Qual o seu sonho?

Bruna Próspero Dani
uma-maleta-de-mão
Published in
4 min readJul 13, 2016

15 de março de 2016, 22h40, aeroporto de Guarulhos:

"Qual o seu sonho?"

Mais uma vez me deparo com essa pergunta estampada no broche amarelo da minha mochila velha de guerra.

Essa deve ser a milésima vez em que eu bato o olho nessa interrogação. E a frase, às vezes, parece berrar no meio daquele círculo amarelo florescente. Já faz três anos que o broche está pendurado na mesma mochila, sujo, pisoteado e com marcas dos caminhos pelos quais passei.

Já se afogou nas águas da Chapada dos Veadeiros, já quase se perdeu nas areias de Arraial do Cabo e já foi pisoteado no metrô de São Paulo, mas sempre volta a perfurar o tecido da mochila e me atormentar com a questão: Afinal, qual o seu (meu) sonho?

Certa vez, o broche compôs o visual do caminho de uma cachoeira em Oahu. No meio da mata o amarelo florescente, com certeza, chamou a atenção de um amigo que vinha logo atrás de mim. Roli, um suiço sempre interessado em assuntos e línguas novas, tentou lê-la em voz alta: “QUAL O SEU SONHO!”, exclamou tentando falar em português, sem muito sucesso.

“O que significa?” Ele questionou.

Traduzi para ele, tentando fazer com que ele me respondesse qual era o sonho DELE, mas não teve jeito… Depois de um segundo de silêncio, e um chute na terra, ele continuou:

“Hum… e então, qual o SEU sonho?” (Pelo jeito, ele também não curte essa pergunta).

Qual seu sonho? Chapada do Veadeiros

Eu nunca consegui responder esse bróche, nem se quer formular uma resposta mental. E para falar a verdade, sempre tive uma pitada de inveja das pessoas que mesmo questionadas em uma sala cheia de gente, conseguiam dissertar respostas embasadas com uma lista de sonhos concretos para realizarem.

“Ter uma bolsa Louis Vuitton”, “ser rico”, “viver de renda”, “casar”, “encontrar o emprego dos meus sonhos”, “viajar muito” e por aí vai a lista de coisas que já ouvi nesses momentos. Nada contra, mas eu não poderia caracterizar nenhum desses desejos como sendo “meu sonho”.

Mas, como definir meu sonho se nem ao menos consigo ME definir?

E não me definir seria mesmo um problema?

Passei um tempo achando que estava em uma crise de identidade (“A essa altura do campeonato? Ah não!”). Mas a verdade é que nunca gostei de rótulos, mesmo. Rótulo para mim, só em produto e olhe lá! Eu não sou “light” não “contenho glúten” e sou muito mais que só “gordura trans”, ufa!

E agora, sentada nesse terminal e tentando tirar o broché da mochila, me dou conta que consigo me ver nessa mulher aguardando o voo na maior tranquilidade enquanto come um nuts natureba. E também me enxergo nessa criança que passou tomando sorvete e choramingando com medo da sua 1ª viagem de avião. E confesso, também sou um pouco desse homem workaholic que já atendeu 4 telefonemas de trabalho em 15 minutos e deverou uma porção de fritas.

Eu sou o pensamento tranquilo de alguém que acabou de sair de uma prática de yoga e sou a mente eufórica de quem está dentro de um ônibus a caminho de uma reunião.

Sou a bicho-grilo que não dispensa um conjunto de pulseiras de couro e miçangas da feirinha hippie, e sou a consumista do e-commerce. A do cabelo ondulado, que as vezes fica enrolado, outras liso, que agora tem mechas loiras e algum dia pode ser ruivo. Taí uma coisa que me define bem: meu cabelo! Não acorda igual ao dia anterior, nunquinha nessa vida!

Sou Chico Buarque e sou as letras do Lobão.

Sou a trilha sonora de Amelie Poulain e um disco achado na calçada da Augusta.

Algumas vezes, eu encho a boca para dizer que “meu sonho é ser cantora”, mas talvez seja só porque eu já saiba que, para isso, me faltam cordas vocais afinadas.

Eu sou aquariana. Sou ascendente em libra. E agora descobri que sou a lua posicionada em áries. Ou seja, nem do campo astrológico eu consigo me definir mais. (Pausa para a 2ª crise de identidade).

Uma pessoa positiva que sempre acha que as coisas vão dar certo e que diz “o universo conspira a nosso favor e tudo é energia”? Então, sou eu. E aquela hipocondríaca, que está sempre se consultando no “doutor Google”, e aflita com o prognóstico? Pois é, essa também sou eu. “Aliás, tá com cólica? Pera aí que eu tenho um remédio aqui na bolsa.

Sou aquela que se enfia num ônibus capenga e uma mochila nas costas, atrás do hostel mais simples da praia. E sou aquela que curte um hotel cinco estrelas e uma boa indicação de restaurante, mas que troca facilmente o cinco estrelas por um quarto com chuveiro gelado, mas com vista pro mar.

Definir “meu sonho” seria pegar todas essas nuances, filtrar para ver o que cabe enfiado em um potinho de 200ml, e estampar um papel escrito “cítrico-floral”, “frutal-fresco” ou, quem sabe, “floral-amadeirado”. Eu não conseguiria escolher uma só fragância. Não conseguiria caber nisso. Certamente você também não. A gente transbordaria. E transbordar é uma delícia!

Meu sonho talvez seja estar nesse eterno movimento. Estar sempre no eterno gerúndio do “buscando” a felicidade do presente para me metamorfosear de novo num futuro próximo.

O meu sonho é não permanecer na inércia. Meu sonho é poder ser quem eu sou, aqui neste momento. Sem me preocupar na coerencia do passado ou das expectativas do futuro.

Taí, acho que descobri a resposta que vou dar na próxima vez que olhar para o bróche. Pelo menos, por enquanto.

Agora tá na hora de me transformar de novo. A fila do embarque já andou.

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Sempre grata. :)

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