Kaluan Boarini Bernardo
Perdidos No Ar
Published in
11 min readNov 27, 2014

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Kaluan Bernardo e Miguel Amado
Colaboração de Camila Luz e Rafael Marcon
Publicado originalmento no www.perdidosnoar.com.br em 03/11/ 2013.

“Na guitarra, na voz, na gaita, saxofone, bandolins (risos de todos), Paulo Miklos”. A apresentação de Branco Mello no show que gerou o DVD Paralamas e Titãs ao Vivo é um breve currículo das funções que Paulo Miklos, também apresentador de TV, ator e social media de seu grupo, desempenha.

Em um intervalo na gravação do Paulo Miklos Show, que vai ao ar na Mix TV, o dono do programa conversou com o Perdidos No Ar e nos falou de sua experiência na televisão e na telona e a atualidade de letras como “Desordem”, “Polícia” e “Vossa Excelência” neste período de grandes manifestações.

O presente e o futuro do Titãs também foi abordado. A banda entrará em estúdio em abril ou maio do ano que vem para gravar o próximo álbum. Segundo Miklos, ele será “pesado, sujo e malvado”. Algumas músicas já estão sendo executadas na turnê “Inédito”, gerando alguns vídeos no youtube (veja aqui as músicas “Não Pode” e “Eu me Sinto Bem“).

“Estou adorando a experiência. Acho que junta as duas coisas que mais gosto: música e conversar com gente. Uma característica básica do programa é a fluência da conversa, da relação com o entrevistado — e é disso que eu mais gosto.

Os convidados são de universos totalmente diversos e isso é muito divertido porque você não fica sempre na mesma área.

Eu transito nas linguagens. É muito bom eu já ter feito cinema, novela, seriados na TV, especiais, e ter uma longa carreira de música que se mistura com a televisão — já estive em todos os programas de entrevista e de auditório que se possa imaginar nesses últimos trinta anos. Foi uma coisa divertida passar para o outro lado e ser o entrevistador.

Além de eu gostar de conversar com gente das mais diversas áreas, o que mais me cativa é o fato de ter música ao vivo, com boas condições, com mixagem, técnico de som…

Variam muito os gêneros musicais dos artistas que passam aqui. Só para dar um exemplo, recentemente gravamos com o Sepultura, que veio aqui quebrando tudo e derrubando o edifício, enquanto antes gravamos com o Marcelo Jeneci, que tocou só com a sanfona; também teve o Michel Teló que veio só com o violão e foi uma coisa muito especial. Poxa, já vi o cara com banda, com balé, fazendo playback, em todos os programas… mas ele sozinho tocando violão é uma coisa completamente diferente!”

Veja abaixo um trecho do Paulo Miklos Show com Nando Reis

“Tenho vontade de continuar com o cinema! A vontade é tanta que eu tinha um convite para participar de um curta-metragem e não consegui tempo. Mas, mesmo assim, vou fazer só uma ponta, não vou deixar de participar.

Agora tenho outro convite para no começo do ano que vem participar de um longa do Jefferson D, que é um cineasta paulista. O filme se chama Celulares.

Ainda está no princípio. A gente já está conversando, vamos fazer uma leitura de texto que já está se desenvolvendo. Estou te adiantando mais do que devia por causa da ansiedade [risos].

“A gente comemorou trinta anos no ano passado e esse ano estamos com um processo para um disco novo. É uma coisa diferente, para dizer o mínimo. Começamos a fazer um show que chama-se Inédito e de cara tocamos só musicas inéditas na primeira parte do show e, na segunda parte, tocamos clássicos.

Isso é muito legal porque a gente quebrou um pouco o paradigma de que não pode forçar muito a barra do público, que ele tá ali para ouvir o hit e se for diferente, na segunda música vão gritar ‘Polícia’, ‘Bichos Escrotos’… “Toca ‘Marvin’!”… Isso não acontece. As pessoas ficam chapadas querendo ouvir as coisas novas. E é logico que o peso de um patrimônio grande como o do Titãs também pesa na hora. Porque o cara vai no teu show e pensa “porra, você não vai tocar Homem Primata?”. Tem que tocar.

A primeira ideia foi Futuras Instalações. Era um show que chamávamos a atenção que tinha material novo. Aí a radicalizamos esse processo com o Inédito, e pensamos: “vamos escrever INÉDITO bem grande em um pano atrás do palco”. O cara vai entrar e, por mais que pense “que músicas são essas, cadê as musicas que eu gosto?”, se aguentar até o final, vai ouvir os hits.

O show é longo por conta disso. É um privilégio, uma coisa maravilhosa. Você luta tanto para ter esse patrimônio e depois é bom não lutar contra isso. E, independentemente da reação do público, a gente faz as músicas do jeito que a gente quer.

