Renda Básica e Infraestrutura Social

Guilherme Szczerbacki Besserman Vianna
Pautavel
Published in
5 min readJun 21, 2020
by Design é Balela!

O aumento da vulnerabilidade social, decorrente da crise sanitária atual e do avanço do coronavírus, levaram autoridades de diversas partes do planeta a conceder benefícios para pessoas mais necessitadas. Mas, em situações normais, políticas dessa natureza fazem sentido? Para onde devemos olhar? O que pode (ou não) funcionar?

Nas discussões sobre políticas sociais (pelo menos em mesas de bar), quatro palavras essenciais são liberdade, oportunidade, conhecimento e igualdade. A liberdade pode ser resumida como o poder de escolha dos indivíduos, limitado pelo número de opções possíveis (oportunidades) e pela capacidade de saber escolher (conhecimento). A igualdade é importante para as pessoas terem as mesmas oportunidades e poderem escolher/concorrer em condições justas.

O parágrafo acima é um resumo descompromissado de um debate de séculos e hiper complexo. De qualquer forma, acredito que diferentes opiniões formaram dois grandes grupos: um primeiro que acredita na necessidade do estado aumentar a qualidade de serviços públicos como educação, saúde e segurança (infraestrutura social) para que todos venham a ter oportunidades iguais e mais conhecimento; e um segundo que aposta na maior possibilidade de escolha das pessoas para atingir os mesmos objetivos — por isso é mais favorável a distribuição de renda direta e deixar os indivíduos decidirem o que querem. É claro que é possível (e desejável) ser a favor das duas políticas, mas, em situações de restrição orçamentária, é preciso eleger prioridades.

As políticas de renda básica não foram criadas em função da pandemia. Já existem diversos exemplos de sucesso. No Brasil, o mais famoso é o Bolsa Família. Quando bem realizadas, como é o caso, favorecem o acesso à infraestrutura social. A exigência de crianças frequentarem a escola, em conjunto com a própria melhoria de renda das famílias que ganham o benefício, permitem o maior acesso a serviços essenciais. Nesses casos, não há a necessidade de priorizar — consegue-se melhorar a renda e o acesso a infraestrutura social para os mais necessitados.

Com o avanço da Covid-19, um (o) auxílio emergencial passou a ser mais importante do que infraestrutura social. Devido à pandemia, o acesso a serviços essenciais está extremamente limitado e o aumento do desemprego leva diversas famílias a terem mais necessidades básicas. No entanto, a dívida do estado aumenta: além das receitas diminuírem com impostos em função da redução da atividade econômica, o custo mensal do auxílio emergencial é maior do que o custo anual do Bolsa Família. Por isso, o desafio é já pensar no futuro do programa, que não exige nenhuma contrapartida no momento.

A popularidade de programas como esses é um combustível para que sejam executados. É impressionante como atingem capilaridade e conseguem conquistar os eleitores mais pobres, o que também prova sua eficácia. No entanto, há uma diferença de natureza entre um programa estrutural (como o Bolsa Família) e um emergencial. Quando acabar o atual “estado de sítio”, retirar renda dos beneficiados do programa pode destruir toda a popularidade que foi conseguida com ele. Afinal, sabemos que, quando não temos nada e ganhamos R$ 300, ficamos extremamente felizes; por outro lado, quando temos R$ 600 e passamos a receber R$ 300, ficamos bastante chateados.

Em conjunto com programas de renda básica, também existem outras políticas que compõem uma rede de proteção social. No Brasil, exemplos são o seguro desemprego e a previdência social. Com mais desemprego e aumento de pessoas incapacitadas de trabalhar (por problemas físicos ou psicológicos) esses custos aumentam. Nesse sentido, uma rede de proteção social deve entender como os diferentes programas precisam se comunicar, de forma a gerar o maior número de benefícios para a população com a menor quantidade de gastos para o estado. Para tanto, deve-se evitar o acúmulo desnecessário de benefícios e/ou criar regras complicadas.

Para o futuro, seria importante aproveitar o sucesso do auxílio emergencial para melhorar o acesso à infraestrutura social e reduzir o impacto orçamentário da política. É importante estudar as possíveis recomendações de exigências, para que famílias que recebem os benefícios possam ter mais acesso a conhecimento e serviços básicos.

Outra questão importante seria integrar as diferentes políticas de distribuição de renda. Um exemplo nesse sentido é a Renda Básica Universal. Trata-se de um valor que todos os habitantes de determinado local receberiam igualmente. Possui aplicações em locais como a Finlândia, Ontário (no Canadá) e Maricá (no Brasil mesmo). Cada um tem suas particularidades. Mas tenho interesse em ver como funcionaria (em qualquer lugar) criar um tributo progressivo por renda e distribuir o total para toda a população. Com o passar do tempo e uma estratégia inteligente, seria possível integrar toda a seguridade social em um programa, o que poderia gerar mais benefícios para a população (inclusive aumentando o acesso à infraestrutura social) e reduzir custos para os cofres públicos.

Esse tipo de política tem limitações claras. Por exemplo, uma taxa de imposto elevada poderia levar os mais ricos a saírem de suas residências (deixando de pagar impostos locais) e irem para áreas com menos tributos. Além disso, um salário hipotético de R$ 10.000 para todos os brasileiros só iria gerar aumento dos gastos públicos e inflação. Mas ações bem pensadas podem, inclusive, direcionar o setor produtivo para gerar mais produtos de primeira necessidade, reduzindo seus custos e as desigualdades sociais existentes. No entanto, para isso, o custo proporcional de bens não tão necessários iria subir. Assim, mesmo que inconscientemente, há tanta resistência a essa proposta.

Por outro lado, quem sabe um imposto dessa natureza não geraria mais consciência em quem possui salários muito altos? Atualmente, um sujeito que recebe um milhão de reais por mês pode nem fazer ideia do que se trata o Bolsa Família. Mas, se passa a receber um valor de renda básica, o mesmo sujeito pode se tocar que pessoas vivem, por ano, com o que não é suficiente para pagar um mês da escola do seu filho ou do seguro saúde do seu pai. Com essa compreensão, poderia se sensibilizar e abrir mão de parte de seus vencimentos para distribuir renda.

Em linhas gerais, políticas de renda básica e de infraestrutura devem andar juntas. Mas não apenas entre si: precisam estar de acordo com as questões de restrição orçamentária do estado e estratégias de desenvolvimento. Uma política de renda básica mal feita pode apenas aumentar os custos do estado sem benefícios para a população. Mas uma boa política, com capilaridade, integrando os diferentes programas de seguridade social e incentivando beneficiários a ocuparem a infraestrutura social existente podem mudar um país, melhorando sobretudo a condição de vida dos mais pobres. Se isso estiver alinhado com políticas de outras áreas, quem sabe até os ricos não podem aplaudir?

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Guilherme Szczerbacki Besserman Vianna
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Textos curtos para (tentar) elevar o nível da discussão em uma conversa de bar.