WO (seriam impossibilitadas de competir) caso continuassem usando shorts nas partidas.
Outro ato de resistência, já nas Olimpíadas 2020, foi marcado pelas ginastas alemãs, durante treinos realizados em Tóquio, na semana passada. Ao invés de apenas collants, as jovens optaram por usá-los com leggings, reforçando o discurso que mulheres devem decidir o que usar. O uniforme já havia sido opção das atletas durante o Campeonato Europeu, realizado em abril deste ano.
Não há justificativa plausível para a diferença de uniformes entre times femininos e masculinos que disputam a mesma modalidade esportiva, como é o caso do handebol de praia, vôlei de praia e a ginástica, por exemplo. Em cada modalidade, o objetivo do uniforme é, além da identificação e da padronização, auxiliar nas práticas esportivas, e não ser utilizado como adereço que reproduza estereótipos e sexualize corpos.
Além de reforçar o sistema patriarcal, a situação amplia uma conduta completamente assediadora, admitida, por exemplo, pelo ex-presidente da Federação Internacional de Futebol (FIFA), Joseph Blatter, que destacou que a escolha dos uniformes tem intenção puramente “estética”.
As atitudes das atletas, contra os padrões de vestimenta estabelecidos para as mulheres em práticas esportivas, contribuem para que essa lógica machista e patriarcal seja desconstruída, como também ampliam as discussões sobre a importância das mulheres terem suas escolhas. Não se trata de defender a mudança do uniforme, mas de deixar que as mulheres possam escolher qual uniforme as deixa mais confortáveis para a competição.
As modalidades e ambientes esportivos devem ser espaços de inclusão e de fomento à igualdade de gênero. Exigir que mulheres usem uniformes distintos dos homens em práticas esportivas iguais ou similares é caminhar em direção contrária à liberdade e aos direitos das mulheres.
Texto de:
Lisânia Ghisi, doutoranda em Letras pela Ufac, jornalista do Ifac e mestra em Letras.
Nara Assis, formada em Comunicação Social (Habilitação em Jornalismo) pelo Instituto Várzea-grandense de Ensino (IVE) desde 2009; servidora pública da Secretaria de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso desde 2014.