As Novas Oportunidades

Guilherme Szczerbacki Besserman Vianna
Pautavel
Published in
5 min readJul 5, 2020
by Design é Balela!

Recomendo ler o texto de hoje (em casa) com uma latinha de cerveja na mão. Afinal, vou começar com um exemplo que gostaria de discutir com uns malucos após consumir um pouco de álcool. Me acompanhe neste sonho: imagine que você acabou de ser eleito prefeito de uma cidade com diversos problemas e, nas vésperas de tomar posse, um filantropo resolveu pagar um bom tempo de viagem para todos os habitantes do município (menos você e seus secretários). O que faria?

Em primeiro lugar, escolheria um xingamento politicamente correto pra o milionário, já que ele não quis me pagar uma viagem. Mas, tirando isso, aproveitaria a cidade vazia para realizar diversas melhorias. Iria: verificar as condições das escolas, recuperando as salas de aula e tentando oferecer laboratórios de informática e bibliotecas onde possível; procurar abastecer o sistema de saúde do que fosse necessário; deixar a cidade bem limpinha; e, com certeza, estabelecer uma reestruturação urbana completa.

Cada cidade tem suas particularidades, mas, como estamos em um caso hipotético, vamos dizer que tudo isso seria estudado. Assim, a reestruturação da cidade deveria pensar em espaços com diversos usos, com comércio próximo às residências, incluindo locais multiuso (áreas comerciais podem ser uma coisa de dia e outra de noite). Além disso, o sistema de transporte poderia ser melhor orientado: grandes calçadas e ciclovias seriam construídas para privilegiar o transporte a pé e de bicicleta, e as rotas de transporte público poderiam ser remodeladas com a cidade vazia, eliminando ineficiências não interrompidas pelo elevado fluxo anterior. Por fim, daria prioridade às áreas com menos infraestrutura (como saneamento) e habitações mais pobres.

Paralelamente, me preocuparia em tornar a cidade mais verde. Buscaria a construção (ou adaptação) de edifícios para utilizar energia solar (ou de outra fonte renovável); pensaria em trocar a frota de ônibus para o uso de eletricidade no lugar de combustível fóssil; tentaria arborizar mais a cidade; quem sabe despoluir algum rio ou baía; e procuraria viabilizar um sistema de compartilhamento de carros elétricos, dentre outras ações.

Um problema para realizar isso tudo seria o dinheiro. Bem, como teria muita confiança (baseada em evidências) de que a cidade cresceria muito após a volta de seus habitantes, seria razoável me endividar em um nível que pudesse ser pago. Assim, aproveitaria a oportunidade para deixar um legado, com um espaço inteiramente novo para a população usufruir após chegar de viagem, gerando um ciclo virtuoso, sustentável e prolífico em termos econômicos, sociais e ambientais, por um longo período.

Nos dias de hoje, sabemos que a situação, infelizmente, é completamente oposta do descrito. As ruas não estão cheias como antigamente, mas por um motivo bastante triste: as pessoas devem evitar ao máximo sair de casa para não contaminarem nem serem contaminadas por um vírus novo. Com isso, produção e consumo diminuem, reduzindo toda a atividade econômica e as receitas dos diferentes níveis de governo. Mas será que não tem nada para ser aproveitado nessa queda de atividade?

Por um lado, o setor público está gastando muito mais e recebendo muito menos do que em momentos anteriores. Seria interessante aproveitar que as escolas estão fechadas para realizar reformas importantes, mas não pode ser prioritário diante de um quadro em que precisamos gastar dinheiro público para manter hospitais e dar algum recurso para pessoas que perderam o emprego viverem. Por outro lado, não há motivos para deixar o planejamento de lado. Pensar em reformas urbanas e verdes pode ser ainda mais estratégico do que já era antes.

Como o setor público está com menos dinheiro e gastando mais, há mais dinheiro disponível. Porém, pouca gente está com coragem para investir. Por isso, a possibilidade de ter dinheiro na mão (em economês, conhecida pelo nome de liquidez) é alta. No entanto, não há o risco imediato de inflação, visto que os gastos do setor privado estão em um nível bastante baixo.

Para os próximos períodos, diversas reformas poderão ser realizadas. Onde o estado não atuar (seja por falta de dinheiro e/ou incompetência), deve ocorrer interesse privado. Afinal, o planeta está com dinheiro na mão e capacidade ociosa. Com o retorno das atividades elevando a produtividade (o que todo mundo espera que ocorra), os PIBs voltam a crescer e a inflação continuará controlada. No entanto, será que os interesses do setor privado são os mesmos do setor público?

Diria que vários objetivos são comuns. Para dinâmicas normalmente lideradas pelo setor privado, a própria retomada da atividade gera maior receita (através de impostos) para o setor público fazer o que precisa. Em relação a essas questões, não há conflito de interesses. O desafio é identificar possíveis divergências entre os interesses do público e do privado. Portanto, é preciso saber quais atividades geram problemas para terceiros, e garantir mecanismos de controle adequados para obter os melhores retornos para a sociedade. Para dinâmicas lideradas pelo setor público, como as reformas urbana e verde, o privado também pode estar interessado na ação de governos. Mas não vai fazer nada sozinho. Por isso, é necessário o planejamento correto, com estratégias inteligentes e incentivos adequados para todo mundo se dar bem na história, garantindo um futuro bacana, livre de pandemias e de confrontos com a natureza.

Eu queria fazer um texto falando apenas de coisas boas, como Gilberto Gil e outros que nos trazem tantos bons momentos. Mas não consigo fazer ninguém esquecer um pouco a realidade, nem passar tanta emoção. Como sabemos, a falta de planejamento é uma constante no Brasil. São raras as exceções, se é que existem, no setor público. Já tem lugar (como o Rio de Janeiro) abrindo o comércio (e gente egoísta voltando aos bares), mesmo com o vírus ainda fora de controle. Por isso, ainda não vou aos bares, mesmo com eles liberados e com vontade de beber uma cerveja. O que infelizmente deve acontecer: ficaremos indo e vindo das quarentenas, até o surgimento de vacina. Com isso, prejudica-se a vida de todos. A economia piora e são perdidas oportunidades para realizar reformas importantes na cidade. Mas se a gente não pensar no que pode ser feito, nunca conseguiremos fazer nada.

by Design é Balela!

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Guilherme Szczerbacki Besserman Vianna
Pautavel

Textos curtos para (tentar) elevar o nível da discussão em uma conversa de bar.