Um resumo da COVID19

Paulo Pilotti Duarte
here be dragons
Published in
4 min readJul 30, 2021

Fiz um mini-curso sobre modelos matemáticos epidemiológicos essa semana, justamente quando vazou/liberou os dados da apresentação do CDC dos EUA falando sobre as preocupações em relação a variante Delta do novo coronavírus. Claro que isso foi tema do mini-curso (que por sorte era síncrono). As discussões que foram colocadas lá eu reproduzo abaixo.

A maioria dos vírus precisa de tempo para se transmitir para o maior número de pessoas possíveis; esse seria o cenário ideal para um vírus: pouca mortalidade e alta transmissibilidade. O vírus do Ebola (e todas as suas variações) é um contra-exemplo disso: como mata muito e muito rápido, se espalha pouco e assim a sua sobrevivência se torna prejudicada. Do lado oposto, o vírus da gripe mata pouco e se espalha muito e muito rápido, por isso se mantém circulando entre os humanos desde sempre, mesmo com vacinação anual.

No meio disso tudo, surgiu o Sars-COV-2, que se transmite muito e mata muito. A vantagem evolutiva do novo coronavírus foi se transmitir durante o período pré-sintomático e até 7 dias após aparecerem os primeiros sintomas, ou seja, o vírus se replica antes do hospedeiro entrar em estado grave e morrer. Esse tipo de estratégia possibilitou que o vírus se espalhasse rapidamente e após matasse os seus veículos de transmissão (nós) sem prejuízo ao vírus em si. Ele segue se espalhando mesmo matando.

Em resumo, não existe pressão evolutiva para que o vírus mude o seu modo de operação e deixe de matar o seu hospedeiro. Pelo contrário, a pressão evolutiva no novo coronavírus é para melhorar o seu sistema de transmissão na fase pré-sintomática, o que vem depois não interessa mais no mecanismo de evolução e sobrevivência do vírus.

Sendo assim, o novo coronavírus se tornou um vírus mais agressivo nas suas variações, P1 e Delta, se tornando mais mortífero depois dos primeiros 7 dias de sintomas e muito mais transmissível antes desses sintomas aparecerem, contrariando a lógica usual de que um vírus se torna menos agressivo quando começa a sua variação genética.

Os modelos que se tem acesso atualmente mostram, ainda, que a variante Delta pode ter sido a primeira das super-variantes. Com a circulação mundial voltando aos patamares pré-pandêmicos por conta da vacinação, a tendência — como todo o vírus que encontra um ambiente de circulação livre — é que ocorram variantes mais agressivas no contágio, mesmo entre aqueles que estão vacinados. Assim, a tendência atual é que a variante Delta se torne predominante no mundo todo em pouco tempo e, após, surja uma nova variante, ainda mais agressiva, que vai se utilizar desse relaxamento das medidas de restrições de circulação para se espalhar ainda mais rápido.

Um vírus que está descontrolado pelo mundo é algo tenebroso, mas enquanto ele for incapaz de furar a barreira vacinal, a preocupação é amenizada. Atualmente temos esse cenário: a variante Delta segue sendo transmitida entre aqueles que tomaram suas vacinas — 1 ou 2 doses — mas, por conta da proteção vacinal, essas pessoas não desenvolvem as formas mais graves da doença (sem necessidade de internação ou mesmo algum tratamento intrusivo como a intubação).

Ótimo resumo gráfico comparativo entre o novo coronavírus na sua forma leve e na sua forma grave. Detalhe para o tempo de transmissão e a curva de evolução clínica.

Contudo, até quando iremos ter essa proteção vacinal? Quanto tempo levará, com esse descontrole na circulação mundial, até que uma variante mais agressiva escape da proteção vacinal que temos atualmente?

Primeira barra: incidência de COVID é 8x menor entre vacinados. Segunda barra: incidência de hospitalização é 25x menor entre vacinados. Terceira barra: letalidade é 25x menor entre vacinados.

O cenário atual mais provável é de fechamento e abertura durante muitos anos. A modelagem regressiva em função das variantes (função peso de probabilidade) mostra que a tendência de surgimento de novas variantes tende a ser cada vez mais curta (r/2) com a circulação de pessoas desenfreada.

Cabe ainda olhar mais atentamente para os dados que foram liberados pelo CDC (ou vazados) sobre a variante Delta. Primeiro dado que salta aos olhos é que a variante Delta é mais transmissível que Ebola, MERS, H1N1 e Varíola. Assim, mesmo com proteção das vacinas (>91%) a tendência, em caso de transmissão comunitária descontrola, é que tenhamos um aumento dos casos graves da doença entre pessoas totalmente vacinadas (questão de grandes números, mesmo com uma proteção acima de 90%, com uma grande quantidade de pessoas infectadas a tendência é de aumento de pessoas com casos graves). Ainda, alguns dados indicam, para a variante Delta, um R0 ~6, outros, mais conservadores, indicam R0 ~2.5 (o normal do COVID19 até aqui). Em todos os casos, ainda é um vetor de transmissão alto (ainda que um R0 de 6 seria uma pandemia avassaladora, nível de peste negra).

A ação mais consciente atualmente é que devemos nos vacinar, evitar aglomerações, trabalhar de casa (se possível) e usar sempre máscara na rua e nos locais fechados, de preferência PFF2, porque a pandemia vai passar, mas vai demorar bastante tempo ainda.

--

--