Diversidade e Desigualdade

Guilherme Szczerbacki Besserman Vianna
Pautavel
Published in
5 min readMay 24, 2020
by Design é Balela!

O universo é composto de inúmeras variáveis, muito mais do que nosso cérebro é capaz de compreender. O sistema nervoso humano pode fazer análises incríveis, criando padrões para coisas diferentes. Mas isso também nos leva a errar muito, dada a extensão de variáveis do universo. Diversos erros são sistemáticos, e podem ser identificados para não serem repetidos.

A quase infinidade de variáveis existentes leva a todos os humanos a serem diferentes. Cada indivíduo possui sua própria história e narrativa. Identidades são essenciais para vivermos nossas vidas. Conhecer e vivenciar a cultura de um país ou bairro, e poder contar as tradições locais para quem vem de fora, é uma das atividades mais bacanas que existem. Só perde para escutar o que os outros têm a dizer sobre suas experiências particulares. Quanto mais diverso o que escutamos, mais interessante fica a história.

Ninguém é melhor do que ninguém. Mas, eventualmente, é possível caracterizar a situação de uma pessoa como melhor do que a de outra. Quando uma conjuntura leva, intrinsecamente, a menos oportunidades para um indivíduo ou a um grupo (em relação a outro), há desigualdade. É impossível que as oportunidades sejam sempre iguais para todos, mas o problema é que geralmente quem possui uma vantagem em uma dimensão tem benefícios em quase todas as outras. Normalmente, quem tem mais dinheiro tem mais acesso à educação, saúde, infraestrutura, tecnologia e a diversas outras coisas. E mais: essas desigualdades são perpetuadas, pois as diferenças de oportunidades passam de geração para geração.

A diferença entre diversidade e desigualdade é clara. Mas podemos ilustrar com exemplos. Um argelino conversando com um nepalense é diversidade. Um escravo explorado por um senhor de engenho é desigualdade. Um canhoto e um destro é diversidade. Um estudante com computador e biblioteca e outro em uma sala sem quadro negro é desigualdade. Uma pessoa da cidade e uma pessoa do campo é diversidade. Uma pessoa que mora onde trabalha e outra que demora 3h pra ir e voltar da labuta é desigualdade. Um manicure e um operário é diversidade. Um doente com respirador e outro sem é desigualdade. Um casal é diversidade. Uma casa com acesso a esgoto e outra sem coleta de lixo é desigualdade. Um alto e um magro é diversidade. Um caçador coletor com abundância de recursos e um faminto em pleno Século XXI é desigualdade.

Em um mundo tão diverso e desigual, não faltam explicações para entender o que vivemos e análises para o nosso futuro. Muitas invenções, como a energia e a internet, também beneficiam os desfavorecidos há muito tempo. Mas, se eles tivessem as oportunidades justas e necessárias, quantas invenções geniais com ganhos para toda a humanidade não poderiam ter acontecido?

Apesar da antiga necessidade de dar oportunidades para quem não tem, ao longo do tempo, com poucas exceções, a desigualdade sempre aumenta. Em primeiro lugar, quem tem menos costuma precisar de mais. Assim, é comum que os mais pobres adquiram mais dívidas (e, consequentemente, paguem mais juros) ao contrário do que ocorre com os mais ricos, que possuem poupanças e recebem dividendos. Em segundo lugar, novas tecnologias elevam a produtividade geral, mas é mais efetiva para quem tem acesso às novas invenções. Além disso, é mais fácil inovações gerarem a substituição de empregos de menor qualificação. Em terceiro lugar, existem situações onde os favorecidos prejudicam diretamente quem tem menos (mesmo que não percebam).

O terceiro ponto pode ser exemplificado com o caso da Covid-19 (tava sentindo falta dela no texto?). Enquanto privilegiados faziam viagens internacionais e desfavorecidos ficavam por aqui, o vírus surgiu. Sem saber, Mário voltou da Itália trazendo corona para o Brasil. Aqui, ele e sua família tiveram toda assistência médica possível. Por outro lado, Mário passou o vírus para as pessoas que trabalham em sua casa, que levaram para a periferia, onde poucos tiveram atendimento médico adequado e pessoas morreram precocemente. Além disso, durante a quarentena, Mário tinha muito mais espaço e facilidade para fazer compras e trabalhar com internet do que a grande maioria da população.

Como a desigualdade reflete vantagens injustas em diversas dimensões, em crises ela só aumenta. O total de endividados se multiplica pela falta de emprego e de recursos para atender as suas necessidades básicas. Assim, o juro também faz sua parte para perpetuar o problema. Ademais, no caso do vírus, os mais ricos certamente também terão acesso mais rápido à vacina, quando ela estiver pronta.

Ao longo das próximas décadas, infelizmente, há previsão de outras crises, sobretudo relacionadas às mudanças climáticas. Elas deverão ocorrer, também, em função do modo de vida de favorecidos. Atualmente, Tobias usa energia do ar condicionado; combustível de seu carro, das encomendas que pede e das viagens que faz; e se beneficia da pecuária para comer carne. Nem sonha em entender que isso é um problema. Quando as mudanças climáticas levarem (se é que já não estão levando) à inundação de cidades e ao aumento dos desastres naturais, dificilmente ele terá que se mudar. Se precisar, vai conseguir pegar um avião e refazer sua vida. A gente sabe quem não terá esses privilégios.

Mário e Tobias podem não ter noção da consequência de suas ações. Ainda que avisados, se tivessem agido diferente, nada mudaria. Diversos outros brasileiros trouxeram o corona para o país. De nada adianta uma pessoa reduzir o consumo de energia ou carne enquanto, por exemplo, os EUA, a China e alguns países da Europa consomem tanto do meio ambiente. Por isso, Mário e Tobias não são culpados. São apenas parte de um todo, assim como os milhões de anônimos prejudicados nessa história.

Na teoria, entender a desigualdade é bem simples, mas, na prática, existe uma zona cinza. Por isso, surgiu uma guerra de narrativas. Um grupo de privilegiados acredita que só eles, por terem mais acesso a conhecimento e informação, são capazes de oferecer aos desfavorecidos o que precisam. Outro grupo de privilegiados acredita que a solução se encontra no fim de um sistema no qual lucro, educação, saúde e uso de recursos do meio ambiente são obtidos através da exploração dos desfavorecidos, aos quais não são dadas oportunidades. A realidade é tão dura que os desfavorecidos (foco da discussão) sequer têm voz no assunto. Quem sabe não é isso que está faltando?

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Guilherme Szczerbacki Besserman Vianna
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Textos curtos para (tentar) elevar o nível da discussão em uma conversa de bar.