UX research — Ensaio de histórias de pessoas com deficiência (deficiência visual — cegueira)

"O que me criou barreiras hoje não é a minha deficiência visual, são as ferramentas que não me permitem fazer igual o que todos fazem."

Joyce Rocha
personas com deficiência
6 min readDec 31, 2021

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"É preciso ser nada! Porque no nada cabe tudo!"

Com essa frase do Lima Duarte que começo apresentando a minha nova persona, tentei nesse processo de pesquisa esvaziar as minhas ideias, emoções e opiniões, para receber e compreender a visão de mundo das pessoas com deficiência visual.

Viviane — Lead de acessibilidade digital com deficiência visual

Esse é um novo recorte dos meus ensaios de personas com deficiência. A minha nova persona se chama Viviane, ela é deficiente visual, tem 32 anos, é lead de acessibilidade digital e tem muita dificuldade de anexar fotos.

Sua história foi copilada em áudio, e transcrita, espero que todos possam aprender com a visão de mundo da Viviane.

Meu nome é Viviane, tenho 32 anos, e hoje trabalho como lead de acessibilidade digital.

O meu primeiro emprego foi como bolsista num centro de pesquisa em 2005, nessa época já trabalhava com acessibilidade digital, as coisas já estavam começando a caminhar nessa parte, trabalhávamos muito com o conceito de usabilidade para aplicar em acessibilidade. Pesquisávamos muitos materiais vindo da Dinamarca, Portugal … e tinha algumas coisinhas da W3C e que hoje tem uma norma especifica em acessibilidade digital que é a WCAG. Trabalhei por 2 anos no centro de pesquisa e depois trabalhei em diversas empresas de tecnologia.

Eu era monocular, não enxergava do olho esquerdo, e no começo do ano tive algumas complicações médicas e tive que fazer uma cirurgia de emergência e ai de repente eu acordo num dia, acordo pós cirurgia e não to vendo, ai eu falo: beleza, tipo acho que isso é temporário e amanhã passa e não passou. Eu estou reaprendo tudo, estou usando e precisando de recursos que eu tanto ensinava.

Está sendo bem difícil de usar algumas ferramentas, principalmente as que estou começando a mexer agora, acho que se tivesse um modo de apresentar a ferramenta tipo uma visita guiada, "então eu vou te apresentar a ferramenta aqui tem tais, tais funções as áreas que você vai editar e preencher são essas, essas e essas" acho que iria me ajudar muito! E… também tem a questão da privacidade, eu conversei com alguns deficientes visuais, eles falam que apagam a luminosidade da tela ou do monitor para se sentirem mais protegidos, porque você vai digitar enfim, ou as vezes escrever alguma coisa que não é para todo mundo ler, mas como você não sabe se tem alguém atras de você lendo a sua tela é fica complicado. Acho que uma solução para essas ferramentas é ter um recurso que ofereça dicas talvez, nao sei tipo… "ha não se esqueça isso é algo importante, é sigilosa, procure um espaço que onde você possa fazer isso de forma isolada, enfim ou apague a luminosidade da sua tela…"

Anexar foto também é um outro negócio surreal, tipo… um avatar ajudaria, ou sistema já carregar uma foto minha já me ajudaria também, porque… ai também pode ser aprendizado de uma pessoa iniciante no mundo digital, coisas de anexar é tenso é muito difícil.

É muito estranho está compartilhando situações que eu não vivia, eu começo a me ver vivendo aquilo que eu falava, e quanto que esse universo…
e isso é muito louco assim… Eu sou a mesma Vivi, eu penso as mesmas coisas, a minha inteligência, a minha característica física enfim, tudo é igual eu só deixei de ver, mas assim, se alguém fosse me contratar hoje sem enxergar é deixaria de me contratar por isso? Né sendo eu a mesma profissional que fui contratada meses atrás enxergando? então isso é um… uma coisa que mexeu muito aqui comigo, o quanto que as pessoas avaliam ou julgam se aquela pessoa tem potencial ou não simplesmente por ela não ser 100% dos padrões normais. O que me criou barreiras hoje não é a minha deficiência visual, são as ferramentas que não me permitirem fazer igual todos fazem. Então é a igualdade de acessos de ferramentas que deixam o meu trabalho mais lento hoje, então é verificar um e-mail não é tão rápido quanto uma pessoa que enxerga, mas eu consigo ler emails, responder emails, fazer atividades corporativas que meu cargo exige mas é claro, vou ter um tempo diferente e se for algo novo o aprendizado ainda mais diferente, então isso seria ajustado no meu dia-a-dia.

