Some Kind of Monster: uma babacografia

André Silva
Perdidos No Ar
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14 min readSep 22, 2016

Doze anos atrás, o Metallica mais uma vez era notícia por algo que fazia seus fãs não terem certeza se era para se orgulhar ou colocar a cabeça em um buraco e simplesmente desaparecer. "Some Kind Of Monster", um documentário de mais de duas horas, cobre dois anos da banda durante seus momentos mais turbulentos: "St. Anger" estava sendo gravado enquanto o mundo gritava “NÃO, POR FAVOR, NÃO”

Por Miguel Amado e André Silva

Eu, Miguel Amado, não tenho como colocar em palavras o quanto amo a obra de Joe Berlinger e Bruce Sinofsky. Com um prazer totalmente sádico, assisti incontáveis vezes uma das cenas mais desconfortáveis já filmadas, quando Lars Ulrich e Dave Mustaine, em uma sala, discutem quase chorando a demissão do segundo por ser um bêbado louco em uma banda de bêbados loucos. Esperando uma cena de UFC, eu dei rewind e vi de novo Lars chegando perto da cara de James Hetfield, 50 kg mais pesado e pelo menos 70 cm mais alto, e mandar um "FUCK" que quase fez escorrer uma babinha pelo beiço. Isso sem contar cenas impagáveis, como todas com o psicólogo e/ou com Bob Rock presente; Lars vendendo quadros e ganhando dinheiro com isso de um jeito que só na América é possível – e sendo o escroto que todos nós amamos. Eu nem era um grande fã de Metallica. Fiquei depois de assistir pela primeira vez.
Nenhum drama fica sem ser explorado. Todos os personagens foram colocados no moedor de cana e, ainda melhor, em um período de grande estresse: o baixista Jason Newsted se demite depois de ter sofrido mais bullying que um gordinho fã de Britney Spears na 5ª série. A banda, que está há anos sem gravar material novo, precisa juntar forças para criar e ter sucesso com um novo álbum logo depois de ter processado seus fãs para não deixar de ganhar dinheiro, e num período em que o metal estava sendo ridicularizado. E não de um jeito Massacration – de um jeito Korn mesmo.
Pensando justamente nos personagens, eu e André Silva decidimos fazer uma escala especialmente dedicada a eles, classificando como nos sentimos em relação a eles depois de ver essa pedrada na cabeça em forma de documentário: algumas surpresas, algumas coisas que já suspeitávamos e um injustiçado histórico.

O BABACÔMETRO: Modo de usar

Como muitas atividades requerem equipamentos específicos para serem realizadas, a babacografia requer um babacômetro para ser realizada: deve ser montado com os resultados de uma discussão e lido como um termômetro, no qual a parte mais fria (a inicial) representa o indivíduo mais digno de pena e a parte mais quente (a final) representa o imbecil da turma. O objetivo é enxergar quem é o babaca por trás de uma situação de conflito e quem é o coitado.
Por que qualificar as pessoas como dignas de dó ou babacas? Porque numa ocasião de choque de egos e hostilidade extrema, mais do que em qualquer outra, ninguém é poupado: cada ator arma uma estratégia própria de interação, mas essencialmente dá ou toma na cabeça. Desse campo de batalha não se levam prisioneiros.
Além do mais, o Metallica no filme é uma espécie de família superdisfuncional, e família não se escolhe: leva-se para o túmulo. Vista dessa forma, a babacografia pode ser entendida também como um exercício sacana e divertido de alteridade do ódio alheio.
A discussão foi feita durante e depois de assistir o documentário. Na leitura, você perceberá que não houve consenso em alguns casos. Como eu editei o texto e a parte gráfica da coisa, fui magnânimo e resolvi a disputa de modo justo, colocando os itens na ordem certa: a minha.
Coloque o St. Anger para tocar e entre nessa.

André Silva

DAVE MUSTAINE
M:
Nunca vou ter dó dele. Podia ter no comecinho da cena, mas depois ele basicamente jogou que o Megadeth foi a menina chata com quem ele namorou e casou apesar de sempre querer a modelo quente e inteligente. Você pode até achar isso, mas nunca vai chegar e admitir isso para a modelo. Ele tinha a chance de dar um tapa na cara do Lars e dizer “nem me importo… Foi legal, mas COMPUS SYMPHONY OF DESTRUCTION".

A: Sacanagem com Marty Friedman, Kiko Loureiro & seus amigos? Com certeza. Mas tem sentimentos que não se pode controlar. O Megadeth tem 30 anos de carreira na corda bamba entre o rancor do Mustaine e a hostilização pública. Ele finalmente decide abrir o coração em público, mas acaba falando que daria tudo para voltar no tempo até o minuto anterior a ser despachado bêbado num busão pela própria banda… Todo o mundo está lá para ouvir isso pela câmera, mas só um dos 3 caras que deu mancada com ele está lá para dar a carinha a tapa!

