Qual a grande contribuição (ou maldição?) do YouTube para a música?

Kaluan Boarini Bernardo
Perdidos No Ar
Published in
5 min readMay 14, 2015

“Don’t be evil”.

Até hoje me pergunto se esse slogan de um dos maiores grupos de mídia do mundo, o Google, é levado a sério ou é tudo uma grande e maléfica ironia.

A colaboração (ou prejuízo) de uma empresa tão poderosa à sociedade pode ser discutido ad infinitum sem chegarmos a conclusões. Afinal de contas, é bom termos um buscador como o Google, um serviço de vídeos como o YouTube, um e-mail como o Gmail e um sistema como o Android ao passo que compartilhamos uma quantidade absurda de nossos dados com uma empresa que, com isso em mãos, fica cada vez mais rica e dominante?

Afinal de contas, o YouTube salva ou prejudica a indústria musical contemporânea? Em tempos que vemos serviços de streaming pipocando em todos os cantos, a eterna discussão sobre a pirataria se estendendo, shows ficando cada vez mais caros, e a tentativa continuamente desesperada das gravadoras sobreviverem e se adaptarem, poucas vezes o serviço de vídeos do Google é lembrado e considerado proporcional à sua importância neste cenário todo.

O YouTube ainda é, para muitas e muitas pessoas, a principal forma de consumir música.

Mesmo podendo baixar músicas em qualquer canto da internet; pagar uma média de R$ 15 por mês (ou pagar nada) com os serviços de streaming; mesmo podendo comprar LPs, CDs ou musiquinhas no iTunes… as pessoas abrem um site de vídeos, cheio de propagandas para ouvir música.

Não só elas, mas vários e vários serviços de música puxam as canções do YouTube para formar playlists e fornecê-las às pessoas. Não importa se você vai ouvir mais propaganda do que no Spotify ou se as músicas normalmente estão em péssima qualidade, o YouTube parece mais prático e, na internet, a praticidade é rainha.

Ah sim! Também temos os videoclipes. Não, é claro que não foi “A internet” que acabou com a MTV. Foi o YouTube. Se antigamente você esperava o Fantástico para ver o clipe da semana, hoje é praticamente impossível que ele não seja lançado primeiro no YouTube, onde muitas pessoas assistirão até metade, sem sequer dar fullscreen na tela para aproveitar todo o trabalho. Mas elas vão compartilhar. E qualquer clipe de um artista aleatório ou banda hipster é um potencial viral. Psy e A Banda Mais Bonita Da Cidade estão aí para provar e agradecer. Assim, não há prestígio que faça uma MTV sobreviver.

Além disso o YouTube tem uma vantagem enorme em relação a qualquer possível “concorrente” musical: o maior catálogo do planeta. De vez em quando você não encontra uma música em um serviço de streaming, no PirateBay, ou em qualquer outro lugar… mas sim no YouTube. Se não achar lá ou você está underground demais, ouvindo bandas que ainda só tocam em seus quartos (a garagem é um palco muito grande para elas), ou você não lembra o nome certo do artista.

Isso tudo a um custo, é claro: negligenciando as regras que o próprio Google teoricamente impôs e segue. Oras, você não poderia subir a música de uma banda em seu canal. Tampouco o YouTube poderia lucrar com isso sem dividir a receita com o artista. Mas nem sempre é o que vemos. Dê um rolê no YouTube e veja quantos vídeos em canais não-oficiais têm músicas de terceiros e quantos desses vídeos exibem publicidade. E mesmo que não exibam, só o fato de você usar o YouTube você está dando um capital a eles: seus dados de navegação. O artista continua sem ganhar nada.

Se boa parte da grana que deveria chegar às bandas encalha no meio do caminho na internet, a culpa não é só da pirataria, é do Google também.

Mas a ideia aqui não é ficar apontando o dedo para o YouTube colocando-o como vilão da indústria musical. É claro que ele também ajuda muito: o YouTube é uma ótima ferramenta para conhecer novos artistas e divulgar o trabalho de qualquer banda grande ou pequena. Quanto aos pagamentos há diversas polêmicas, recentemente o grupo Pomplamoose, famoso por fazer covers no YouTube, disse que no último mês, apesar de ter seus vídeos vistos 3,5 milhões de vezes, recebeu apenas US$ 149 do YouTube.

O ponto é: hoje o YouTube depende das músicas (postadas oficialmente ou não) para ter boa parte de suas visitas e, consequentemente, de sua receita. E os músicos, gostando ou não dessas condições, tem poucas saídas viáveis para boicotar o Google. O poder da empresa é grande demais nessa equação, não pode ser negligenciado.

Qual o resultado disso? Parece que agora o YouTube está abusando do monopólio e poder para pressionar pequenas gravadoras. Acontece que o Google está criando mais um serviço de streaming e, ao que tudo indica, ele quer pagar muito menos pela execução das músicas do que seus concorrentes. Como em qualquer serviço, você teoricamente pode disponibilizar suas músicas lá ou não.

No entanto, a empresa aproveitou o seu monopólio para pressionar as gravadoras da seguinte forma: se você não concordar com os preços ou simplesmente não quiser participar do novo serviço, todos os seus vídeos estarão fora do YouTube. É o famoso dono da bola que não deixa ninguém jogar se ele não puder colocar os craques no time dele.

“O YouTube está insistindo em extrair um pacote de direitos que nenhum outro parceiro poderia concordar. Os termos parecem subvalorizar seriamente todas as negociações que subvalorizam os valores que já existem no mercado”, escreveu a Impala, uma empresa de música em Bruxelas. Segundo a empresa, o Google ainda tem algumas cláusulas que obrigam as gravadoras darem exclusividade a ele e não a outros players, como o iTunes.

Isso tudo é só o começo de uma briga que promete ficar cada vez pior. Amazon, Apple e Google decidiram todos de uma vez entrar na luta pelo streaming de músicas. Há quem defenda que a livre concorrência beneficia a todos, mas, parece que temos um bom exemplo aqui de como ela pode prejudicar (e muito) os artistas e quem produz conteúdo.

Várias empresas já decidiram apelar para a Suprema Corte da União Europeia acusando o Google de truste. A organização tem um histórico de ter colocado a empresa no eixo algumas vezes antes, como quando o Google resolveu brigar com os jornais graças a seu serviço de notícias — e perdeu.

No meio de toda essa história ainda há movimentos nadando contra a corrente, como a pirataria e o open-source. Recentemente mesmo tivemos o exemplo da Hip-Hop Machine “o Popcorn Time de música” ou o “Spotify pirata”, que traz um acervo quase infinito de músicas aos usuários gratuitamente. Será que eles são mais ou menos danosos que o Google para os artistas? Assunto para outro texto.

Em tempos: parece que a venda músicas digitais, que atingiu ótimos níveis em 2013, agora está caindo. Mas essa também é outra pauta.

Publicado original mento www.perdidosnoar.com.br em Julho de 2014, quando o ainda não existia o streaming do Google Music.

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Kaluan Boarini Bernardo
Perdidos No Ar

Jornalista, professor de jornalismo, mestre em comunicação, profissional de marketing.