Resenha: MECA Festival 2014 (SP)

André Silva
Perdidos No Ar
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6 min readApr 25, 2016

Sentado na escada, boladão, depois das 3 horas da matina. Costas doendo, pés queimando dentro das botas e sorvendo água da garrafa PET. Duas mulheres de meia idade passam ao lado descendo:

– Essa banda fodeu a próxima, né?

– É…

Quem eram essas moças eu não sei, mas a escadaria de mármores era a que dá acesso ao salao do Grand Metrópole e a banda era o Friendly Fires, em sua terceira e incendiária passagem pelo Brasil, no MECA Festival. Mas vamos do começo.

Pouco antes das 22 horas e tem um sambão comendo solto na Prça Dom José Gaspar, na lateral da imensa Galeria Metrópole. Dentro dessa construção da avenida São Luís está situada a melhor e mais escondida estrutura para shows em São Paulo: o Grand Metrópole, que fica no primeiro andar, e que a essa hora tem uma fila de alguns metros na porta. Entrar no recinto é um baque, dada sua proporção: manja aqueles templos de filme de kung fu, com um monte de ambientes? É um salão de bailes chique equivalente a isso, com uma pista imensa, 24 camarotes e um longo percurso de escadarias até a área de fumantes, que é um terraço enorme com sofás pelos lados.

Resumindo: o lugar foi uma escolha acertada para abrigar o Festival MECA, um evento gaúcho de grande porte focado em música alternativa com um pézinho (eventualmente o corpo todo) na eletrônica.

O festival começa auspicioso com o Call Me Lolla (Foto: André Silva)

A banda que deu boas vindas ao público foi o quarteto Call Me Lolla, com uma proposta puxando para o acústico, tocado com um baixo vertical e pontuado ora por violão ora por banjo. Apesar da tarefa ingrata de iniciar os trabalhos num festival com essa cara mais agitada, a música segurou — e muito — a qualidade, com a banda dando uma performance digna para os gatos que começavam a pingar na pista.

Já iniciado no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro respectivamente na antevéspera e na véspera, o MECA se instalou em São Paulo em modo beta para sua primeira edição, sob o nome MECAPresent SP, esboçando a experiência de festival numa casa de shows fechada. Os “clubinhos” (espécie de tenda paralela aos shows) da matriz do festival foram substituídos por pequenas ações – aquelas formas mais “descoladas” que as marcas têm de criar uma identidade e vender seus produtos. Se isso por um lado é muito chocho individualmente para criar um ambiente, uma experiência extra-musical mais interessante, por outro lado, a cabine de fotos montada na entrada da pista criou fila até altas horas, e tínhamos uma cacetada de amostras grátis de batata frita (01 sonho: comer num festival sem ser extorquido).

Outra coisa que contribuiu para o festival ser um festival foi alternar as bandas com DJs, também escalados na programação. Sem o mesmo destaque das bandas, eles foram também grandes responsáveis por ditar os caminhos sonoros — após a primeira banda rolava Arcade Fire e outros sons dançantes mais roqueiros. Depois, uma transição para electro e mais tarde algo mais escancaradamente house. Um minuto de silêncio em honra a esses anônimos, que deram seu suor pelo entretenimento dos presentes (na verdade, estavam todos escalados nominalmente, mas ficaram de fora de uma análise mais aprofundada nesta resenha: Klangkarussell, Database, SRY, D82, Gui Salles, Dre Guazzelli, Ale Salles, Lalai+Ola, entre outros).

A casa já apinhada com o Savoir Adore no palco (Foto: André Silva)
Paul Hammer e Deidre Muro, o núcleo duro do Savoir Adore (Foto: André Silva)

Pelas 23h, o Savoir Adore subia ao palco e a pista já começava a se encher, assim como alguns dos camarotezinhos mais acima. No gráfico abaixo, apresento minhas percepções da oscilação do público no festival e algumas possíveis interpretações.

