Previdência

Guilherme Szczerbacki Besserman Vianna
Pautavel
Published in
4 min readApr 14, 2019
by Yan Amorim

Em cada mesa de bar, escutamos argumentos de apenas um dos lados apresentados a seguir:

a) O déficit da previdência (R$ 300 bilhões) é maior que o gasto do governo federal somado em educação, saúde e segurança. Gasta-se mais com pensão por morte do que com saúde. A população de idosos vai triplicar até 2050, e o número de trabalhadores em idade ativa vai diminuir. A média de idade de aposentadoria no Brasil é a segunda menor entre os países da OCDE. 56% do orçamento federal atualmente vai para a previdência.

b) Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Em diversos municípios, sobretudo os mais pobres, a previdência é a principal fonte de renda. O déficit só está proporcionalmente elevado (assim como outras dívidas do estado) porque Brasil não cresceu. Trata-se de uma rede de seguridade social, com objetivo de dar garantias mínimas à população. A Bolívia re-estatizou a previdência, reduziu a idade de aposentadoria e foi o país que mais cresceu na América Latina na última década. No Brasil, quando houve superávit da previdência (governo Lula), o dinheiro foi gasto ao invés de servir como reserva para anos de crise. O problema da alta aposentadoria dos servidores públicos foi amenizado, pois, desde 2013, não podem se aposentar com valor acima do teto.

Esses dois grupos são classificados como direita e esquerda, divisão que existe desde a revolução francesa com gerondinos e jacobinos. Na época, a direita representava "a ordem" e a esquerda "o movimento". Posteriormente, entendeu-se que a direita defende que a população deve servir ao Estado, e a esquerda que o Estado deve servir à população. Essas classificações são falhas, pois sempre foi possível defender determinadas posições de um lado e outras posições do outro, dentre outros problemas.

Embora os dois grupos não se falem, no debate da previdência há, pelo menos, os seguintes argumentos em comum:

c) O gasto com a previdência é quase 10 vezes maior que com o Bolsa Família. 40% dos recursos da previdência vão para os 20% mais ricos e apenas 3% para os mais pobres. A média do aposentado do Judiciário é de R$ 26 mil, do Legislativo de R$ 28 mil e dos militares de R$ 9,5 mil. No INSS, é de R$ 1.240. Isso é injusto. Atualmente, quem paga a conta é a população mais pobre, transferindo recursos para os mais ricos.

O interessante é notar que em a), b) e c) não há mentiras. A população brasileira, em função da pobreza, da desigualdade e da falta de cobertura de serviços públicos (educação, saúde e segurança) é dependente de transferências de renda. Para os aposentados, é importante haver uma garantia de renda mínima e, sobretudo, um sistema de saúde eficiente. No entanto, quem possui rendimentos mais altos possui capacidade de poupança e mecanismos do setor privado para ter suas previdências feitas. A real necessidade é oferecer recursos básicos para quem não tem como poupar durante a vida. Por outro lado, o sistema da previdência é ineficiente, e sua continuidade levará a deterioração dos serviços públicos e inflação. Assim, a situação irá piorar para todos.

A verdade é que não é possível olhar a previdência separadamente das outras políticas do Estado. É necessário haver políticas públicas integradas, que sejam capazes de oferecer serviços públicos de qualidade e políticas de transferência de renda sem prejudicar as contas públicas, que são dependentes do crescimento econômico.

Para isso ser realizado, é necessário algo que ainda não vi em nenhum debate sobre o tema: uma visão de futuro. Ou seja, o que queremos que a previdência represente para o país em 2030, em 2040, em 2050? Que ela acabe - mas aí como ficam as pessoas que dependem dela? Que ela sustente todo mundo — mas aí como é possível manter as contas públicas sadias?

O futuro da previdência deve estar integrado a uma política de Estado relacionada aos gastos e investimentos públicos. Pessoalmente, sou favorável a previdência como um intermediário para a Renda Básica Universal (RBU). Ou seja, uma renda mínima para todos os habitantes do país — que pode ser melhor detalhado em outro texto. Em conjunto, apoio uma reforma tributária que simplifique os impostos, aumente o imposto sobre a renda (com mais estratificações), reduza impostos sobre produtos e cobre tarifas sobre lucros, dividendos e externalidades.

No popular, minha visão é: mais bolsa família e menos previdência. Até se integrarem (no longo prazo). Obviamente, as políticas assistencialistas devem evoluir ao longo do tempo e ser acompanhadas de avanços na oferta de serviços públicos. No caso da previdência, não considero ideal nenhuma das propostas em circulação, mas são melhores do que manter o sistema previdenciário como está. De qualquer modo, é necessário um debate extensivo e contínuo com a população, buscando mais exemplos e explicações didáticas e menos explicações técnicas — o que também exige escutar todos os espectros da política.

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Guilherme Szczerbacki Besserman Vianna
Pautavel

Textos curtos para (tentar) elevar o nível da discussão em uma conversa de bar.