UX é modinha?

Um olhar crítico sobre o uso do termo no mercado de design

Daniele Cavalcante
Pensando o Design
Published in
6 min readAug 11, 2013

--

Quem ainda não ouviu falar em UX, ou no design focado na experiencia do usuário, deve estar trabalhando no design dos Anéis de Saturno, ou algo ainda mais longe do nosso planeta. São termos muito mencionados em blogs, sites, mini-cursos e palestras. Palavras que, dependendo da ênfase com que são ditas dentro do contexto da atuação do designer, parecem sugerir como função do designer projetar a própria experiencia.

É bem verdade que o bom design, além de solucionar problemas, gera uma boa experiência. Mas daí a concluir e pregar que a função do design é criar a experiência, é sinal de perda do foco. O tal do UX já até se tornou uma profissão, uma “área”. As pessoas perguntam “como começo na área de UX?” Eu deveria responder: comece sendo um designer.

Porque é isso. UX não é uma área nova do design. UX é o resultado do design.

Que tipo de experiência esse projeto tenta criar?

User Experience é um termo que vem perdendo o real sentido, chegando às raias da vulgaridade. Mas isso é esperado em uma época em que o próprio conceito de design está sendo diluído e qualquer um que “mexe no Photoshop” se nomeia designer (mas isso é assunto para outro post).

Donald Norman (se você não o conhece, nem deveria estar procurando atuar na “área de UX”) disse anos depois de ter criado o termo User Experience:

“Eu inventei o termo, porque eu pensei que interface humana e usabilidade eram muito restritos. Eu queria cobrir todos os aspectos da experiência da pessoa com o sistema, incluindo gráficos de desenho industrial, a interface, a interação física e o manual. Desde então, o termo se espalhou amplamente, tanto que ele está começando a perder o seu significado.” (grifos meus)

Percebam que Norman inventou o termo para agrupar e se referir a um conjunto de disciplinas que já existiam. Isso significa que UX não é uma novidade, não é uma nova modalidade, muito menos uma profissão. É uma palavra para denominar um conjunto de deveres do designer.

É hora de parar de absorver tanto conhecimento e “modismos” de palestras de meia hora e questionar tudo o que vem como verdades absolutas. A primeira grande questão que não é refletida é:

O que é uma boa experiência?

Quando se fala de Experiencia de Usuário, o público já faz uma série de suposições sobre o significado dessa expressão. O resultado é que a maioria associa Experiência com facilidade em lidar com uma interface, navegação bem projetada, boa arquitetura de informação, usabilidade, acessibilidade, por aí vai. São questões técnicas; importantes, sim, para o design, porém, não se aproximam muito do lado humano do design quanto se imagina. É funcionalismo, e já estamos um pouco à frente desse paradigma do sec XX.

Onde fica a sensação que as formas, cores, texturas e odores proporcionam? Ou talvez os benefícios do uso? Onde entra o design emocional na Experiência do Usuário? Existem sites totalmente funcionais, que resolvem o problema do seu público, tem boa usabilidade, mas tem uma interface sofrível. Existem outros com bela aparência, cores e bons efeitos de interação, mas que não agregam nenhum valor em sua função. Um cliente pode valorizar um ou outro desses aspectos, mas cabe ao designer se preocupar com todos eles.

Que tipo de experiência esse projeto tenta criar?

Então é possível projetar uma boa UX?

Uma boa abordagem sobre UX irá considerar uma boa ou a totalidade das aplicações do design descritas acima, ou mais. Afinal, UX é um apanhado de tudo o que um designer precisa pensar para seu projeto não ser desagradável e, quem sabe, ser o favorito do seu gênero entre os usuários. Meu questionamento é quanto a validade do termo como ele é usado hoje.

Comparo aqui o design com literatura, que agrega valor de acordo com o efeito causado na psique do leitor. É a experiencia de ler que TALVEZ cause um grande impacto e mude pessoas. Mas você não escreve uma experiência, isso é impossível. Você escreve usando recursos linguisticos diversos, escolha correta de palavras, estilo e estrutura de frases a fim de transmitir algo. A experiência vai depender da capacidade do leitor de abstrair, das experiencias que ele já teve com o assunto abordado e com as metáforas utilizadas, com a vivência com o proprio idioma. Vai depender do esforço mental. Além disso, interfere nessa experiência de leitura o projeto gráfico, o tipo e a gramatura do papel, a tipografia, até mesmo o cheiro de papel novo que tantos amam.

A experiência de ler depende de inúmeros fatores que fazem com que seja uma vivência única para cada leitor. Não se pode juntar um recém-alfabetizado, um estudante de ensino médio e um formado em letras e esperar de ambos a mesma reação, aprendizado e experiência ao ler Borges, Machado ou Clarice.

Que tipo de experiência esse projeto tenta criar?

Da mesma forma, é impossível projetar um design, por mais cuidadoso e “intuitivo” que seja (já não acredito que algo possa ser realmente intuitivo e já li autores confirmando essa suspeita, mas isso também é assunto para outro post), sem esperar reações diversas, experiências diferentes, e curvas de aprendizagem diversas dependendo de vários fatores históricos de cada usuário.

Uma questão técnica e mercadológica

Acredito que essa onda terminológica e conceitual seja algo mercadológico e passageiro. O mercado adora velhas novidades, vestidas de nomes atraentes para lotar palestras, cursos, seminários e currículos, além de ajudar a instigar concorrencia e filtrar candidatos a vagas de emprego. E UX será logo substituído por outra coisa em pouco tempo.

Também creio que o UX se tornou uma questão muito mais técnica do que de sensibilidade para com o usuário. Embora possamos, com muita pesquisa e estudo, nos aproximar de um design que possibilite uma excelente experiencia, temos que levar em consideração que cada cabeça é uma sentença. Cada um interpreta botões, cores, proporções, contrastes, fontes de forma diferente.

Nosso papel não é projetar experiência, mas sim oferecer condições para que uma boa experiência seja construida no intelecto do usuário. A partir de um certo ponto da interação, isso dependerá mais dele e de suas experiencias anteriores com o mundo, do que de nós. Afinal, quem pensamos que somos para ditar como será a experiencia de alguem com determinado produto? Não estamos sendo presunçosos demais ao achar que controlamos o comportamento de alguém e a forma como usam qualquer produto?

Você tentando controlar a experiência do usuário

Tudo isso me lembra Jung, que quando discipulo de Freud, discordou do psicanalista quando este ignorava o histórico do paciente e aplicava suas interpretações como se fossem absolutas e universais. Para Jung, “conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”. É algo que tem faltado no mercado. Almas humanas fazendo design.

Simplificando

É dever do designer se antecipar e se preocupar com questões que o cliente não se preocupa, e criar um ambiente que proporcione possibilidades da melhor experiência possível. A experiência faz parte do resultado do design. Logo, a boaexperiência é parte do resultado de um bom design. Porém, cada pessoa tem uma vivência diferente que poderá resultar em experiências diferentes com seu design. É nessa parte que perdemos todo o controle da UX. Ainda bem!

--

--

Daniele Cavalcante
Pensando o Design

Redatora de ciência e tecnologia no Canaltech, redatora freelancer e ghostwriter.