Crônica

Um Pequeno Teatro na R. Barra Funda

Uma crônica sobre o Teatro do Núcleo Experimental

pedro a duArte
Published in
5 min readApr 3, 2022

--

Ó — é bem simples. Assim que você sai pelas catracas da Marechal Deodoro, ainda dentro da estação, você vira à esquerda e atravessa um corredor longo. Sobe as escadas. Você vai sair na entrada secundária da estação, que fica na margem norte da Praça Marechal Deodoro. Caminhe a direita, em direção a ponta oeste do Elevado Pres. João Goulart (que você deve conhecer pelo apelido “Minhocão”). Chegando na Rua Conselheiro Brotero, vire à direita. A Rua Barra Funda é a terceira à esquerda. O Núcleo fica pertinho da esquina. Fácil, né? Você só tem que tomar cuidado pra não perder o teatro — sua fachada se confunde com o restante da rua, parece mais um cafezinho.

Quando você entra, perceberá que o saguão é pequeno. O chão é vermelho e as paredes de um tom “azul-água”; a iluminação é por conta de lanternas de papel redondas, penduradas no teto. Atrás do balcão, você conhecerá Andréia, é ela quem comanda o Café do Núcleo — você precisa experimentar os bolos que ela faz, são de-li-ci-osos! Eu sei que sou suspeito para falar, mas pra mim o Núcleo Experimental é o teatro mais charmoso da cidade de São Paulo — me desculpem, Lina Bo Bardi e Zé Celso…

Na bilheteria, você também conhecerá Laura, a produtora do Núcleo. Fui ver tanta peça lá que ela já me reconhece, e me cumprimenta com um sorriso acolhedor quando chego. Antes da Laura, a produtora era Claudia, com quem já tive várias conversas no banquinho da calçada.

Muitas vezes, vou sozinho ao teatro — é costume. Fico contemplando os pôsteres de peças que o Núcleo já montou — eles estão espalhados por quase todas as paredes do saguão. “Essa eu já vi. Essa eu vi. Essa eu devo ter assistido umas sete vezes… Essa não vi… As peças dessa parede foram encenadas antes de me mudar pra SP…”

Também prefiro chegar mais cedo em noites de espetáculo, pelo menos uma hora antes. Então, acaba que normalmente sou o primeiro a estar lá. Faço isso porque gosto de ver o público entrando — ouvir o murmurinho das conversas e o tilintar de talheres e xícaras de quem sabiamente decidiu provar um dos bolos da Andréia. Quem são essas pessoas que acabaram de chegar? O que trouxe elas até aqui? Sobre o que conversam?

Você verá que o público do Núcleo é formado por um grupo diversificado de pessoas. Talvez nossa maior conexão seja uma paixão por Teatro. São parentes e amizades de membros da equipe criativa da peça em cartaz, são admiradores do trabalho da companhia, são estudantes de Teatro que vieram por indicação de algum professor. E são também pessoas que simplesmente viram o nome da peça em algum guia cultural enquanto estavam procurando alguma programação diferente para o final de semana.

Ao mesmo tempo, quando se é um frequentador assíduo, você começa a encontrar umas figurinhas repetidas entre os membros do público. Às vezes crio coragem de puxar assunto com outras pessoas no saguão e, numa dessas, já fiz várias amizades — trocamos curiosidades sobre as peças que já assistimos no Núcleo, conversamos sobre nossos musicais favoritos ou sobre o que está em cartaz nos outros teatros da cidade.

Em noites de estreia, sempre encontro a Jacque e a Cris, as “meninas do Instagram”, registrando o evento para publicar nos perfis das redes sociais do Núcleo. A Isa também está lá — assim como eu, desde que viu Lembro todo dia de você, virou fã de carteirinha da companhia. Com alguma sorte, dá pra encontrar o Zé Henrique e a Fernanda também. Já perdi a conta de quantas vezes fui conversar com eles depois das apresentações — perguntar como determinada cena foi concebida, como foi o processo de composição daquela música. É impressionante o carinho com o qual essas pessoas nos recebem, sempre dispostos a compartilhar sobre seus processos de criação ou, simplesmente, bater um papo.

Aliás, pra quem é fã, o Núcleo é um lugar excelente para fazer stagedoor (ou seja, tietar o elenco depois da peça) porque a única saída existente dos camarins é passando pela plateia e saindo para o próprio saguão do teatro. Então é muito comum, depois de uma apresentação, ver o elenco abraçando seus familiares e amizades que vieram lhes prestigiar. A alegria contagiante de ter testemunhado uma pessoa querida praticando seu ofício com paixão. Desde que minha amiga Mari se tornou estagiária de iluminação do Fran lá no Núcleo, entro na sala de espetáculo mandando um coração feito com minhas mãos para ela — que me acena de volta, lá de cima da técnica. E depois do espetáculo, quando ela já foi liberada, ficamos fofocando sobre os últimos acontecimentos em nossas vidas aqui na Capital — assim como eu, ela veio de Campinas para fazer faculdade aqui.

Existe algo de mágico em passar uma noite no teatro. O tipo de coisa que só estando lá para ver. Eu não sei se consigo te explicar…, mas diria que os teatros podem servir o mesmo papel que as igrejas tiveram durante boa parte da História. São espaços que servem não apenas para fomentar reflexões, comida para a mente; mas também espaços para comunhão, alimento para a alma. É por isso que eu confio no Teatro. Uma noite rindo no teatro, uma noite sonhando, cantando, refletindo. As emoções compartilhadas nos provam que estamos interligados.

Para além do charme acolhedor do café do Núcleo, a sensação que se tem ao estar lá é a de fazer parte de uma comunidade — saber que em algum lugar dessa selva de pedra há um espaço cultivado com afeto, na forma de um pequeno teatro na Rua Barra Funda.

Nota: Esta crônica foi produzida para a oficina “Escrevendo o Real”, ministrada por Ingrid Fagundez na Escrevedeira.

Fachada do Teatro do Núcleo Experimental. Foto: Reprodução / Facebook do Núcleo.

--

--

pedro a duArte

Jornalista e Escritor // "Para além do que vivemos e acreditamos, nossas vidas se tornam as estórias que contamos" (Lynn Ahrens)