Crônica

Como Começa

Uma crônica sobre o início de relacionamentos

pedro a duArte
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3 min readNov 19, 2021

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Começa com uma curiosidade e certo nível de identificação. Começa com você esbarrando no perfil dele em uma rede social, você clica para segui-lo e ele te segue de volta — ou o inverso acontece. Vocês interagem. Não dá pra dizer que existe intimidade, mas é alguma coisa.

Começa com você precisando de uma substituta para cobrir um evento semanal e você a chama. Ela faz um bom trabalho e você acha injusto afastá-la do projeto quando você já pode estar presente novamente. Então você propõe que vocês passem a cobrir o evento em dupla. Antes e depois de produzir o texto, vocês fofocam sobre os acontecimentos do curso. Começa com parceria.

Começa no coletivo LGBT da faculdade. Encontros semanais nos quais vocês trocam sobre suas vivências e o que há de comum nelas, e também o que há de diferente. Começa com conversas triviais, risadas, pequenos crushes. Começa com acolhimento.

Começa com sua mãe a conhecendo em um casamento e descobrindo que vocês estarão na mesma turma do mesmo curso da faculdade e te passando o contato dela. Vocês passam as férias se falando e, uma semana antes, já é incluído no grupo de amigas dela. No primeiro dia de aula o quarteto já está formado. Começa às cegas.

Começa com vocês fazendo parte do mesmo grupo. Mas se fosse para você marcar o momento em que firmou, você diria que foi naquele feriado em novembro de 2018 que começou em uma quinta-feira e acabou numa terça, um feriado que você passou indo todo dia para Cotia gravar um curta-metragem desde às 17h até às 7h do dia seguinte. Quando se está em sets de filmagem, eles se tornam seu único universo conhecido: limitado e extremamente intenso. Vocês precisam atravessar essas diárias juntos, um se apoia no outro e ambos não parecem se importar com o mau-humor do outro por falta de sono. Começa em um clima de front.

Começa com vocês voltando a pé para casa depois das aulas da faculdade. Um momento transitório entre os estudos e o descanso. Vocês trocam sobre o que aconteceu naquele dia, sobre os filmes que estão vendo, as séries, as peças de teatro, os crushes, os dates, as inimizades. Começa com companheirismo.

Começa com vocês dando match no Tinder. Conversa vai, conversa vem. Você se apaixona por ele, mas ele não está a fim de você. Mesmo assim vocês continuam se vendo ocasionalmente, continuam se falando — há uma naturalidade e honestidade nisso. Começa com a intenção de que fosse algo a mais.

Começa com você entrando na turma de teatro dela. E firmou quando vocês se mudaram do interior para estudar em São Paulo e passaram a assistir peças de teatro juntos. Começa com companhia.

Começa com você achando que não se daria bem com eles, mas calhou de vocês fazerem um trabalho em grupo juntos. Agora, toda quarta-feira depois da aula vocês saem para almoçar. E vocês reclamam da monitoria, vocês compartilham fofocas da sala, vocês trocam experiências de vida. Almoços que você passa a chamar de “reuniões do sindicato”. Começa com comida.

Começa com vocês cobrindo por dois anos seguidos um festival de cinema de grande escopo, ambos com a missão de organizar a equipe de repórteres e realizar algumas publicações. Durante um mês, só existe o festival (outro clima de front) e ela é sua companhia diária. Você gosta do trabalho dela (e parece que ela gosta do seu). Começa com admiração.

Começou há tanto tempo que você já nem se lembra como começou, tem apenas uma vaga ideia de qual ano era. Após 10 anos, como começou já não é o mais importante. Hoje, o que importa são as histórias que vocês viveram juntos ao longo dessa trajetória e que — com a benção divina — continuarão vivendo.

Começa com uma curiosidade e certo nível de identificação. Se bem cultivada, continua com amor.

Nota: Esta crônica foi produzida para a oficina “Escrever aprende-se escrevendo”, ministrada por Luana Chnaiderman na Escrevedeira.

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pedro a duArte
pedro a duArte

Jornalista e Escritor // "Para além do que vivemos e acreditamos, nossas vidas se tornam as estórias que contamos" (Lynn Ahrens)