Crônica

Pequena Coletânea de Lugares

Uma crônica sobre lugares onde estive

pedro a duArte
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5 min readDec 1, 2023

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Academia Hung Sing (Unidade do Pacaembu)

São Paulo, SP — 16.09.2023 (sab) às 10h27

O CLIMA: Manhã de sol, poucas nuvens e céu azul. Uma brisa fria.

Sobre um tatame cinza, crianças (não devem ter mais que seis anos) fazem seu treino de Kung Fu — suas faixas variam entre a branca e amarela; fazem parte do “Tiger Team”. Vitor, Instrutor Master, conduz a aula e Sijeh Vivi, Auxiliar Instrutora, supervisiona. Quando a turma inteira está fazendo o aquecimento, são organizadas como um arco-íris: verde, verde-jade, laranja, amarela e branca (ordem decrescente de graduação). No momento a turma está dividida: no tatame principal, Vivi instrui as crianças da faixa branca (dois meninos e duas meninas) enquanto Vitor instrui as crianças da faixa amarela (um menino e duas meninas). As crianças fazem os movimentos olhando de frente a um espelho (ao meu lado esquerdo da sala): soco jab, bloqueio interno e esterno, soco da pantera, chute frontal, chute ponta-de-faca…

Próximo da entrada, pais e mães esperam a aula de seus filhos e filhas acabar. Alguns observam a atividade, outros olham para as telas de seus celulares. Ao redor deles, há fotografias de alunos e alunas da Hung Sing competindo em campeonatos de Kung Fu e de Sanda (um estilo militar).

Estou no fundo do salão sentado em um banco comprido e branco encostado na parede. O chão abaixo do tatame foi pintado de azul. As paredes são amarelas. Três pilares de sustentação dispostos em diagonal perfuram o tatame. Logo acima de mim, uma pintura a guache (ou têmpera) está pendurada — retrata um templo shaolin: homens carecas vestindo quimono lutam entre si no espaço a céu aberto, enquanto outros observam das galerias; Sihing Felipe me contou certa vez que esta é a pintura original, as que estão nas outras unidades da Hung Sing são cópias.

Os ventiladores estão ligados. Nas paredes ao redor há quadros com inscrições em chinês — são os princípios da Hung Sing: Integridade, Bondade, Sabedoria e Bravura. Há também cinco fotografias do Mestre Francisco de Paula posando como os animais que compõem o estilo do Choy Lay Fut: Tigre, Pantera, Garça, Serpente e Dragão. O teto é branco, refletindo a iluminação e deixando o ambiente claro e aconchegante.

Há uma escada ao meu lado direito que leva a um segundo andar, construído como um mezanino. Sihing Felipe, Instrutor Auxiliar, está lá em cima instruindo a turma “Kids” (um pouco mais velhas que o “Tiger Team” — quatro garotos e três garotas das faixas branca, amarela, laranja ou verde). Daqui de baixo, consigo ouvir sua voz, de subtons metálicos, dando os comandos: “Sentido!”; “Kin lai.”; “Abdominal: um, dois…”

Uma profusão de sons. Instrutores dão comandos. Ventiladores girando em velocidade. Crianças gritando, rindo e soltando a voz quando fazem os golpes: “Sic / Aia!”

Via Elevado Presidente João Goulart (O Minhocão)

São Paulo, SP — 17.09.2023 (dom) às 16h53

O CLIMA: Céu azul. Nenhum fiapo de nuvem no céu. Está quente, porém agradável — uma brisa ocasional, que não refresca.

Na ponta oeste, próximo à entrada. Estou sentado em um conjunto de três hexágonos, com tampo de madeira. Abaixo do elevado, a Pacaembu marulha. Ainda que a paisagem seja conhecida, o ponto de vista dos prédios ao redor é outro quando vistos daqui de cima.

Passeando pelo asfalto, homens e mulheres de diversas idades e tons de pele levam seus cachorros para dar uma volta, andam de bicicleta ou skate — raramente se vê alguém de patins. Homens descamisados passam por mim fazendo corrida, seus torsos delineados (às vezes, peludos) brilhando de suor. As pessoas estão acompanhadas ou vão sozinhas, sendo que as duplas são normalmente formadas por amizades ou casais de enamorados.

Apesar do calor, os janelões de vidro do prédio verde-oliva estão, em sua maioria, fechados. Apenas duas mulheres, no apartamento inferior à esquerda, estão apoiadas na janela enquanto conversam — um homem se junta a elas.

Ao meu lado, três homens morenos e de cabelos cacheados bolam um beck enquanto conversam — imagino que gostariam de gravar um dos três andando de skate pelo Minhocão. Um rapaz tatuado e de barba (vestindo um boné preto) está sentado ao lado de uma amiga de cabelos longos e lisos (fones de ouvido, também pretos, ao redor do pescoço), olham para o celular um do outro selecionando as fotos que postarão nas redes sociais. Duas amigas loiras param para sentar enquanto o cachorrinho de uma delas descansa.

A luz do sol incide sobre um mural, no lado direito de um prédio. Retrata uma mulher com flores na cabeça e um halo ao redor. Ela segura um círculo amarelo na palma da mão. Abaixo dela, a inscrição “Coragem”.

Um ciclista de torso trincado, pele negra e cabelos cacheados acaba de passar flutuando por mim. Da sua caixinha de som, ecoa a voz de Whitney Houston:

I wanna dance with somebody. Oh, I wanna feel the heat with somebody. Yeah, I wanna dance with somebody. With somebody who loves me.

Praça da Paz (Unicamp)

Campinas, SP — 18.09.2023 (seg) às 08h22

O CLIMA: Nuvens fofas sob um céu azul anil. Dia fresco. É possível que chova mais tarde.

A Unicamp amanhece. Estou sentado na arquibancada de um pequeno teatro de arena na extremidade sul da Praça, próximo à Rua Seis de Agosto onde fica o prédio do Labjor. O teatro de arena é todo feito de concreto. Cercando o perímetro, árvores de tronco branco produzem uma sombra no ambiente com sua copa frondosa. Em cima do palco de concreto (direita alta), um jovem magro de regata preta, short azul, barba no rosto e fones faz seus exercícios físicos com calma, flexões a abdominais — há uma bicicleta amarela apoiada na parte de trás do palco; imagino que essa tenha sido a maneira como o rapaz chegou até aqui.

Atrás de mim, dois jovens esperam o horário da aula: o rapaz, na última fileira à direita, mexe em um gravetinho; a jovem de cabelo afro e óculos redondo fuma enquanto ouve música nos fones. Outra jovem de cabelos negros e lisos na ponta esquerda da primeira fileira bebe uma água e mexe no celular.

Na minha frente e atrás do palco, rapazes de regata branca fazem aquecimentos e alongamentos nos equipamentos de ginástica. Pessoas caminham até a aula — jovens estudantes e docentes. Algumas fazem corrida, outras levam seus cachorros para passear.

A praça é um gramadão aberto salpicado de árvores aqui e ali; alguns ipês amarelos, poucos flamboyants. Faz silêncio. Rodas deslizam tranquilamente pela Rua Roxo Moreira. Diversos passarinhos cantam — queria ser ornitólogo para ser capaz de identificar as espécies pela voz de cada uma; reconheço apenas as maritacas ruidosas e os tímidos bem-te-vi.

NOTA: Esta crônica foi produzida para a Oficina de Literatura Potencial , ministrada por Brune Carvalho nA Escrevedeira.

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pedro a duArte
pedro a duArte

Jornalista e Escritor // "Para além do que vivemos e acreditamos, nossas vidas se tornam as estórias que contamos" (Lynn Ahrens)