Foto tirada por Felipe Arruda

Por uma biblioteca pública de qualidade

Sobre o modo de reviver a alma de Santos para que sua vocação cosmopolita se realize

Rafael Nogueira
Pena de Santos
Published in
6 min readOct 15, 2013

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Desde sempre, ouço de paulistanos que Santos é província; que aqui não há cultura, não há educação de qualidade, enfim, não há ninguém informado sobre as ideias mais elementares que circulam pelo mundo. Só há praia e sossego. Por isso, eles procuram a cidade aos finais de semana e feriados. Em parte, eles têm razão.

O grande problema é que as modas de São Paulo não estão boas, pelo menos, as que tenho visto na minha área de estudo. O que mais ocorre é a tentativa deles de elevar preconceitos rasteiros de suas correntes de pensamento a verdades universais, ainda quando proclamem que “verdades” são tentativas de imposições. Esses são os luminares que se esforçam para ilustrar as elites. Já as elites não têm muito a ver com isso, embora também considerem Santos uma província. Esses sim veem a Baixada como local de veraneio, nada mais. Trabalham muito para, depois, procurarem sol, sombra e água fresca.

Nesse sentido, prefiro o provincianismo à macaqueação. Prefiro o provincianismo daquele que se defende contra as doenças intelectuais da metrópole; daquele que desfruta melhor qualidade de vida na cara de pau, sem se ver preso à sina de encarar mil ônibus e metrôs para trabalhar. Nada contra o trabalho. Sou entusiasta do trabalho. Mas tudo contra viver para o trânsito.

Falando nisso, especialmente hoje, li muito sobre os transportes. Tivemos a implantação da rede de bicicletas públicas (obra meritória!) e, pelo que li em A Tribuna de 13/11/2013, ano que vem, passaremos por uma revolução (sic) nos transportes que conectará todos os pontos de Santos de forma veloz, segura e bela. Como? Por meio do VLT. Sem contar a renovação dos ônibus, que terão ares-condicionados e wifi, e a construção de um novo túnel, entre outras coisas.

Faz tempo que vejo grande euforia na opinião comum e nos jornais a respeito da aceleração econômica em Santos. Há um “boom imobiliário” inegável, e muita gente está contando com as benesses do pré-sal. Não discutirei com os tantos videntes que teorizam sobre o “estourar da bolha” ou sobre a transformação de Santos numa Miami brasileira. Não tenho opinião a respeito, nem informação suficiente para fazer previsões certas. A não ser sobre alguns aspectos da educação e da cultura. Afinal, comecei escrevendo este post não para tratar de qualidade de vida, mas sim, sobre cultura.

Por mais que a cidade fique mais bonita, mais interligada e com maior renda, não posso deixar de lamentar o fato de não termos ainda uma vida cultural pujante. Não fossem as honrosas iniciativas particulares, como as dos meus amigos José Luiz Tahan e Rodrigo Simonsen , e alguns eventos muito pontuais como os que ocorrem no SESC, a presença periódica da OSESP, a ópera-samba José Bonifácio, os eventos da Academia Santista de Letras, e, vá lá, uma ou outra iniciativa da Secretaria de Cultura, como a de valorizar o Centro Histórico (o bonde é uma maravilha!) — além de alguma coisa que porventura eu tenha esquecido —seríamos um nada cultural. Mas isso é pouco! Muito pouco! E do ponto de vista educacional, temos muitas escolas e universidades, mas poucas bem classificadas; poucos alunos interessados em estudar a sério; poucos professores apaixonados pelo que fazem.

No início do ano, o Secretário de Cultura, Raul Christiano, falou que se esforçaria por transformar Santos na “capital da leitura”. Se o secretário se referia à Baixada Santista, já concretizamos o feito, afinal, São Vicente nem livraria tem. Mas se o objetivo era criar a capital nacional da leitura, ainda nem começamos. São Paulo tem incontáveis bibliotecas interessantes, e uma das coisas que fazem a fama de Curitiba é a sua Biblioteca Pública de qualidade, além dos seus tantos museus. A meu ver, biblioteca é como o corpo de bombeiros — toda cidade tem que ter em boas condições! Uma olhadela na Biblioteca Municipal “Alberto Sousa” é suficiente para notar que não temos a mínima chance de competir com bibliotecas sérias.

Uma cidade não cresce nem aparece sem alma. Não adianta se valer da natureza. Aspectos naturais bonitos continuam bonitos sem os homens no entorno. Tampouco adianta só pensar em economia e turismo. Mesmo eu não gostando muito do Rio de Janeiro, impossível não admitir que culturalmente o Rio é incomparavelmente superior. A Biblioteca Nacional tem em seu acervo, por exemplo, os livros que eram de uso pessoal do José Bonifácio. Por que não estão em Santos, num Memorial adequado? Ou numa Biblioteca Municipal que mereça ser chamada assim?

Paris não é famosa porque ficou podre de rica, pelo contrário — sua fama vem do clamor que intelectuais e miseráveis unidos fizeram contra tiranos. E seu charme está na cultura, na beleza de sua arte urbana, no cultivo que tantos de seus homens fizeram do espírito.

Roma não é famosa por ser muito rica e por ter bairros muito bem conectados (sem menosprezar essa iniciativa que, repito, é excelente para os santistas, mas não pode ser exclusiva). Ela é famosa por sua antiga proeminência, por sua beleza incomparável, por sua cultura, enfim.

E quem estiver pensando em Nova Iorque terá de me responder por quê, justamente lá, há grandiosas universidades e uma das mais completas bibliotecas do mundo.

Vi a mesma situação em Washington: provavelmente, a Biblioteca do Congresso é a maior do mundo.

Miami perto dos exemplos acima é só uma sombra. Mas como santista adora tomar Miami por modelo, seguem duas imagens de bibliotecas que ficam em Miami. Não são fake. Inclusive, um amigo visitou e descreveu detalhes para mim. Quem quiser saber mais, só me procurar. Vamos imitar isso aí também?

Biblioteca da Universidade de Miami
Biblioteca Pública de Miami

Então, como fazer para que Santos adquira cultura? Como fazer para que o espírito apareça por aqui, criando inteligência, beleza e — por que não? —, aumentando as riquezas? Será que temos de nos contentar em ser província intelectual para sempre?

A cidade de São Paulo, com seu lema “NON DUCOR DUCO”, tem nos conduzido muito mal. Seus cientistas humanos acatam qualquer preconceito que pulule na França ou na ONU e acabam por contagiar todo o Brasil com seus erros.

Santos é a terra da liberdade? Ora, nada mais elementar que a liberdade de pensar! A tarefa do pensamento começa por relativizar as certezas que nos ensinam, e isso ocorre de duas formas: adquirindo mais ilustração cultural (leitura!) e usando o próprio cérebro para definir os próprios valores.

Não é muito difícil antever crescimento econômico se as universidades atraírem mais alunos; se a cidade tiver mais eventos culturais, artísticos e intelectuais; se a mão-de-obra se tornar cada vez mais capacitada; se tivermos, enfim, pessoas mais capazes de entender Santos. Jornais venderão mais. Livros também. A opinião publicada será vivamente discutida, não mais apenas lembrada por uns e outros que mantém o hábito antiquado de ler aquilo que se escreve na cidade sobre a cidade. Enfim, não há contra-indicações, apenas vantagens. Vamos nos unir para dar esse primeiro passo: o da criação de uma nova Biblioteca Pública em Santos.

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Rafael Nogueira
Pena de Santos

Estudioso pangnoseológico inspirado pelo exemplo da noz: cérebro bem nutrido protegido por uma casca grossa.