M: Sim, mas não era qualquer um dos três. Era o dinamarquês canalha, o ditadorzinho, o anão da bateria que pula para alcançar os pratos. Era o momento da vingança. E ele deu uma de Baggio. Ter dó dele significa que ele perdeu. A banda rival estava caindo, ele tinha a chance de pisar em cima. Mas não. E depois ele ainda quase perdeu o braço e encerrou o Megadeth. O habitat natural de Mustaine é ser o babaca, mesmo ele tendo tudo para ser heroi.

A: Os caras finalmente chamam ele pra pedir desculpas. Um deles tá morto, ele nunca vai ter esse diálogo. O anão tá lá ouvindo sinceramente. O outro simplesmente nem tá lá. É uma sacanagem em dobro nem um pouco merecida. Além do mais, quem tem que se pavonear pra mostrar mérito não transparece mérito. Sinto dó.

M: Ok, aceito ele ir para a parte dó da escala, mas não muito.

BOB ROCK

A: O babaca-mor da história toda. Tudo bem, o cara é bovinamente gente boa durante dois anos no olho de furacão sem nem precisar ter estado lá em primeiro lugar. Apanha na cara e não revida, e ainda grava o baixo do disco inteiro.
Mas quem dá aval ao som da caixa de bateria que IMPLODIU o disco só pode ser um tremendo filho da puta secretamente rancoroso.

M: Ele é disparadamente o mais digno de dó. Ele produz uma banda que tem um ditador a mais que a Coreia do Norte. Não tem nenhum compositor maravilhoso, um vocalista/guitarrista bêbado, um baterista abaixo da crítica e eles ainda são todos brigados. Não tem baixista, e ele, na maior das boas vontades, toca. Ele é canadense, povo conhecido por ser gente boa.
E no fim o disco é um lixo, e quem é culpado por tudo? O loiroso. Dó, mas muita dó.

A: O cara trabalha com a banda pelo menos desde o álbum preto. Ele se meteu no vespeiro sem nem precisar da grana. Eu diria que foi broderagem canadense. Mas existe algo forte dentro de mim que aponta para o coração do Mal nesse gorducho de cabelos lisos acatando (se não tiver ele mesmo proposto!) a sonoridade da bagaça. E o disco nem é tão ruim, tirando a caixa insuportável e umas músicas meia-bomba.

M: Essa é uma banda que fez um álbum bom com o Rick Rubin mas que dispensou ele para o próximo álbum (que será lançado agora). O Lars com o Quincy Jones diria: “legal Quincy, esse groove é interessante, mas você é um apertador de REC glorificado”. Esse som (do St. Anger) foi o Lars falando “queremos soar modernos” e chamando os sete percursionistas do Slipknot para uma consultoria. Ou então aqueles caras do espetáculo de percussão, com latas de lixo e etc (chama Stomp). EU VOTO DÓ, MUITA DÓ. TENHA DÓ.

A: O trabalho dele é ser pago para cagar na cara de quem sugere ideias assim! Como não são caras fáceis, o extremo “muita dó” é tão plausível quanto “psicopata frio”.

KIRK HAMMETT

A: Dó, e bem dosada. Ele é o claro trabalhador honesto da banda, que passa uma semana ruim aguentando os colegas de trabalho xerocando a bunda na copiadora enquanto rala no cubículo dele para ter um fim de semana digno descendo a serra para Mongaguá. A cada discussão inútil (ou seja, a cada 30 segundos de filme) dá para ler na cara dele o sentimento de “lá se vão mais 40 mil dólares numa mensalidade dessa terapia de grupo estúpida”.

M: O mais impressionante e digno de dó é que o cara foi completamente subutilizado até nesse documentário. Ele é claramente o fiel, ponderado e equilibrado e mesmo assim só vemos ele tendo sua alma destruída. E surfando um pouco. No show da nova banda do Jason Newsted, ao qual o Kirk vai com o Lars, a maior mancada do Jason não foi fugir do Lars, porque isso todo mundo faz: foi ter fugido do Kirk. Isso doeu no meu coração. Ele só fez o bem e no fim, porque ele anda com dois doentes, ele foi considerado o terceiro doente.

A: Sim. E, no final, ele nem fica com o Lars e o Bob Rock na casa de shows pra espinafrar os roadies da banda enquanto eles desfazem o palco. Kirkão é amor.