O processo de composição ainda é o mesmo. É surpresa, estímulo, coisa de alguém chegar com uma ideia, você ir para casa e voltar “inventei uma levada para aquela parte, uma introdução, fiz outro pedaço”. Ou você vê a musica que um cara fez inteira e “pô que genial”, você vai pra casa injuriado, pensando “preciso fazer uma musica legal assim” [risos].

Cada ponto é discutido e ninguém é dono de seu departamento. A gente foge daquela coisa de “não, na minha parte você não dá palpite”. Isso é o fim da parceria — quando você não pode dar palpite, a parceria fica burocratizada e se torna uma coisa xoxa.

A discussão é a própria parceria, ela começa na letra, na melodia e vai até a capa do disco, até o colorido ou o sapato que você usa no palco.”

“Acho que a gente está caminhando para a frente. A formação agora é outra: eu que estou na guitarra, o Branco e o Britto revezam o baixo. O que temos agora é a mesma anarquia que tínhamos no começo, um lado meio tosco e nenhuma sobra de técnica como músicos. Por outro lado isso é um dos trunfos, porque está muito ligado à estética daquilo que a gente faz.

Não tem cabimento ficar sobrando, fazer 700 acordes, 800 frases, isso não cabe na música que a gente faz. E o público reconhece a autenticidade, de recuperar uma origem não só da sonoridade, mas como a gente se completa. Não temos músicos convidados.

Passamos por um longo período que chamávamos músicos sensacionais, mas isso dava uma afrouxada na coisa da banda. Obviamente tínhamos músicos fantásticos de apoio, caras que tocam pra caralho, mas isso não interessa nem um pouco para nossa estética.

Por exemplo: agora o nosso baterista é o Mário Fabre, que entrou no lugar do Charles (Gavin). Fabre é um músico excepcional e se integrou de uma forma… E a bateria é um instrumento especial. Ele sacou o espírito da coisa, passou pelo processo de se debruçar sobre o Cabeça Dinossauro e agora está fazendo o caminho criativo do álbum, sugerindo coisas — está ativa e definitivamente dentro do grupo.

O novo disco está pesado, sujo e malvado [risos].

“Queríamos convidar o Andreas Kisser para ser o produtor desse disco. Mas, infelizmente, ele não pode porque está com diversos projetos ao mesmo tempo — acabou de lançar um novo disco do Sepultura e está com outro projeto legal, chamado De La Tierra, que reúne músicos da América Latina.

O Andreas já foi nosso músico de apoio e tocou com os Titãs várias vezes. Ele é muito próximo e eu que tive essa ideia de chamá-lo para produzir o disco. Uma pena que a agenda não permitia. Mas ele está ajudando a fazer uns contatos interessantes. Ainda não tenho um nome definitivo.

Estamos planejando o lançamento para o primeiro semestre do ano que vem. Devemos entrar em estúdio em fevereiro pra gravar e deixar o disco pronto em maio, abril… antes da Copa. Não queremos derrubar a Copa [risos]“.

“A gente tem uma coisa bacana de convivência com os Ex-Titãs. Temos esse tesouro, esse patrimônio que é de todos nós. Eles também tocam as músicas nos shows deles. Vira e mexe nos encontramos… É uma coisa bem legal.

O que pesou e está sendo importante para esse novo trabalho foi o que vivemos com o Cabeça Dinossauro, um show especial que montamos para tocar um disco completo clássico.

Isso foi fundamental. Começamos a nos debruçar sobre o DNA da banda, ver como a gente solucionava os arranjos de uma maneira simples, como não precisa de muita firula para mandar um recado, como a gente agia na época.

E saborear novamente esse repertório foi muito inspirador. É um disco que tem os maiores hits e o público também o identifica como “a cara dos Titãs”.

Hoje eu vejo a turma falando “pô, nós temos um coletivo” e eu fico pensando “a gente era um coletivo”. Éramos um bando de caras que tocavam violão e faziam musicas. Resolvemos fazer uma banda quando vimos a Blitz, o Gang 90.

A gente queria tocar aquilo que a gente compunha. E foi assim: “Eu quero tocar guitarra”. “Eu também quero guitarra”. “Eu também”. “Não, não existe banda com três guitarras”. “Ah então eu toco baixo”. “Eu também” [risos]. E a banda eram todos os amigos — dez, doze, nove. Quando gravamos éramos oito que se revezavam nos instrumentos para não dar briga.

Com o tempo, as pessoas têm novas vontades, como aconteceu na saída de antigos companheiros. “Não, meu desejo agora é me dedicar a este tipo de coisa e o Titãs está me absorvendo muito” — são coisas na verdade da vida adulta. A primeira vez que aconteceu isso a gente se perguntou “Como? Pode sair de uma banda?”, mas é uma coisa de você crescer, amadurecer.”

