Ruínas
Ainda não consigo acreditar que o perdi.
Que ele não está mais aqui.
Que não posso mais vê-lo.
A casa está vazia.
O silêncio predomina nossos dias.
As lembranças daqueles dias, todas elas
em detalhes, me vem a todo momento.
O seu sofrimento naquela cama.
Suas lágrimas escorrendo por seus olhinhos azuis fechados.
O sufoco ao tentar respirar.
Ele inerte na cama.
Sem pulso.
Sem vida.
A demora do SAMU.
A minha mãe gritando em cima dele “meu papai, acorda.”
Minha vó em lágrimas.
Meus irmãos sofrendo.
Um no sofá, o outro nos meus braços.
Ele naquele plástico transparente.
Depois enrolado no lençol.
Como se fosse apenas um cadáver sem valor.
Como aqueles de filmes policiais.
Meu tio ajoelhado aos prantos.
Minha tia vermelha, pressão alta e mais lágrimas.
Cada um com a sua dor.
Minha vó com seu rosto ficando torto. Início de AVC.
O meu medo.
Ele naquele caixão.
Tão sereno, dormindo.
Não era ele.
Gelado.
Aquela correria de cá pra lá.
Resolver funeral, velório, documentos, pagamentos.
Burocracias.
Desespero.
Surtei.
Só pensando em desistir.
Sair por aí e não voltar.
Planejando o meu desaparecer.
Meu Deus.
Estou sofrendo tanto.
Sem dormir, sem comer, sem beber.
Dificuldade de respirar.
De me concentrar.
De pensar em qualquer coisa além disso, daquilo.
Me sinto fraca.
Nada tem gosto.
Está tudo cinza.
Hoje eu visto preto não por gostar da cor.
Não por estilo.
Hoje eu visto preto pela minha dor.
Pela sua ausência.
Me sinto tonta.
Tão sem vida quanto antes.
É duro ser forte o tempo todo.
Por elas e por você serei.
Por fora, dura na queda.
Por dentro, em ruínas.
