Os Guedesjets da Pandemia

Guilherme Szczerbacki Besserman Vianna
Pautavel
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6 min readSep 6, 2020

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by Design é Balela!

Com mais tempo em casa e alguns gastos a menos, pessoas que mantiveram seus salários em dia buscaram comprar novidades. Alguns brinquedinhos se revelam totalmente inúteis, enquanto outros se tornam essenciais para a vida — chegamos a esquecer que eles não existiam antes. Quem gosta de aparelhos eletrônicos comprou aumentador de tela de celular, quem é paranoico com limpeza (ou teve que arrumar a casa depois de muito tempo) comprou novas vassouras com aparatos funcionais, quem quer descobrir novos talentos comprou tintas para pintar quadros e quem quer ficar testando coisas comprou tudo isso, mesmo já tendo abandonado alguns dos novos objetos.

Muitas vezes não percebemos os momentos em que a prática corresponde à teoria. No entanto, é exatamente o que ocorre: em períodos de instabilidade, há choques de demanda e/ou oferta (no caso da pandemia, os dois), gerando não só uma crise econômica como também alterações de consumo. As novas situações não deixam de ser oportunidades para pessoas criativas botarem no mercado suas ideias, mas a tendência é que empresas e empresários já estabelecidos, com dinheiro e conhecimento na mão, dominem os diferentes mercados. Consequência disso é o aumento do desemprego, que deve permanecer em um patamar mais alto de maneira estrutural, ainda agravado com o aumento do uso de tecnologias “desempregantes” nos novos produtos.

Quem mais sofre com a pandemia são os mais pobres — não vou repetir os argumentos para mostrar isso, acho que já são de conhecimento público. Para amenizar essa questão, o poder público está fornecendo o auxílio emergencial para a população. O que alguns não esperavam (incluindo o governo federal) é que seu efeito fosse tão poderoso. A redução do nível de extrema pobreza em diversas áreas do Brasil, sobretudo onde o custo de vida é mais baixo, foi muito elevado, o que é uma ótima notícia. No entanto, o governo não tem dinheiro para manter o auxílio por mais tempo, mesmo recebendo vantagens eleitorais inesperadas, visto que não planejaram o programa e propuseram originalmente um valor de auxílio bem mais baixo.

Do outro lado do caixa do setor público, têm as receitas, vindas dos impostos. Nesse sentido, uma discussão do momento é a reforma tributária. Com mais gastos em função da crise, o governo, que já estava quebrado, deve buscar aumentar mais sua arrecadação (além de reduzir gastos não essenciais). Para isso, está testando brinquedinhos, como variações para emplacar impostos sobre transações eletrônicas. Mas falta, para esse empreendedor da pandemia, verificar se os clientes querem o produto (ou se a ideia faz sentido). Um imposto desse tipo prejudicaria proporcionalmente mais os mais pobres, visto que incide de maneira igual para todas as rendas. Por outro lado, alterações nas alíquotas máximas de imposto de renda não estão sendo consideradas no mundo dos guedesjets.

Uma tributação mais progressiva sobre a renda poderia melhorar a distribuição de renda do país sem modificar suas condições de crescimento. Não sei se seria o suficiente para bancar um auxílio de 600 reais — as contas devem ser feitas, mas certamente poderiam ajudar a desenvolver diversos programas sociais que sabemos (e vemos cada vez mais) serem necessários.

Atualmente, o limite máximo de tributação no Brasil é 27,5%, para quem ganha acima de R$ 4.664,68. São isentos salários abaixo de R$ 1903,98 e existem três alíquotas intermediárias. No entanto, a parcela da renda sobre a qual incidem os 27,5% é apenas a parte acima desse valor máximo (ao contrário do que muita gente pensa, sobretudo quem não confere o contracheque). Então, por exemplo, alguém que ganha R$ 5.000,00 é tributado em cerca de 10% do salário (pensei em botar a conta aqui, mas achei que ia ficar complicado — quem quiser simular, é só entrar aqui: http://www26.receita.fazenda.gov.br/irpfsimulaliq/private/pages/simuladoraliquota.jsf). Apenas R$ 335,32 (o valor acima de R$ 5.000) é taxado em 27,5%.

