Voto impresso

Paulo Pilotti Duarte
here be dragons
Published in
4 min readAug 11, 2021

Ontem (10 de agosto de 2021) o congresso nacional barrou a PEC que previa a aplicação do voto impresso no Brasil. Ainda que tenha sido uma derrota para o presidente Bolsonaro, ele venceu a votação (229 x 218; contudo eram precisos 3/4 da câmara para aprovar uma PEC).

Mas o que é o tal “voto impresso auditável”?

Antes de tudo, a proposta que a ala governista queria enxertar na eleição de 2022 era um sistema novo de votação. O voto impresso seria o voto “padrão” com o voto eletrônico sendo a retaguarda. Nesse caso cada mesário iria cantar os votos da sua sessão (o que abre o precedente da pressão eleitoral em locais que tenham milícias, por exemplo, concorrendo) e esse seria comparado com o sistema eletrônico. Ou seja, o voto brasileiro seria essencialmente em papel.

Dito isso, o que seria a proposta (que já vem de alguns anos, inclusive partindo inicialmente do PT e de outros partidos de esquerda) de um “voto auditável”? Simples. A cada eleições seriam escolhidas seções eleitorais onde a urna seria diferente da urna padrão. Ela conteria um periférico a mais: a impressora. Essa impressora seria responsável por, após a votação pessoal encerrada, imprimir um comprovante de votação constando o voto, o eleitor iria então conferir se o voto é aquele mesmo e daria o último comando para que esse voto impresso fosse depositado na urna de lona, lacrada, que seria posteriormente enviada ao TSE. Assim, em caso de um pedido de auditoria ou questionamento das eleições, apenas pegaríamos essas urnas de lona e contaríamos manualmente os votos. Caso aquelas seções confirmassem o resultado eletrônico, teríamos assim um indício muito forte de que não ocorreu nenhum tipo de fraude eleitoral.

Esse tipo de checagem se baseia no que se chama de “movimento browniano” sendo usada em diversos locais para detectar possíveis fraudes eleitorais. Com esse sistema seria bastante simples detectar algum comprometimento do sistema eleitoral brasileiro. Mas, novamente, não é isso que se vê na discussão iniciada pelo Bolsonaro. Assim, dá para dizer que o principal objetivo do presidente é tumultuar a CPI e o processo eleitoral de 2022, uma vez que ele propõe um sistema de votação que é mais suscetível à falha do que o atual. E é bom lembrar que nenhum sistema eleitoral é 100% seguro.

Indo além, é bom salientar que o nosso sistema de votação eletrônica nunca teve nenhuma fraude comprovada e nunca foi possível comprometer o sistema de contagem de votos ou mesmo o sigilo dos votos. Algumas eleições extraordinárias tiveram vários graus de acesso indevido, mas em nenhum momento tivemos um comprometimento eleitoral de fato. Mesmo assim, existem várias falhas no nosso sistema, sendo a principal a incapacidade de se auditar externamente os votos; e é nesse momento que o voto impresso auditável — aqueles 2% de urnas com impressoras — entrariam como salvaguarda do sistema. A maioria das críticas a esse tipo de mecanismo se baseia numa ideia de que isso abriria novas brechas de segurança no sistema eleitoral, sendo possível quebrar o sigilo do voto ou mesmo adulterar o voto dentro da urna de lona. Tais números, ainda que ocorressem, seriam irreleveantes contudo exatamente pela amostragem browniana proposta.

O professor Diego Aranha da UNB e sua equipe trabalharam por anos nos testes públicos do TSE (chamados de TPS) e conseguiram alguns feitos inéditos — mesmo com todas as restrições impostas pelo TSE — como injetar código malicioso em uma urna. A leitura da seção de perguntas e respostas do site dele é muito esclarecedora sobre o assunto todo. Ainda, quem quiser se inteiras mais sobre isso, o Marco Gomes fez duas threads sobre o mesmo assunto: em 2019 e 2020.

Mas essa questão não é apenas técnica, claro. O voto impresso é carregado, atualmente, de uma simbologia sobre a sociedade que queremos ter. Como dito acima, antes do Bolsonaro falar sobre a necessidade de uma salvaguarda física do voto, os partidos de esquerda — todos — já haviam aberto a discussão sobre essa necessidade. O próprio PT foi o mais vocal sobre isso. Contudo, atualmente, a esquerda se coloca a favor do voto eletrônico puro, ignorando o seu histórico de combate às eleições burguesas que tolhem a participação popular. Do outro lado, partidos de esquerda revolucionária, notadamente o PCO, defendem a adoção do modelo de voto impresso auditável, defendido pelo professor Aranha, de forma a minimizar os efeitos possíveis de uma fraude eleitoral nas urnas.

Aliás, citando o próprio partido, um modo muito mais eficaz de fraudar uma eleição é pelo sistema judiciário, como foi feito em 2018:

Em 2018, em plenas eleições presidenciais, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou 3,5 milhões de títulos eleitorais no Nordeste, criou uma nova legislação a toque de caixa sem passar pelo Congresso e a Operação Lava Jato prendeu o então primeiro colocado em todas as pesquisas eleitorais, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Da minha opinião, o povo tem o direito de escolher se quer ou não esse tipo de voto. Um plebiscito poderia ser a saída, ainda que tenhamos eleito uma câmara de representantes para os evitar. Assim, com ampla participação popular seria mais fácil entender o que a população quer da sua eleição. Precisamos, acima de tudo, sermos criticos do sistema eleitoral e céticos em relação a qualquer sistema computacional. Assim, a propaganda de diversas figuras de esquerda, ligadas ou não a partidos políticos, defendendo o voto eletrônico como intransponível e inviolável é um desserviço ao próprio processo eleitoral, uma vez que nubla o debate sobre a sua melhoria e, em último caso, fortalece a narrativa de golpistas.

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