Existe Resposta?

Resenha do livro “Existe Design?”

Daniele Cavalcante
Pensando o Design
Published in
3 min readAug 29, 2013

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Tal como um dia filósofos investigaram acerca da existencia do homem e de si próprios, o Design começa a refletir questões sobre sua própria existencia. Nas vozes de Ivan Mizanzuk, Daniel B. Portugal e Marcos Beccari (trio que faz parte do AntiCast e Filosofia do Design), o livro “Existe Design? – Indagações filosóficas em três vozes” traz uma não-resposta às perguntas:

Existe design? Design é útil? Design é bom? Afinal, o que é design?

E é no último parágrafo do livro que percebemos o drible dos autores, que denuncio aqui:

“Que tipo de ruído poderia, afinal, sair desse encontro? […] Ideias que surgem somente no encontro com outras ideias. Pensamentos que não se fecham em concordancias porque não pretendem lutar contra o erro, mas que anseiam livrar-se – no movimento da reflexão e não no resultado de um saber – de um inimigo mais interior e mais poderoso: o excesso de respostas prontas no design.”

Ou seja, não é um livro teórico que lhe dará respostas ou soluções práticas e aplicáveis no seu dia a dia. Se há nele algum pragmatismo, é na prática da filosofia de contrariar todos os pressupostos, acadêmicos ou não, do design, inclusive o de que são necessárias definições. É o exercício de se abandonar convicções cômodas e atalhos fáceis. Ao investigar as questões propostas pelos autores, os próprios escolhem caminhos espinhosos, que me fez, durante a leitura, questionar o porque de tais percursos escabrosos. Loucos, pensei diversas vezes, apenas para ficar de queixo caído ao final de cada abordagem, compreendendo tardiamente a forma como cada autor costura sua colcha de retalhos, juntando fragmentos de ideias, pensamentos, citações e dúvidas contrastantes e, por isso mesmo, interessantes. Principios do design aplicados na filosofia que procura entender o design. Retroativo.

A capa do livro é uma taça com algo que imagino ser vinho. O que me remete à oração: afasta de mim esse cálice (de vinho tinto de sangue, completaria Chico Buarque). Sangue que simboliza sacrifício; beber deste cálice significa aceitar tal ritual sacrificial. “Todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres”. Abir o livro significa sacrificar a segurança que existe no reducionismo e paradigmas “intocáveis” aos quais os designers são atualmente doutrinados. Sacrificar, por assim dizer, o próprio designer que há em si, para renascer, não com novas verdades entalhadas em novas tábuas da lei messiânicas, mas como um andarilho procurando se relacionar com a sua projeção da realidade manipulando seu ambiente, e assim produzir intervenções nas relações de outros com suas próprias realidades.

Durante a leitura, sua vontade será de juntar-se às vozes e fazer suas interferências e desvios. E, ao fechar o livro, você terá aberto um deserto de possibilidades. E descobrirá que perguntas, ao contrário da visão funcionalista, talvez não existam exatamente em função de uma resposta. Pelo contrário, em alguns casos encontrar a resposta pode ser a maior tragédia do pensamento. Isso significa que as perguntas não devem ser feitas? De forma alguma. As tragédias são imprevisíveis e, por isso mesmo, não devem ser evitadas. Mas se ocorrerem, é porque chegou o momento de abandonar algo para se dirigir a outro lugar. Em todos os casos, o importante é abir mão da segurança. Quando descartamos completamente recorrer à segurança, o medo não mais fará sentido. É aí que nossa auto-afirmação como designers – e seres humanos – talvez começe finalmente a amadurecer.

Não esperem uma linguagem amigável e de fácil digestão, ou abstrações que dispensem uma maior investigação sobre o conceitos e autores evocados. No entanto, não é necessária uma iniciação filosófica, mas obviamente os iniciados terão um melhor aproveitamento do conteúdo no sentido de que terão mais facilidade de percorrer os caminhos propostos (ou não) com mais reflexões.

Para finalizar, posso afirmar que a proposta do livro cumpre o papel de não oferecer respostas satisfatórias, mas, antes, que alimentam nossas inquietações frente ao marasmo e a limitada mesmice mercadológica. Talvez você nunca consiga aplicar suas próprias conclusões em uma agência, mas, parafraseando Marcos Beccari, você terá a oportunidade de ser um cínico anti-designer subversivo. Na pior das hipóteses, seremos os que darão as melhores risadas.

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Daniele Cavalcante
Pensando o Design

Redatora de ciência e tecnologia no Canaltech, redatora freelancer e ghostwriter.