O Despertar da Força, Allen Ginsberg, Bob Dylan e até o Flamengo: uma tese? Duvido.
SIM, CONTÉM SPOILERS. CASO VOCÊ SEJA DESSAS PESSOAS COM FRICOTES, PARE AQUI. AVISEI.
Para os mais ou menos iniciados na obra & vida de Dylan, há uma passagem familiar (e linda) que Martin Scorsese registrou no documentário “No Direction Home” onde o poeta Allen Ginsberg fala sobre como descobriu a música e a poesia de Dylan ao ouvir “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”, na casa de um amigo, ainda nos anos 60. Emocionado com a força da canção, Ginsberg teria chorado diante do verso But I’ll know my song well before I start singin’.
“Parecia que a flama havia sido passada para a próxima geração”, declarou Ginsberg, aludindo a uma espécie de provérbio ou princípio budista — algo como ‘o aprendiz precisa saber mais que seu mestre ao final’— que aparentemente serviu de inspiração para Dylan. Esse verso foi a fagulha para uma amizade entre ambos que atravessou o resto de suas vidas; não são raros os biógrafos que registram que Ginsberg via em Dylan esse herdeiro da geração beat — o próprio Dylan, inclusive, gostava de se ver na companhia dos poetas beatniks.
Não resta dúvida, creio, para quem viu a (maravilhosa) continuação da Saga Guerra Nas Estrelas, “O Despertar Da Força”, a respeito do protagonismo e dos poderes que cercam Rey, a personagem que deverá levar a saga nas costas pelos próximos mais dois filmes (com a ajuda de Finn, o stormtrooper que você pode levar em casa e apresentar para os pais). A Força™ é espantosa na mocinha e tão espantosa que os fãs mais aguerridos da narrativa podem chiar sobre como ela, que começa a história sem fazer ideia do que se tratam jedis e quetais, termina tocando o terror na Primeira Ordem (os descendentes do Império). Compreendo o argumento, mas vou defender o lado de Rey.
O grande antagonista de Rey é Kylo Ren, o malvadão da vez. (EU AVISEI SOBRE SPOILERS) Ren, contudo, guarda um particular bastante particular: é filho de Leia com Han Solo, que, em algum ponto da juventude, talvez traumatizado com o casamento malfadado de seus pais (maravilhosa trama, admitamos), se apegou não a drogas, bebidas, mulheres instáveis ou a uma banda, mas aos facínoras que desejam restaurar o Império, onde labutava seu avô, hã, DARTH VADER. Por ser da linhagem da Vader, Ren herdou A Força™, ainda que não saiba muito bem o que fazer com ela — Kylo também herdou do avô a fineza no trato com o oficialato imperial, que continua sendo um emprego onde seus chefes são pessoas horríveis. Ren é bastante inseguro, e o próprio imperador da vez, Snoke, uma espécie de Gollum egocêntrico pacas, que o trouxe para o Lado Negro admite que precisa terminar seu treinamento.
Ao longo das duas horas de filme, Rey descobre em si A Força™ e rapidamente aprende a usá-la em seu favor. Em defesa de Rey, ela usa abertamente seu poder diante de Ren (um aspirante a jedi muito inseguro) e um stormtrooper, e, além disso, o próprio Snoke admite no filme que A Força™ é realmente possante na querida.
Pois bem, Rey, ao contrário de Ren, é uma personagem segura de si e seus movimentos desde os primeiros momentos da trama. Rey aparece como uma jovem que reside em Jakku (uma paisagem semelhante à Tatooine de Luke Skywalker) abandonada pelos pais quando é literalmente atropelada pelos eventos da saga. Ela herda o sabre de luz de Luke no desenrolar da trama e é ela quem, ao cabo da película, o devolve a seu dono, após fazer um uso digníssimo do aparato. Não é coincidência esse roteiro onde Rey caminha tão próxima a Luke, minha gente. Rey certamente deve ser filha de Luke, tal e qual Ren é filho de Leia. Sendo filha de Luke, que foi Anakin melhorado, Rey é, pela lógica, Luke ainda melhor. Ela herda A Força™ de seu pai e irá ser uma jedi ainda mais poderosa — e seu pai foi o cara que derrotou Darth Vader e o Lado Negro. Por isso, ao se dar conta de seus poderes, Rey logo trata tocar o horror.
Rey é o Bob Dylan para o Allen Ginsberg de Luke Skywalker, sacaram? Dylan, inclusive contava com apenas 21 aninhos de idade quando gravou “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”. Quem sabe faz ao vivo, essa é a verdade.
Cabe aqui uma lição para os responsáveis pelo Clube de Regatas do Flamengo aprenderem: não adianta ficarmos relançando produtos retrôs porque o passado só serve ao presente a partir de reflexão. Luke derrotou o Lado Negro porque o conheceu antes; Rey confrontou Ren porque descobriu que o vilão não conhecia o Lado Negro como pensava e, daí, fraquejou. Não adianta ter Zico, Adílio, Júnior, Andrade e Leandro apenas numa bonita moldura, é preciso ouvi-los pessoalmente e refazer o Flamengo a partir deles. Será um Flamengo melhor.