12 Pessoas Com Raiva

INÁ
Performídia
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3 min readAug 12, 2020

Comecei a escrever enquanto acompanhava. Simultaneidades que se tornam cada vez mais familiares.

Já estou há mais de uma hora conectada a plataforma de videoconferência ZOOM, participando como espectadora da proposição cênica intitulada 12 Pessoas Com Raiva, ativação do Pandêmica Coletivo Temporário. Hoje é a última apresentação, por isso quando vi a divulgação sendo compartilhada pelo story de um amigo, cliquei pra acessar a sala sem pestanejar. Eram oito e seis. Eu estava atrasada, mas consegui chegar.

Os atores, 12 como indicado no título, se apresentaram cada um em uma tela da plataforma. Respeitando isolamento físico, mas não isolamento social como manda o teatro e obedecem seus realizadores. Ainda bem, porque isolamento social não é pra nós. Teatro é relação. O “palco” de 12 Pessoas Com Raiva é o palco mais possível de assimilar diálogos nos tempos atuais e possivelmente vindouros. O teatro se adapta.

Passado um tempo de diálogo entre os personagens e eu ou nós, de dentro de casa, começamos a entrar na discussão. Cada janela é um número e cada número é um arquétipo: os personagens como arquétipos, assim eu vi. E esse agrupamento de pessoas enquadradas em janelas, nos expõe um caso que não ao acaso, tornou-se um fato.

O fato

A palavra fato denota “o que foi finalizado e não pode ser mudado e/ou alterado” (via dicio.com.br), ou seja, é aquilo que é e apenas é. Olhando por cima do muro podemos começar a questionar o fato, mas o muro pode ser de fato alto, impedindo de alcançar as vias dos fatos. Repete-se e não se pode alterar sem que se veja além.

A cena 12 Pessoas Com Raiva oferece e estimula esse olhar além, afinal te coloca pra observar perspectivas sem precisar dizer de que lado está, embaralha esses lados, faz repensar os acasos e… os fatos? Esses nem se fala, são os primeiros a sentir o abalo.

A situação rememora tanto o presente quanto o passado, tornando a peça bem atual. Eu até poderia dizer objetivamente sobre o que a peça trata, ao meu ver, como tema central, mas prefiro que os números digam. Não esses números que designam os personagens, mas os números reais. Que números são esses? Dados sobre genocídio da população negra, dados sobre a desigualdade, dados sobre pessoas mortas por crimes de racismo, dados e mais dados.

12 Pessoas Com Raiva — desdobramentos de janelas de ZOOM

Algumas perguntas que emergiram na experiência:

“Quem pensa assim?!”
“Justiça é o que mesmo?”
“Julgar sem conhecer é fácil, né?”
“Responsabilizar a influência ou o influenciável?”
“Quem está na mira do lugar de condenado?”

Costurando os pontos

Ao longo da cena fui me percebendo afetável, por mais que minha atenção plena não estivesse a todo vigor (o espaço muda a relação, tem isso). As vezes eu perdia um movimento, mas posso dizer que não perdi as palavras. Cada ator, em seu lugar, sustentava aquela experiência que expunha diante dos olhos e ouvidos PRESENTES o que precisa urgentemente ser reformulado para que deixe de ser o que é. Estamos falando do impacto do diálogo como elemento chave dessa reformulação.

Por isso a sensação de estar participando de uma conversa. Não por acaso, ao final, todos aqueles que estivessem presentes poderiam falar ou escrever suas impressões. Eu não falei lá, mas aqui estou, costurando com essas palavras o que reverberou da discussão encenada, me fazendo lembrar que a diferença entre discussão e conversa é que a discussão é mais minuciosa. Esse é o ponto: alterar as bases do paradigma social racista brasileiro é um trabalho de precisão cirúrgica.

Uma tirada de chapéu especial para a atuação de Tatiana Henrique, a número 8, que viveu e vive a condutora de diálogos de reparação necessários e transformadores.

Ficha técnica de 12 Pessoas Com Raiva

Inspirado em “Twelve Angry Men” de Reginald Rose
Direção e Adaptação: Juracy de Oliveira

Direção de Arte e Figurino: Luiza Fardin

Elenco: Enio Cavalcante, Gabrielly Arcas, Gilson de Barros, Giovanna Araújo, José Henrique Ligabue, Leandro Vieira, Mariana Queiroz, Maurício Lima, Múcia Teixeira, Nely Coelho, Ralph Duccini e Tatiana Henrique.

Realização

Pandêmica Coletivo Temporário de Criação é uma aglomeração online de artistas fazendo teatro ao vivo até quando isso tudo durar.”

Visite o site https://www.pandemicacoletivo.com/ para saber mais do que já aconteceu e do que está por vir.

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INÁ
Performídia

Dançar com as palavras num formato que não interessa, o negócio é escrever sobre a arte que me afeta.