TERAPEUTA (Phil Towle)

M: Cacete, esse é um babaca completo. Qual é o desempenho de terapeutas em bandas? Zero vitória e 163 derrotas? Primeiro que bandas nunca deram certo quando todos gostavam de todos. Segundo que os exercícios dele não funcionariam nem em donas de casa que gostariam de ter ido para Barcelona quando jovens ao invés de casar com o babaca da universidade. Imagina com três caras completamente diferentes que estão juntos apenas porque quando eles pegam em um instrumento, 50 mil pessoas querem ver.

A: Sinto um pouco de dó do cara, na verdade. Isso não é uma banda, é uma empresa. Ele é o cara do RH, que tem que cumprir o papel de babaca. É o papel de mediador frio que o Bob Rock deveria ter feito na parte musical, mas transposto para a parte emocional de caras mais egomaníacos que o Caetano Veloso recebendo um Grammy. Nem o salário obeso que ele recebeu é suficiente para engolir sapo calado. Tanto é verdade que ele quase perde a estribeira quando eles não se decidem se param com a terapia ou não.

M: Dó? Olha os dois clientes dele na música segundo o Wikipedia.

• Rage Against The Machine/Audioslave guitarist Tom Morello,
• Stone Temple Pilots

Um é um guitarrista que não consegue reunir sua banda/partido político/movimento sônico completa no ano em que o Donald Trump é candidato à Presidência. E a outra banda, bem, o vocalista morreu ano passado de overdose.

A: Você sempre pode imaginar que os caras estariam ainda piores, na sarjeta, se ele não tivesse confrontando esses caras com jeitinho. Fora que imagina ter que aguentar desaforo dos caras e também ter que ficar no canto ouvindo todas as jams sem inspiração do St. Anger sem nem pertencer à banda?! Um pouco de dó.

M: É sério que você não acha ele o segundo maior babaca do documentário? Até os pullovers dele são babacas.

A: Acho não. Até acho ele um cara esforçado e um sósia empenhado do George Bush pai… pago a peso de ouro. É mais um cara que descobriu um nicho.

M: Vergonhoso.

PAI DO LARS, vulgo Torben Ulrich

A: Esse cara é foda.

M: Babaca total. Ele destruiu as primeiras gravações

A: Eram uma bosta, convenhamos. E ele tem mais de 60 anos e ainda vê algum valor no som do Metallica, se esforçando para dar uma explicação artística em vez de só puxar o saco do filhão. Como não sinto dó dele, fica na categoria “babaquinha”.

M: Babaquinha é boa.

ROBERT TRUJILLO — vulgo TRUJILLÃO

A: Alguém que termine esse documentário com um sorriso no rosto e um milhão de dólares mais rico é automaticamente classificado como babaca. No mínimo não dá pra ter dó dele, até que tenha o baixo submerso na mixagem do próximo disco.

M: Nunca gostei muito dele. Nada que ele tenha feito, mas gosto do Newsted. E gostaria que o Les Claypool tivesse assumido o baixo depois da morte do Cliff. O mundo teria ficado com um Metallica funkeado e o Primus não teria que lançar tanta coisa para ele comprar baixos de 9 cordas. Voto UM GIGANTESCO NADA para Trujillão.

A: Nada não é uma possibilidade no quadro. O latinão gente boa sendo acolhido entre um ninho de cascas grossas pode ser um indício de que ele deve ter podres muito bem guardados sob as tranças negras. Babaquinha, com o pai do Lars.

M: Ok, babaquinha.

LARS ULRICH

A: Tinha mais dó dele antes. Fico dividido entre um babaca extremo ou uma vítima das circunstâncias da despirocada que o James Hetfield deu. Ele levou a terapia a sério, mesmo não acreditando em vários momentos, por exemplo. Acho que ele é uma boa para o meio do babacômetro.

M: Você entra no documentário com a cabeça já feita. Ele é um babaca completo, processou os fãs (mesmo que tivesse razão, é sempre engraçado lembrar isso), come com a boca aberta, pula para chegar nos pratos da bateria, não percebe que é careca e deixa o cabelo pateticamente crescer, quando ainda tinha cabelo não mantinha um corte e tonalidade e isso fica evidente neste filme.

Aí, chega no documentário e ele é:

• o alívio cômico,
• o filho de um pai genial,
• um pintor,
• o cara que manteve a banda junta,
• o cara que estendeu o braço pro Jason Newsted E PRO DAVE MUSTAINE,
• o cara que confrontou o Hetfield, babaca-mor do documentário e ainda foi sacaneado com o som da bateria, que parece a de um dos percussionistas do Slipknot, só que sem os outros 37 percussionistas e mais o Joey Jordison para disfarçar.

