Por que não comemorei o dia do rock

Kaluan Boarini Bernardo
Perdidos No Ar
Published in
5 min readJul 14, 2015

--

Lembro até hoje do primeiro CD que comprei na vida. Era 2003 e eu tinha 10 ou 11 anos. Comprei Meteora, do Linkin Park. Cheguei no camelô e pedi “o melhor CD de rock” da banca. Ele poderia ter me oferecido muita coisa melhor, mas tudo bem. Um mês depois, naquele natal, comprei um discman e ouvi o álbum a rodo. Era só entrar algum trecho de rap e eu segurava o fast forward; quando Chester começava a gritar, eu pirava.

Pedi um CD de rock porque certo dia achei no carro do meu pai a trilha sonora de Song Remains The Same, filme do Led Zeppelin. Aquilo era tudo o que eu sabia sobre rock’n roll. Será que existiam mais músicas como aquelas? Existiam outros solos como o de Moby Dick? E outros riffs como o de Whole Lotta Love? O que era aquela tal de Stairway To Heaven? Meu Deus! Se existia mais daquilo, eu precisava conhecer!

Meus pais ouvem muito mais MPB e Bossa Nova, então não fui desses filhos que, desde pequenos, foram apresentados aos grandes clássicos, educados a riffs de Hendrix e solos de Keith Moon. Tive que descobrir tudo sozinho. E comecei pelo Linkin Park que, nem de perto, me satisfez tanto quanto aquele disco do Led.

Ainda eram tempos de internet discada e de serviços como Kazaa e eMule. Em meio a uma tonelada de vírus, acabei conhecendo outros clássicos e fui me apaixonando cada vez mais. Meu primo me ensinou a virar fã. Ele me mostrou Metallica.

Puta que pariu, como rock era demais! Estudei em diversas escolas públicas, onde só se ouvia funk e o que fosse popular na TV. Normalmente, era um dos únicos “roqueiros” da sala. Muitas vezes, a música fazia eu me identificar mais com o meu jeito de ser, que não era nada popular naquelas bandas.

Foi só no colegial, quando entrei em uma escola técnica, que descobri que muitas outras pessoas também gostavam de rock. Não estava mais sozinho. Lá expandi muito meu conhecimento e gosto musical. A maioria dos meus amigos eram metaleiros. Também me tornei um e deixei meu cabelo crescer. Tempos bons demais!

Foi também nessa época, em 2008, que um amigo me convenceu a ir no show do Iron Maiden. Era o retorno da banda ao Brasil, ainda na turnê Somewhere Back in Time. Aquele show foi, ao mesmo tempo, catastrófico e catártico. Resumindo bem a história: cheguei às 6 da manhã na fila; comi muito pouco; tomei uma puta chuva; me perdi do meu amigo; fiquei sendo esmagado na grade; tinha lama até meus joelhos; passei mal; desmaiei; escalei um morro e fiquei numa posição privilegiada; cai várias vezes; fiquei com lama dos pés à cabeça. Quando Bruce e companhia entraram tocando Aces High esqueci de tudo que passei. Ouvi Rime of The Anciente Mariner e chorei. Foi realmente uma catarse.

Viciei naquilo. Fazia ensino médio de manhã e técnico a tarde. Nunca ganhei mesada e o único dinheiro que recebia era para almoçar na escola. Ficava semanas sem comer para juntar grana para shows. E assim vi o Kiss, AC/DC, e tantas outras bandas. Sempre sendo esmagado na grade (uma escolha quase sádica, que me fazia liberar mais adrenalina na hora do show). Aos poucos, fui me acostumando, e já não me impressionava tão fácil. Só fui me sentir assim novamente em 2013, no show de Roger Waters.

Desde que conheci a banda, Pink Floyd se tornou minha favorita. E nunca saiu de lá. Dark Side of The Moon é, para mim, a obra musical mais genial já produzida. Não se discute. Era quase um ritual: todos os dias apagavas as luzes, pegava um bom fone de ouvido, fechava os olhos, deitava na cama e ouvia o disco prestando atenção a cada nota. Curiosamente, embora ainda seja meu favorito, hoje ouço cada vez menos. E é isso que me levou à reflexão do título, sobre a qual falaremos depois dessa longa enrolação.

Farto do Rock’n Roll?

Quando entrei na faculdade de jornalismo, a primeira coisa que fiz, ainda no trote, foi ver quem estava interessado em criar um programa de rádio para falar de música (principalmente de rock). O programa nasceu, foi ao semanalmente ao ar por 4 anos na Gazeta AM e virou um blog bem bacana. Transpiramos demais nesse projeto. Foram quase 200 programas/podcasts gravados — muitos às 07h de um sábado. Nunca ganhamos um centavo para isso, mas fazíamos com muita paixão. Nesses anos, conheci muita coisa (principalmente graças aos colegas do Perdidos), entrevistei dezenas de bandas e, aos poucos, fui me abrindo para novos gêneros.

Hoje ouço de tudo mesmo! Vou das músicas mais estranhas e experimentais às mais populares e chicletes. O rock continua ocupando um espaço enorme na minha vida, mas, por algum motivo, já não ouço e não me empolgo tanto quanto antigamente.

Cansei um pouco daquele discurso de rock. E nem estou falando da generalização babaca que fala em “metal reacionário”. Não, nada disso. É só que esse papo de gênero já não me diz mais nada. Em 2015 pirei tanto no novo disco do Kendrick Lamar (hip-hop), quanto no do Kamasi Washington (jazz) quanto no Sufjan Stevens (que alguém poderia falar que é rock alternativo, mas mal tem guitarras). É música boa e ponto.

Só então passei a entender por que tantos músicos que eu gostava, depois de um tempo, faziam alguma coisa que não era o mesmo roquenrow de sempre. Essa característica era algo que eu criticava quando adolescente, mas hoje admiro muito. A arte requer experimentos. Não é que um bom músico de rock precise tocar pagode. Mas flertar com outros gêneros enriquece a música, traz mais variedade. Artistas com repertórios variados são espíritos inquietos. E isso é a tal atitude rock’n roll.

É por isso que me identifico tanto com as palavras de Scandurra:

Eu fico tentando me satisfazer
Com outros sons, outras batidas, outras pulsações
O planeta é grande e eu vou descobrir
Muitas respostas às minhas perguntas agora
Sempre tem alguma coisa pra me atrapalhar
E com a testa franzida de tanto me preocupar
Então eu faço como os outros e vou assistir ao show
Faço como os outros e vou assistir ao show

Fim de semana sim
Fim de semana não
Às vezes tudo bem
Às vezes sem razão
Já estou farto do Rock’n Roll
Já estou farto do Rock’n Roll

Eu fico buscando nos quatro cantos do mundo…
Música!
Música!…

Algo que esteja na minh’ alma
Que me faça enxergar além
Outros sons, outras batidas, outras pulsações

Mas, às vezes, também me identifico com o personagem de Ian Anderson:

O rock não tá morto e não vai morrer. Só não pensem que ele é tudo o que existe ou que é o único gênero que merece uma data comemorativa.

Ei! Se gostou do texto, não deixe de dar aquela recomendada marota clicando no coraçãozinho. Ajuda pra caramba ;)

--

--

Kaluan Boarini Bernardo
Perdidos No Ar

Jornalista, professor de jornalismo, mestre em comunicação, profissional de marketing.