Eu vou falar que tive a sorte mesmo… acho que falei isso para o meu chefe pouco depois que eu… quando eu cheguei em casa que eu fui né falar pra ele o que tava acontecendo e tal e eu falei que eu me sentia muito grata por está numa corporação… numa empresa certa, com as pessoas certas, assim porque são pessoas que me acolheram de um jeito tão lindo e de saber que estava com pessoas que se importavam com a Vivi e não com a funcionária né? Então isso fez a total diferença assim.

Deficiência visual — Cegueira

Segundo a Organização Mundial da Saúde, as principais causas de cegueira no Brasil são: catarata, glaucoma, retinopatia diabética, cegueira infantil e degeneração macular.

Segundo dados do IBGE de 2010, no Brasil, das mais de 6,5 milhões de pessoas com alguma deficiência visual:

528.624 pessoas são incapazes de enxergar (cegos)

Estima-se que a cegueira afete 39 milhões de pessoas em todo o mundo

• A cada 5 segundos, 1 pessoa se torna cega no mundo.

As doenças oculares e a perda de visão custam aos Estados Unidos US $ 68 bilhões anualmente.

Acessibilidade digital

Em cima das falas da Viviane, pontuei algumas recomendações de acessibilidade que pode ajudar a minha persona ter uma experiência melhor na web, tive como base o guia de acessibilidade chamado Acessibilidade Toolki.

Este material foi criado pelo o Marcelo Sales com o intuito claro de facilitar a compreensão das diretrizes WCAG.

1.3.1 — Informações e Relações [A]

A estrutura e as relações entre os componentes da tela devem fazer sentido tanto para a visão quanto para a audição.
Nota para DEV: código semanticamente correto atende completamente este critério.

1.3.2 — Sequência com significado [A]

A ordem de leitura e a navegação pelos componentes em tela deve fazer sentido para o usuário.
Nota: a ordem estrutural dos componentes visíveis em tela deve ser a mesma ao se reproduzir o conteúdo através de um leitor de tela.

1.3.5 — Identificar o objetivo de entrada [AA]

O objetivo de entrada de um campo deve ser claramente definido (exemplo: para um campo de e-mail, deve-se aplicar corretamente o tipo de entrada de dados e-mail — input type=”e-mail”) e sempre que possível, deve-se habilitar o atributo de auto-completar.

2.5.1 — Gestos de acionamento [A]

Nenhuma funcionalidade deve ser baseada em uma movimentação complexa (exemplo: arraste com 3 dedos para direita), a menos que seja uma funcionalidade essencial e não haja outra alternativa.

3.2.6 — Ajuda localizável [A]

Deve ser fornecido um mecanismo de ajuda completa para o caso de um usuário não conseguir completar uma tarefa. Este mecanismo pode ser um número de telefone, e-mail, chat, formulário de contato, mídia social ou qualquer meio que possibilite o contato humano.

3.3.2 — Rótulos e instruções [A]

Rótulos (labels) devem identificar os respectivos campos de formulários de forma clara e correta. Forneça instruções de tela ou dicas de preenchimento dos campos sempre que possível.

3.3.4 — Prevenção de erro (legal, financeiro, dados) [AA]

Sempre que o usuário puder acrescentar qualquer informação que envolva responsabilidade jurídica ou transação financeira via formulário, bem como alterações em dados já existentes, deve-se também possibilitar o cancelamento do envio ou a verificação e confirmação dos dados.

3.3.5 — Ajuda [AAA]

Caso um rótulo (label) não seja suficiente para explicar o preenchimento de um determinado campo, uma ajuda contextualizada deve ser fornecida.

Referências

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Joyce Rocha
personas com deficiência

UX designer, apaixonada por pesquisa em acessibilidade digital e experiência que podem mudar a vida das pessoas.