Eu voto DEUS, ou anti-babaca. Ele é o menos babaca. A minha surpresa deve ter sido a mesma que de Lennon-McCartney ao perceber que o guitarrista 4 ou 5 anos mais novo e tímido sabia compor e cantar.

A: Ele não manteve a banda junta. Na verdade, ele quase ajuda a entornar o caldo confrontando o James Hetfield TODA VEZ. A tensão às vezes ajuda, ok, mas ele não foi tudo isso. E ainda por cima deve ter idealizado o som de lata da bateria, assim como achou uma boa ideia imitar o corte de cabelo do Eminem.

M: Mas ele explica a sua motivação. Ele sempre foi um pequeno dinamarquês em um busca do amor do brutamontes californiano e este só conseguia reconhecer o valor de uma amizade intercontinental quando bêbado. Aí, nem a Madre Teresa aguenta. Imagina o saco de ouro para aguentar o Hetfield.

A: Todos estavam no mesmo barco. Ele agia como babaca. Não é tão difícil. Kirkão era menos babaca. Bob Rock pode ser um reptiliano ou um pedaço de manteiga mesmo perto dele. Embora eu admita que não deve ser fácil ser um dinamarquês anão milionário vendendo quadros do Basquiat e sendo dono do Metallica.

M: Olha o pai dele. O fato de ele não ter se matado com a falta de foco da figura paterna é um milagre. Você está sendo injusto com o menino Ulrich.

A: Pra quem acha o terapeuta o maior babaca da história, tá fazendo bem o trabalho dele. Se for entrar no mérito do problema de figura paterna, o Hetfield é um santo.

M: Só por que ele matou a mãe dele? Detalhes cara.
Tá bom vai, aceito o downgrade de Ulrich. Mas não estaremos premiando o comportamento surpreendente dele. No próximo documentário ele vai ser um babaca incendiário.

JASON NEWSTED

M: Sempre gostei do Jason. O cara era um fã tocando baixo e sofrendo bullying de seus ídolos. Aí, ele, no meio de uma indefinição da banda, começa um projeto paralelo, toma um ultimato da banda maior e sai.
Então como eu terminei achando ele um babaca? Acho que ele ter saído que nem uma putinha do show sendo que o Lars, Bob Rock e Kirk foram visitar ele foi demais para mim.

A: Muito bundão. Poderia ter até mijado na cerveja e oferecido pros três e seria menos babaca. E ainda deixou os dois membros do novo trio para ciceronear as “ex-esposas”!

M: Se bem que não podemos esquecer dele enchendo a boca para dizer que os caras eram uns fracos de contratar um psicólogo depois de tantas decisões envolvendo tanto dinheiro. Mesmo assim, babaca. Mais que qualquer membro da banda não chamado James.

A: Sim. E o Bob Rock, que só pode ser uma coroa platinada psicopata se fingindo de produtor para destruir a banda e o álbum.

M: Não fala mal do meu Bóbão. INOCENTE.

JAMES HETFIELD

M: O mais revelador possível da cabeça podre do Hetfield é ele dizer no fim que percebeu que não é legal viajar para a Russia sozinho, sem a patroa e as crianças, e ainda perder o aniversário do rebento mais novo.
ELE PRECISOU DE REABILITAÇÃO E DOIS ANOS PARA PERCEBER ISSO.
Nem vou entrar mais nos outros 500 casos de babaquice extrema…
Ok, vou entrar: bate portas, é cuzão com o Bob Rock, causou a saída do Newsted, mal conversa com o Hammett e ainda usa muitas regatas.

A: Quando começou o filme e ele ficava fazendo joinha para a câmera naqueles hot rods bizarros eu pensei: cara, ou ele é um mané ou os documentaristas vão foder com esse cara pelas próximas duas horas. Depois da cena dele brindando com vodca o primeiro aniversário do filho, isolado na Rússia caçando ursos com marmanjos desconhecidos, acho que pude formular uma hipótese razoável.

M: Hahahaha.

A: O engraçado foi achar o cara ainda mais babaca depois de voltar da reabilitação! Não sei se é comum, mas ele voltou com restrição de horário e totalmente auto-consciente e tendo que falar a todos até se ficava incomodado com o peido de alguém. O cara ficou menos intransigente, mas mais intragável do que quando moeu a porta no batente no começo do filme…

M: É verdade, esqueci da principal parte: ele sindicalizou o Metallica, ficando puto que o baterista e o produtor estavam ouvindo músicas depois do turno — nem a CUT faria isso. Babacaço. Nem discorde de mim.

A: Acho que a falta de uma figura paterna faz com que ele tenha que se afirmar constantemente… Sendo assim, merecia ficar um pouco acima do Kirk. Vamos ser justos com o barbicha…

M: Meu Deus…

A: Hahahahaha. Claro que não.

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