Você está sendo vigiado.

E nenhum guru de privacidade vai te ajudar.

Paulo Pilotti Duarte
here be dragons
4 min readAug 10, 2021

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A maioria dos portais de tecnologia, newsleters e blogs estão batendo na tecla da privacidade dos dados brasileiros. Isso começou uns três ou quatro anos atrás, quando escândalos envolvendo o Facebook e seus braços vieram à tona. Principalmente na época das eleições dos EUA e Brasil com a Cambridge Analytica.

A ideia é ótima: cria na população brasileira um hábito de se preocupar com os seus dados e a sua privacidade, hábito esse que o brasileiro não tem — e que o Christian Dunker já falou sobre — e acaba, por isso mesmo, se tornando uma presa fácil pro marketing digital e para as inúmeras armadilhas que um anúncio direcionado traz consigo. Deve ser por isso que aqui virou a terra do coaching e da constelação familiar.

Claro que deveríamos nos preocupar mais com a privacidade diária de todos, desde aquele CPF que a gente dá na farmácia até os dados que compartilhamos com o Google e o Facebook. Existe uma necessidade de frear as Big Techs e sua capacidade de nos ler e nos vender badulaques com pouca utilidade e vide útil reduzida.

Mas isso deveria ser a preocupação secundária no Brasil do presidente Bolsonaro. Nos anos 60 foi criado o órgão chamado de SNI. Uma agência de espionagem brasileira, em termos gerais. O SNI deveria ser responsável por abastecer o governo militar com informações sensíveis às ações do mesmo. Em resumo: dar informações que melhorassem a imagem e os investimentos do governo. Contudo, com o passar dos anos, o SNI se ramificou por todos os locais possíveis. Abriu seus tentáculos para cima dos cidadães do país e virou um “Big Brother”, usado pelas polícias militares do país todo para reprimir qualquer ação que o guarda da esquina achasse que deveria ser reprimida. E de quebra normalizou a corrupção dentro das forças policiais. À época, o próprio Costa e Silva disse “criamos um monstro”, se referindo ao poderio repressor e à incapacidade do próprio alto escalão do governo de controlar todos os galhos do SNI. O SNI foi fechado oficialmente em 1990 e assim ficou até 2018.

Em 2018 o presidente Michel Temer criou uma força-tarefa de inteligência que deveria “analisar e compartilhar dados e produzir relatórios de inteligência entre os órgãos participantes para subsidiar elaboração de políticas públicas e ações governamentais no enfrentamento às organizações criminosas”, em outros termos, espionar pessoas envolvidas com terrorismo, em aderência à lei antiterrorismo do governo Dilma (e à GLO, claro).

Na época não parecia ser nada de outro mundo, ainda que ativistas dos direitos na internet e pessoas ligadas às organizações de defesa da privacidade tivessem sido contrárias à criação tanto da lei anti-terror como da força-tarefa. Mas mesmo assim, a LGPD, a ANP e todo a nossa estrutura legal deveria nos proteger das possíveis devassas na nossa vida privada. Até o governo Bolsonaro, pelo menos.

No governo atual foi sancionada a lei que determina as ações da força-tarefa, a hierarquia e quem deve fazer parte das reuniões. Essa norma geral de ação foi publicada pelo governo Bolsonaro e posta em prática logo depois. Atualmente as investigações ocorrem de maneira sigilosa e encabeçadas pelas FA e pela ABIN — quando o correto deveria ser a PF. Ainda, a publicação do governo não regulamenta o que deve ou pode ser investigados — não tipifica o que seriam organizações criminosas e terroristas, por exemplo — e se limita a direcionar como deve ser confeccionados os documentos, quais o organograma da força-tarefa e outras questões básicas que deixam inúmeras brechas legais abertas. Em resumo, pode-se temer a força-tarefa de inteligência brasileira atual, principalmente porque ela é feita com o horizonte de ser uma arma de repressão interna.

Nesse contexto, é bom lembrar que qualquer ação militar precisa ser pontual, com data tanto de início como de fim. O que não ocorre na atual conjuntura da FT, que serve de alimentadora aos militares sob informações que eles julgarem necessárias. O que ocorre na prática é uma militarização das agências civis de investigação com um pressuposto nebuloso que ainda não apareceu. Cabe ainda ressaltar que desde que fora aprovada a LGPD, o presidente Bolsonaro fez questão de militarizar a ANP — agência que deveria regular a proteção de dados dos brasileiros — e criar uma rede gigantesca de coleta de dados pessoas, tais como biometria, hábitos, doenças e até mesmo deslocamento (através do sistema Córtex).

O aparato de vigilância atual ainda não se transformou em um aparato de repressão, talvez por culpa do momento turbulento do governo, da imperícia desse ou até mesmo da falta de apoio civil.

Mas uma coisa é certa: nessa conjuntura não vai adiantar você usar Linux, comprar um iPhone, assinar uma VPN ou mesmo usar TOR para se defender. O governo tem acesso a todos esses dados.

Referências:

https://theintercept.com/2019/10/15/governo-ferramenta-vigilancia/

https://theintercept.com/2020/09/21/governo-vigilancia-cortex/

https://theintercept.com/2021/08/09/forcas-armadas-tomaram-conta-de-super-aparato-de-inteligencia-de-bolsonaro/

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