Suicídio, quem fica e quem vai.

Paulo Pilotti Duarte
here be dragons
Published in
4 min readJan 17, 2017

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Segundo a OMS, a depressão já é a doença mais incapacitante do mundo. Também segundo a OMS o suicídio já mata mais do que o HIV na população jovem.

Eu estou nesses dois quadros. Sou parte dessas duas estatísticas.

Esse texto se formou na minha cabeça quando eu vi esse vídeo:

Eu nunca tinha pensado em como seria, de verdade, a vida de quem fica e perde alguém pro suicídio, ainda que a maioria das vezes em que eu penso sobre isso o que me impede de me matar é a minha mãe e o meu irmão (eles não fazem nada diretamente, mas, a ideia de deixar eles e os fazer passar por essa experiência me quebra de tal forma que se torna impossível para mim prosseguir, só não), o problema é que eu não sei até quando eles vão me segurar.

Já escrevi sobre depressão sob um viés mais pessoal, me focando mais na minha trajetória até aquele momento do que no que tinha para além da minha profissão.

Hoje muita coisa mudou na minha vida. Me formei e atuo em outra profissão, mas, como eu disse ao final daquele texto em 2014, eu não posso baixar a guarda e deixar que a doença tome conta de mim, me incapacite e me deixe completamente entregue aos pensamentos suicidas e, provavelmente, cometer o ato.

Muita coisa mudou, menos a minha incapacidade de lidar com os problemas diários da minha vida de forma saudável. Tem que leia isso e pense que eu apenas sou preguiçoso ou mimado e que deveria ficar feliz por ser uma pessoa “normal” — pessoas que criticam outras pessoas adoram fazer correlações entre problemas e criar réguas de normalidade/anormalidade para segurar o argumento delas — e poder ir em busca da minha vida e das minhas vontades.

Tem dias em que a solidão e a incapacidade de sair da cama são tão absurdas que a única coisa que eu penso é em como seria bom não acordar, morrer dormindo, sei lá. Penso que nem isso eu faço, me matar, pois não tenho coragem. Seria mais simples, a vida terminaria e o sofrimento e a dor diária iriam junto com essa vida miserável.

Infelizmente, poucas pessoas das mais próximas conseguem olhar e enxergar o que está acontecendo na volta e perceber quando uma pessoa está no seu limite mental (e as vezes físico) porque tudo é muito linear e devagar. Não se acorda pensando “acho que vou ali me matar hoje”; pelo contrário, o processo é lento e o resultado de um acumulado de experiências ruins, de decepções (financeiras, amorosas, educacionais) e de desesperança (por ter uma doença fatal, por ter pouca esperança de que as coisas vão melhorar pela solidão que jamais se desfaz). Quando tudo isso se soma, a sua capacidade de enxergar o mundo com clareza se esvai e a tendência é apenas enxergar o que atrapalha a vida, até o momento em que a vida é o que atrapalha tudo. Ser um fardo, um amontado de decepções e fracassos; essas coisas se acumulam lentamente até que não tem mais volta, tudo é muito pesado e se coloca de tal forma que a saída é não ter saída.

Se matar é o ato limítrofe de quem não tem mais forças (mentais e físicas) pra outra desilusão, pra mais solidão ou para mais fracassos pessoais.

Uma conclusão?

Solidão, pobreza, incapacidade, sujeira. Muitas coisas me cercam hoje e eu não tenho controle sobre elas, mas, elas tem controle sobre mim. Moro numa casa de baixo padrão, muito suja e com bastante problemas de infraestrutura e, na atual situação, se mudar e pagar um aluguel absurdo não é uma opção. Muito menos dividir apartamento com alguém — não tenho capacidade emocional, ainda, para fazer isso — o que me deixa razoavelmente preso nessa realidade. Em julho fui assaltado (não que isso seja novidade para quem mora no Brasil e, mais ainda, para quem mora em Porto Alegre, principalmente na Zona Norte da cidade, na fronteira de várias vilas comandadas por diferentes facções criminosas onde é comum que se encontrem cabeças humanas decepadas pelas ruas) a poucos metros da minha casa, uns 20 mais ou menos, tive uma arma apontada para minha cabeça e fiquei, com sorte, com o cartão do ônibus e o fone de ouvido. Isso deteriorou a minha capacidade de sair de casa e procurar empregos; se antigamente eu conseguia uma vaga e depois de um ou dois meses atuando eu começava a me esconder até sair da empresa, hoje eu não consigo nem ir na entrevista algumas vezes e, quando consigo ir e por ventura consigo a posição, acabo não assumindo o posto por medo e ansiedade.

Minha vida vai se deteriorando na medida em que a minha incapacidade de lidar com a doença avança e a única coisa que eu posso fazer é manter a minha vigilância em tudo o que me rodeia e saber que eu não posso fugir disso, faz parte de mim, como uma muleta.

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