Cadê a Elba?

Leandro Godinho
Peço perdão
Published in
3 min readMay 29, 2015
Essa simpática perua derrubou um presidente (Imagem: Revista Exame)

Uma das razões pelas quais Game of Thrones e House of Cards fazem sucesso são os seus vilões. Frank Underwood, Cersei Lannister e Petyr ‘Littlefinger’ Baelish encarnam diferentes versões de um tipo mau como o Pica-Pau. Parte da euforia que tais vilões despertam no público vem de seus estrategemas que visam, tanto nos Sete Reinos, quanto nos EUA, acumular poder — poder político.

Tanta cobiça entrelaçada em grandes roteiros acabaram por despertar, pelo menos aqui no Brasil, comparações entre os vilões das ficções e algumas figuras da vida real, em particular, o deputado federal Eduardo Cunha, eleito presidente da Câmara e, por consequência, o 2º nome na linha sucessória em caso de vacância da Presidência da República, logo atrás do vice-presidente.

É aqui onde a ficção começa a perder contato com a realidade.

Tem um ponto na primeira temporada de House of Cards onde seus roteiristas estabelecem, por meio de um monólogo, sob que prisma irá agir Underwood & cia. Frank almoça com um lobista, Remy Danton (o sempre excelente Mahershalalhashbaz Ali). Ao cabo do almoço, Frank explica seu ponto de vista para nós — o dinheiro é algo que pode ruir, o poder permanece.

Hm.

Admito, a frase, dita na tela, é impactante. Só que é mentirosa.

Tem um ponto especificamente em House of Cards (Game of Thrones é mera fantasia, por mais que seus criadores forcem uma barra, estamos lidando com dragões, gigantes e zumbis; fantasia) que me incomoda e é o seguinte: há lobistas, há disputas por quaisquer polegadas de poder, disputas partidárias, articulações para derrubar ou emplacar candidatos, há tudo aquilo que ocupa espaço em noticiários políticos, menos um singelo detalhe. Não há grana.

Fica parecendo aqueles softporns que passam na tv de madrugada, sacam? Você vê a sacanagem rolando, mas aquelas poses definitivamente não convencem.

Quero dizer, a presença de Remy Danton, lobista de uma indústria de gás natural e tão ligado ao casal Underwood sugere (mas não mais do que isso) que pode ter algum caroço nesse angu, só que é pouco, bastante pouco. Na grande trama, Underwood só move seus peões em seus próprios interesses e, quando convém, nos interesse de sua mulher. A gente não enxerga a grana, ou quem financia sua campanha, ou quem está satisfeito com a sua presença ali na Câmara dos Deputados e ali nas entranhas do poder.

Acontece que os EUA são o país mais capitalista de todos e lá, como aqui, congressistas são eleitos muito porque são postos no poder para votar leis que favoreçam seus patrocinadores. Não tem choro nem vela.

Lá, como aqui, esses croquis de Maquiavel não figuram na política defendendo ideias retrógradas ou batendo de frente com mandatários eleitos por mero caráter ou vontade pessoal: eles recebem bem pra isso. Esse é o ponto onde poder e grana sempre se encontram — a grana pode não nascer poderosa, mas se quiser compra o poder e dá no mesmo. Grana é sempre grana.

No congresso, não duvide, essas figuras que muito aparecem, não o fazem por mero acaso. Cabe a nós investigar de onde elas surgiram, onde arrumam votos, que plataforma defendem e, claro, quem é que investe grana para que eles façam campanha. Nosso popular Eduardo Cunha recentemente se valeu de artimanhas notórias para aprovar (falta ainda o Senado confirmar) o financiamento empresarial de campanhas a partidos políticos; não moveu esforços tremendos apenas porque pretendia magoar Dilma Rousseff, vos garanto.

Tanto House of Cards como Game of Thrones, até aqui, muito mostraram que na disputa pelo poder suas personagens tornam-se capazes de basicamente tudo, mas ambas se furtam a mostrar o quão junto da grana e da cobiça caminham os desmandos dos poderosos. Aqui no Brasil mesmo, tivemos o caso de um político que saiu de muito longe das capitais, ganhou capas de revistas, editoriais, closes de tvs e chegou a Presidência da República.

Caiu porque descobriram de onde vinha a grana.

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