“A gente nunca foi do movimento punk. Tocávamos nos mesmos lugares e temos a mesma influência, mas nós também temos uma influência muito maior do legado da musica popular brasileira.

Nós somos essa trombada estética da música brasileira, que reconhece a importância das letras, do tropicalismo, do Clube da Esquina. Sempre fomos muito interessados nisso e no rock ‘n’ roll em todas as suas fases, começando pelo punk com a ideia do “faça você mesmo”.

Sempre gostamos muito de música brasileira, uns mais que outros, mas todos nós tivemos uma ligação muito forte com o som daqui.

Ano passado participei de um tributo ao Noel Rosa e foi a oportunidade de dar um mergulho mais profundo na obra dele, junto com o desafio de montar um show em comemoração aos 100 anos de seu nascimento.

Foi um show muito caprichado que acabou se tornando um DVD especial, que também é um documentário e mostra minha aventura pelo mundo do samba, construindo o show através da minha visão da obra dele.

O DVD se chamou A Alma Roqueira do Noel e brincou com essa imagem do roqueiro e ao mesmo tempo do boêmio. Noel morreu com 26 anos, deixou uma obra incrível, ao mesmo tempo que caras como Jimi Hendrix, Jim Morrison e Janis Joplin morreram com 27. Noel é um pouco próximo a isso, da música acima da própria vida, de arriscar tudo.

A proposta que me fizeram do Centro Cultural Banco do Brasil era que vários artistas de diferentes gêneros fizessem uma leitura do Noel Rosa. E imaginavam que eu fosse fazer uma guitarrada, sei lá. E pensei: “não eu já sou um elemento estranho o suficiente, vou é tocar com esses caras que são os bambas do samba”. Foi aí que conheci a turma do Quinteto Branco e Preto no filme É Proibido Fumar e fiquei enlouquecido. A oportunidade surgiu e assim foi”.

https://www.youtube.com/watch?v=wf4Orz79czw

“Enquanto a gente está estimulado e com desafios à frente, a gente continua. Acho que estamos vivendo um momento muito especial, quase de renascimento com essa nova formação.

É muito legal ver como você é reconhecido e mantém sua personalidade, sua característica. A gente está estimulado com ideias, sempre uma coisa criativa, experimental, de tudo ser possível, de a gente poder tratar de assuntos difíceis, de falar sobre o que acha que falta ser dito ou encontrar uma forma diferente de se tratar um assunto.

Ainda rola esse estímulo e essa admiração mútua de uma amizade que é da vida toda. Enquanto compartilharmos esse mesmo desejo, continuaremos juntos.”

“Agora eu estou louco da cabeça para dar conta de tudo. E estou levando às últimas consequências. Não tem domingo, não tem meia-hora. E meia-hora tenho que estar lá no show, colocando o terno, tirando as calças, vestindo a guitarra.

Eu me divirto, acho gostoso e me realizo, estou me realizando aqui, de coração. E no palco não tem nada parecido, é onde eu estou vivo. Esse contato com o público é uma catarse, um momento de exorcismo, acho que ali estou completo.”

“É surpreendente como nossas músicas se tornam atuais, como “Desordem”. É a discussão do momento: “vândalos”, “você quer protestar, mas tem limites”… Essa discussão que está no Brasil agora é um momento de resgate do momento de quando saímos da ditadura militar.

Na época, entramos com os dois pés na porta, falando na lata sem usar metáforas como a geração anterior fez , porque era obrigado a fazer isso para burlar a censura.

Agora a gente está vivendo um momento de sintonia fina de nossa democracia. O que pode e não pode — existe o mesmo questionamento. A gente tem aquela canção, “Vossa Excelência” que já é uma musica velha. Na verdade, só não é velha porque o julgamento do Mensalão ainda não acabou.

Criar um grito, que a tua canção seja uma palavra de ordem, que chame a atenção para alguma coisa, é muito bacana. É a mesma coisa de “Polícia” que aborda o assunto de uma maneira cuidadosa.

Chegou uma hora [nos manifestos de julho] em que a PM foi tão questionada que ela cruzou os braços. É logico que precisamos de policia, mas não reprimindo violentamente a população, crianças, senhoras.

E a imprensa também. É logico que o que da Ibope é o cara jogando uma cadeira no caixa eletrônico, mas a riqueza das placas, as coisas criativas… isso pouco se viu. As canções antigas estão na ordem do dia e nosso novo repertório também vai tratar um pouco sobre isso que a gente está vivendo, além de temas difíceis como violência contra mulher e o lugar do índio na sociedade brasileira. Há muitos pontos sensíveis e acho que a música brasileira deve tratar.”

Publicado originalmento no www.perdidosnoar.com.br em 03/11/ 2013.

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Kaluan Boarini Bernardo
Perdidos No Ar

Jornalista, professor de jornalismo, mestre em comunicação, profissional de marketing.