A performance da banda não foi nada demais, mas deu uma agitada no público, com grupinhos devidamente aglomerados na frente do palco para curtir o show. Som dançante, com uns toques eletrônicos leves e voz feminina. Dá para entender por que eles começaram na mesma gravadora do MGMT, a nova-iorquina Cantora Records. Os problemas de volume do microfone, que ainda pontuariam a noite, começaram a se manifestar, cortando a voz da vocalista repentinamente.

A poderosa Charli XCX aquece o caldo do festival (Foto: Helena Yoshioka)

Em seguida, às 0h35, entra pulando no palco a Charli XCX, cantora pop inglesa autora de “I Love It”, hit do ano passado na versão do duo Icona Pop. Acompanhada por uma banda só de mulheres (quem ela pensa que é? O Prince?) ela injetou uma dose de ânimo no público até uma e pouco da manhã. Os detalhes do show você confere num texto exclusivo, publicado terça-feira nesse mesmo Bat-site.

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No balcão de fichas:

– Vocês trabalham com Amex?

– Hã? Não.

Por que alguém ainda sai com um pedaço de plástico inútil desses na carteira? E por que acabaram com o TIM Festival? A discotecagem neste momento segue uma linha que faz lembrar os idos de 2008, tempos mais simples, de festivais com uma identidade mais definida e feitos em lugares fechados. Tempos em que o Campo de Marte era apenas uma pista de aviões e o Jóquei uma estrutura para corridas de cavalo com prostituição escancarada logo em frente.

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O inspirado Ed MacFarlane, dos Friendly Fires, faz a alegria dos fãs (Foto: Helena Yoshioka)

Enfim: às 2:20, o dance de qualidade atinge seu ápice com o ótimo Klangkarussell cedendo espaço para o show do Friendly Fires. Fica claro que os ingressos para o MECA se esgotaram em grande parte por causa desses britânicos: além de uma multidão gritante e pulante de fãs, os caras fazem por merecer, dando tudo de si no palco. Em terceira passagem pelo Brasil, impressionaram especialmente pelo peso da percussão, com o baixista Jack Savidge largando o instrumento para batucar eventualmente e também pelo vigor do vocalista Ed MacFarlane, que além de cantar pulava como uma macaca albina, “todo se querendo” e à altura de qualquer grande performer musical — ainda teve que arcar com o volume baixo do microfone, gesticulando para o técnico aumentar durante o show inteiro, sem muito sucesso.

Botaram o povo para dançar, levando adiante a herança inglesa de fazer rock dançante, atingindo mais sucesso com sons como “Hawaiian Air”, “Kiss of Life” e “Hurting”. A empolgação era tamanha que duas garotas e um cara subiram no palco e tiveram que ser retirados pela segurançaa. Talvez pelo profissionalismo do show, os Friendly Fires são um dos poucos nomes com uma sobrevida decente nascidos na chamada cena “new rave”, de meados dos anos 1000 (sabe qual a chance de você ver um show dos Klaxons ao vivo hoje em dia e gostar? Não é muito grande).

3h34: sentemos na escada de mármore. Muita gente passa pela banca de amostra grátis de batata frita para repor os eletrólitos, esgotando o estoque. A maior parte do público começa a sair do Grand Metrópole, deixando a pista aos cuidados da discotecagem dezenas de pessoas ainda animadas em dançar. Um cara desce com a camiseta toda rasgada na horizontal.

A primeira edição paulista do MECA foi um sucesso, vendendo toda a bilheteria. Se no Rio Grande do Sul o festival tem grandes proporções , aqui nem se compara ao Lollapalloza ou ao SWU. É outra proposta, com um público mais direcionado e com provável ingresso mais barato para eventos do gênero recentemente: no primeiro lote a inteira custava R$100; no terceiro, R$180. Levando em conta a escassez cada vez maior de casas de show em São Paulo e a concentração de apresentações de bandas em festivais, o MECA se apresenta como uma opção promissora para os próximos anos.

(Texto originalmente publicado em 3 de fevereiro de 2014. Conteúdo reprodutível somente sob consulta aos autores, faz favor.)

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