Perdidos no Espaço — Yoshimi Battles The Pink Robots

Kaluan Boarini Bernardo
Perdidos No Ar
Published in
5 min readMar 27, 2015

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Em Ami, O Menino das Estrelas, um dos meus livros favoritos, há um certo momento em que o protagonista sobe na nave de seu amigo extraterreste e está tocando Imagine, de John Lennon. No futuro pós-apocalíptico de O Pistoleiro, o primeiro volume da épica série A Torre Negra, de Stephen King, a música que toca no bar é Hey Jude.

Isso tudo me faz pensar que enquanto olhamos para o futuro e brincamos de imaginá-lo, é comum sentirmos a esperança de que nossas músicas favoritas, eterna como muitas vezes as imaginamos, realmente durem muito tempo no imaginário da civilização — seja ela com robôs, alienígenas, viagens no tempo ou nada disso.

Quando queremos falar de Tempo na Arte, é possível pintar, desenhar, escrever ou musicar as mais diferentes e distantes ou próximas realidades que nossa imaginação permitir. O resultado muitas vezes é tão fantástico como a ficção científica permite.

Por isso tudo resolvi iniciar essa série ao perceber que vários dos meus (e provavelmente dos seus) discos favoritos tem pés na ficção científica e tantos bons músicos brincaram de imaginar sociedades e futuros distópicos. Aqui vamos viajar pelo universo musical do sci-fi.

Suba na nossa Enterprise, viaje por Andrômeda, dê um alo ao Capitão Kirk, e que A Força esteja com você também quando ouvir música. Aproveita a viajem, Allons-y!

Em uma galáxia muito, muito distante:

A Unidade 3000–21 começa a se aquecer e fazer questionamentos que não são típicos de um robô, como o que é o amor. Seus circuitos estão duplicando emoções e ele passa a ser algo a mais do que uma máquina.

Mas o que eles sentem ainda é uma espécie de amor sintético, com desejos sintéticos, ocultos por uma frieza calculada por seus circuitos que tentam dissipar os sentimentos com tristezas programadas.

Imagem: TopDogNeil

Ato 2

Entra em cena Yoshimi, uma garota faixa preta em Karatê que deseja disciplinar seu corpo com o objetivo de vencer as máquinas do mal. Um eu-lírico canta que a garota é sua esperança de salvação em relação aos robôs que desejam devorá-lo.

As máquinas foram programadas para destruí-los, mas Yoshimi está tomando várias vitaminas para ficar forte e evitar o trágico futuro dominado pelos robôs.

Imagem: La Jolla Playhouse

Ato 3

A batalha é dura, como podemos ouvir pela sonoplastia em Yoshimi Battles The Pink Robots pt2. Mas a nipônica vence.

Ato 4

O eu-lírico, que já não sabemos mais quem é, talvez seja um dos robôs, acorda sem saber o que é ódio e o que é amor. Parece que os cálculos erraram e ele já nem sabe por que essa poderia ser uma questão importante.

Daqui para frente, nosso eu-lírico-que-talvez-seja-um-robô-filósofo-com-erros-de-programação-e-apanhou-de-uma-garota-karateca entra em uma série de questionamentos existenciais que vai até o final do disco. E é melhor você ouvir e refletir por si só. São perguntas bonitas, vale prestar atenção mesmo.

Imagem: TopDogNeil

Em algum ponto fixo na bolha do tempo…

No ano de 2002 Wayne Coyne e seus companheiros dos Lábios Flamejantes entravam em estúdio para gravarem o 10º álbum, que também seria o mais vendido eo primeiro da banda a conseguir disco de ouro.

Cheio de trip-hop e uma música tão popular quanto estranha, com sintetizadores e batidas eletrônicas em camadas sobrepostas a violões ao lado de uma bateria de tempos quebrados, o disco mostra tudo o que o Flaming Lips é capaz quando não se preocupa apenas em parecer com uma banda de caras extravagantes.

O disco abre com “Fight Test”, basicamente uma nova versão de “Father and Son”, de Cat Steven na qual Coyne afirma: “Cause I’m a man not a boy and there are things /You can’t avoid you have to face them when you’re not prepared”, para logo na seguida questionar: “And I don’t know how a man decides what right for his own life — it’s all a mystery”.

O âmago desses e outros questionamentos em “Fight Test” estão sublimados e metaforizados na história que você leu logo acima, da garota karateca lutando contra robôs maus rosas que começam a questionar sentimentos humanos. A história toda acontece em apenas três faixas do disco — o resto fica por conta dos questionamentos filosóficos do misterioso eu-lírico.

Do you realize that everyone you know someday will die/ Let them know you realize that life goes fast/ It’s hard to make the good things last”.

Com questionamento acima e uma orquestra ao lado de efeitos eletrônicos e vocais sintetizados os Flaming Lips chegam ao ponto mais alto com “Do You Realize”. O disco conclui com a frágil e bela “All We Have is Now”, cujo título dá a resposta para quase todos os questionamentos feitos até aqui.

Imaginado o futuro, Coyne lembra a importância do presente e deixa sua marca na obra-prima Yoshimi Battles The Pink Robots, o disco que eu considero a obra-prima dos Flaming Lips, um dos melhores da década 00, digno de abrir a nossa série de discos sci-fi.

Fecho o post com o trailer da peça de teatro inspirada no disco. É sensacional:

Originally published at www.perdidosnoar.com.br on September 17, 2014.

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Kaluan Boarini Bernardo
Perdidos No Ar

Jornalista, professor de jornalismo, mestre em comunicação, profissional de marketing.