A publicidade digital só é chata pra quem não sabe o que ela é

Luísa Fedrizzi
Perestroika Blog
Published in
4 min readOct 11, 2015

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Uns meses atrás, recebi por e-mail, de uma pessoa que trabalha há décadas na publicidade "tradicional" (na falta de outro jeito de chamar), esse texto do Edmardo Galli. Quando cheguei ao quarto parágrafo, meu sentimento para com esta peça de ~conteúdo digital~ era tão revoltante que não consegui segurar uma resposta gigantesca devolvida por e-mail para toda a lista que tinha recebido a mensagem original — um grupo bem heterogêneo que provavelmente não ia sequer se interessar pela minha indignação. Azar.

Agora resolvi trazer o debate pro lugar certo (acho que é) e compartilhar minha resposta aqui no Medium. Por que fiquei tão revoltada? É simples: se a publicidade digital é chata, é porque ainda é tratada como versão online (cof) da mídia offline (cof cof).

Explico.

Pra começar, Galli pergunta:

"(…) quando foi a última vez que você se emocionou com uma peça publicitária digital? Um e-mail marketing? Um banner?"

Bom, reduzir o digital a banners e e-mail marketings é de uma simplicidade absurda. Seria o mesmo que reduzir a propaganda offline a outdoors apenas. Mas vamos seguir pra ver onde ele quer chegar.

"O marketing digital está esquecendo da parte do ‘marketing’. Está ficando só o ‘digital’. Uma publicidade baseada unicamente em mensuração, sem nenhuma conexão afetiva. O objetivo principal de qualquer campanha de marketing sempre foi e continua sendo criar um elo afetivo entre o consumidor e a marca. Porém, há muito tempo foca-se quase que exclusivamente em performance na publicidade digital, deixando de lado o branding."

A meu ver, nem toda campanha de marketing tem como objetivo principal criar um elo afetivo entre consumidor e marca, mas ok, vamos passar esse ponto, porque ele não é o argumento central. A questão é que existem muitas formas de fazer branding — ou marketing ou propaganda ou publicidade, chame como quiser — no meio digital que vão muito além dessa visão rasa de mensuração. E muitas delas são emocionantes sim. Se o objetivo for esse, são capazes de criar elos afetivos de qualquer natureza. É só pensar, por um momento, em diversos cases que conseguiram transformar toda essa capacidade numérica e “mensurável” do meio digital em bons insights para ações relevantes para as pessoas.

Só que meu foco aqui não é encher esse texto de cases. Então, antes de sairmos pesquisando as premiações mais recentes, precisamos esclarecer um fato que passou batido na argumentação de Galli — e que bem provavelmente seja a causa de toda essa má reputação que o digital tem junto às empresas mais tradicionais.

digital ≠ tecnologia
digital ≠ internet
digital ≠ computador ou smartphone
digital ≠ CPC ou CPV ou clicks ou likes ou fãs

Esqueça computadores, navegadores, gadgets e toda essa bullshitagem de medir uma marca pela quantidade de fãs ou de acessos ao site. Métricas sozinhas não dizem nada. Performance significa desempenho — e desempenho não tem a ver só com números. Vence o jogo quem sabe ler o que eles querem dizer.

Digital, hoje, agora, em 2015, é algo muito maior e muito mais abrangente do que qualquer coisa que está online, em contraposição a algo que está offline. Digital é a maneira como o mundo funciona hoje. É a forma como vemos e lidamos com as coisas — sim, todos nós, todos os dias, em detalhes que nem percebemos.

Digital é o novo comportamento do consumidor; digital é fast-fashion e lowsumerism ao mesmo tempo; digital são as start-ups, mas também as grandes marcas produzindo conteúdo, aplicativos, jogos e toda e qualquer criação que não esteja diretamente ligada ao seu produto core, mas que seja capaz de se tornar um produto por si só. (Sim, é tipo a RedBull ter uma equipe de Fórmula 1, a Apple ter um serviço de streaming de música ou a Lego ajudar a desenvolver próteses mais acessíveis, simples e divertidas.) Digital é o fato de o perfil das empresas mais valiosas do mundo ter mudado radicalmente nas últimas décadas; digital é cauda-longa, hipersegmentação, crowdfunding e crowdsourcing. Digital é trocar horas do seu trabalho por serviços de outra pessoa, é saber que você não precisa de uma furadeira se seu vizinho tiver, é fazer você mesmo ou poder comprar direto do produtor.

Trabalhar com marketing digital é entender que o mundo das marcas, hoje, está sujeito a toda esta dinâmica. É saber que ele é mais rápido, mais dinâmico, mas horizontal, mais aberto, mais colaborativo, mais próximo das pessoas e mais mutante do que sempre foi. É saber que não existem públicos diferentes "no on e no off", que não existe marca ou empresa que não esteja nas redes sociais (se ela existe no planeta Terra, ela está lá, é apenas uma questão de ser oficial ou não), que apenas vender algo não basta, é preciso ser útil e verdadeiro, e que escolher onde impactar o consumidor não é mais uma questão de plataforma, e sim de momento.

Portanto, falar de marketing digital hoje é falar de tudo que usar alguma plataforma ou tecnologia ou ponto de vista digital para sua realização — em qualquer ponto da jornada. Se as marcas brasileiras ainda entendem digital como banner para portais e anúncios de Facebook, a culpa não é (só) delas, mas também dos profissionais que as assessoram.

Existem inúmeras iniciativas incríveis surgindo todos os dias, mas a maior parte delas está sendo feita de forma independente por pessoas, coletivos e empreendedores que entendem o mindset digital e não tem medo de arriscar. Por que essas iniciativas não são — ou não poderiam ser — de grandes marcas? Ou porque ninguém propôs que fizessem, ou porque elas têm medo de fazer ou porque não querem investir. Separam a iniciativa, a criatividade e a verba só para o feijão com arroz: “Me vê aí X banners no G1, X anúncios display no Google, X posts patrocinados no Facebook”. Aí não dá pra reclamar de falta de emoção, né.

[Para quem continuar no texto do Edmardo Galli, recomendo uma água com açúcar para o momento em que ele fala que a salvação vem da "chegada do vídeo à publicidade digital". Sim, isso mesmo.]

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Luísa Fedrizzi
Perestroika Blog

tentando criar um mundo melhor com o que sei fazer. estrategista e country manager da @contagiousbrasil.