O Brasil não é apenas um país cuja alíquota mais alta de imposto é muito baixa*, também possui um pequeno número de faixas de alíquotas. Para melhorar o sistema, uma boa ideia, já levantada por políticos, é aumentar a alíquota de base, isentando do imposto mais gente que recebe pouco. No entanto, não há motivo para não aumentar as alíquotas entre as rendas mais altas. Por exemplo, se isentarmos quem recebe até R$ 3.000 mensais e inserirmos algumas alíquotas (35% para a faixa entre R$ 20 mil e 50 mil; 40% entre R$ 50 mil e R$ 100 mil; 50% entre R$ 100 mil e R$ 200 mil; e 60% acima de R$ 200 mil mensais), seria possível aumentar em cerca de 14% a arrecadação pública com impostos sobre a renda (conta de padaria, descrita nas observações).

Acabei de falar, mas vale repetir: é uma conta de padaria, e escrever isso aqui é bastante perigoso. Trata-se de um exemplo totalmente hipotético, sem os números nem o conhecimento para propor uma tributação eficiente em todos os seus objetivos. Existem profissionais muito mais capacitados, com muito mais informação e que ganham dinheiro para fazer isso — é deles que têm que vir as propostas reais, obviamente. Mas o exemplo é útil para mostrar uma linha que deveria nortear o pensamento de uma mudança tributária no imposto de renda.

Outra importante fonte de tributação é o imposto de renda sobre pessoa jurídica. O sistema possui os mesmos problemas de ausência de uma tributação mais progressiva. Modificar essa lógica poderia não só gerar mais receitas, como também tornar empresas menores mais competitivas e reduzir o poder de mercado de empresas gigantes. Outra questão importante é melhorar aspectos regulatórios, pois muita gente (sobretudo de renda elevada) se encaixa como pessoa jurídica (ou arrecada em formato de lucros e dividendos) e, no fim das contas, paga consideravelmente menos impostos que pessoas mais pobres.

Enfim, o imposto de renda é só um dos aspectos que devem ser levantados na reforma tributária, mas é importante pensar na forma de arrecadação e na capacidade do sistema de ser progressivo (cobrando proporcionalmente mais de quem tem mais). Outras ideias, como tributar juros e dividendos também devem estar na mesa. Existem muitos guedesjets para os políticos se divertirem com política econômica, mas precisamos investir no que pode ser realmente aproveitado para melhorar as contas e os problemas do país.

É hora de parar com impostos de brincadeiras (que seriam posteriormente abandonados) e fazer algo simples, que não faria ninguém tirar dinheiro do Brasil. Imposto sobre a renda (no lugar do excesso de impostos sobre o consumo) é mais fácil de entender e pode ser um caminho para uma tributação mais justa e estável, abrindo caminho para os diferentes governos elaborarem políticas de distribuição de renda, como o auxílio emergencial, além de (claro!) oferecerem melhores condições de saúde, educação e outros serviços básicos.

* Para comparar com outros países, ver: https://g1.globo.com/economia/imposto-de-renda/2019/noticia/2019/04/28/veja-como-e-o-imposto-de-renda-no-brasil-e-em-outros-paises.ghtml

Conta de padaria:

Utilizando o salário mínimo de 2016 (R$ 880), busquei a seguinte reportagem do G1: http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/10/concentracao-de-renda-cresce-e-brasileiros-mais-ricos-superam-74-mil.html. Nela, são mostrados os diferentes rendimentos médios dos declarantes brasileiros. Considerando o salário médio de cada intervalo, estimei o quanto cada classe pagaria e ponderei pela população de pagantes de impostos. No total, fica uma média de R$ 1.538,15 pagos no cenário atual por contribuinte, contra uma média de R$ 1.751,72 por contribuinte no cenário proposto, mais justo e mais eficiente. Lembrando que é uma conta feita de maneira casual, que pode ir pra uma mesa de bar, mas não para uma discussão mais robusta.

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Guilherme Szczerbacki Besserman Vianna
Pautavel

Textos curtos para (tentar) elevar o nível da discussão em uma conversa de bar.