A Rosa Atômica e a Explosão do Ódio

Camile Victória
PET História UFS
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6 min readSep 21, 2020
(Foto: Reprodução. Fonte: noticias.uol.com.br)

Lançadas sobre o solo japonês nos dias 06 e 09 de agosto de 1945, as bombas Littly Boy e Fat Man massificaram, respectivamente, Hiroshima e Nagasaki, demarcando de fato a rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial (1939–1945). Tomando esse fato como pressuposto, é preciso retroceder, pelo menos, ao ano de 1941 quando os japoneses promoveram uma intensiva à base americana de Pearl Harbor, o ataque kamikaze[1] causou várias perdas aos norte-americanos, porém, o maior ferido foi o ego da nação patriota que para honrar o seu hino que branda the home of the brave ”, em tradução “lar dos valentes”, jamais poderia deixar tal ato passar impune.

Nesse ínterim, a assinatura de documentos que se mostram contrários à ideologia política totalitária nazifascista e acordos diplomáticos entre o presidente Roosevelt (1822–1945) e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill (1874–1965) já estava sendo acordado antes mesmo do ataque à base americana, todavia, só depois do incidente, o presidente autoriza o envio de tropas norte-americanas para o combate ativo contra o Eixo.

Quatro anos após a intensiva e já no final da Segunda Guerra Mundial as bombas atômicas foram lançadas. Os dois bombardeios ainda hoje levantam debates intrínsecos a respeito de questões éticas envolvendo os seus lançamentos contra as cidades civis. A justificativa americana para o lançamento das bombas foi que os japoneses não aceitaram a rendição. Todavia, tendo em vista que, a partir da Batalha de Midway, em 1942, as frotas japonesas sofreram danos irreversíveis e, a partir de então, o Japão foi sendo derrotado pelos Estados Unidos e ficando acuado em seu próprio território, questiona-se sobre as bombas de Hiroshima e Nagasaki serem realmente necessárias, pois o Japão não detinha estruturas para continuar o ativo na guerra e a sua rendição era uma questão de tempo. Nesse sentido, a intentona estadunidense teve por objetivo reafirmar a hegemonia e o seu poderio sobre os demais países, imagem essa que a nação vem forjando ao longo de anos e, diga-se de passagem, o reflexo de todos os seus atos autoritários impositivos ao longo de décadas foram responsáveis por firmar, assiduamente, o papel de influência que esta nação exerce na contemporaneidade.

Para além dos fatos supracitados, vale ressaltar que, o lançamento das bombas serviu como um aviso prévio de intimidação a União Soviética. Embora esta estivesse lutando ao lado dos Estados Unidos no combate ao Eixo, é fato que, as duas potências iniciavam uma disputa político-econômica e principalmente ideológica. A atitude norte-americana precedeu a Corrida Armamentista e deu um passo a Guerra Fria (1948–1991).

Em contrapartida, para os Estados Unidos, as circunstâncias que antecederam os ataques foram acordadas durante a conferência de Potsdam (1945). Na referida conferência, Stalin, Harry Truman e Clement Attlee debateram os termos de rendição do Japão. Redigida, à declaração de Potsdam foi encaminhado aos japoneses. Com essa rendição, os Estados Unidos visava evitar uma invasão territorial em solo Japonês, pois temiam que a resistência japonesa custasse milhares de vida dos soldados americanos. Juntamente com a solicitação de rendição, os EUA alerta que no caso de recusa o país oriental esteja preparado para sua total destruição. A cúpula Japonesa recusou os termos de rendição e, em consequências dos seus próprios atos, os Estados Unidos lançam a primeira bomba, ainda resistindo, os americanos lançaram a segunda bomba. O “holocausto nuclear” viabilizou que o país norte-americano fosse lembrado até os diais atuais como a primeira nação do mundo a lançar a bomba atômica, ainda o país conseguiu camuflar o seu ato pragmático com uma justificativa superficialmente plausível.

Entendendo o contexto histórico cujo objeto principal desta discursão está inserido, faz-se pertinente então, analisar o poema “Rosa de Hiroshima” composto por Vinicius de Moraes (1913–1980) no ano de 1954 e que anos depois foi musicalizado pela banda Secos & Molhados e imortalizado na voz de Ney Matogrosso (1941-) em plena ditadura militar brasileira.

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa, sem nada

(MORAES, Vinicius de. 1954)

Pautado na crítica social e moral, o poema protesta as mortes de mais 90 a 166 mil pessoas em Hiroshima e 60 a 80 mil em Nagasaki. Nos primeiros quatro versos são abordados as consequências inimagináveis que a radioatividade das bombas acarretou também aos civis sobreviventes. “A rosa hereditária” assolou as gerações futuras, os efeitos causados pela radiação fez com que os sobreviventes transmitissem lesões genéticas para as próximas gerações, causando deformidades, problemas respiratórios, câncer, e o envenenamento de pessoas em decorrência da radiação.

(Foto: Reprodução. Fonte: obviousmag.org)

Os efeitos das “rosas cálidas” deixaram pessoas com a pele derretida e presa nos seus próprios corpos, órbitas oculares foram derretidas em decorrência do calor, pessoas tiveram que lidar durantes anos com queimaduras no corpo que não se curavam. Nuvens de moscas espalharam-se e as larvas proliferavam-se nos ferimentos das pessoas. Crianças, mulheres, idosos, todos à parte do conflito entre as duas nações acabaram “sem cor, sem perfume”, “sem nada”.

A metáfora em usar a palavra rosa se aplica pelo formato de uma rosa desabrochando que a arma nuclear fez após o seu lançamento, o autor nos leva a descontruir o sentido de beleza antes aplicado a rosa, ressignificando a sua percepção e trazendo à tona os seus espinhos. A “rosa radioativa” conduziu caminhos às cinzas. Com o termo “rosa estúpida e inválida” o autor critica a exiguidade de um motivo para lançar as bombas, visto que, o Japão ainda não estava rendido, mas estava vencido.

E quando essa poesia retrata o panorama de problemas e denúncias sociais, exige do leitor uma eficiência maior, o levando a reflexão sobre a realidade. Desta forma, a poesia é um convite à liberdade de sentimentos, onde a única exigência é compreender os efeitos que ela pode causar. (RIBEIRO, Elisabeth Emília; MORESCHI, Jane Elice; RIBEIRO, Neusa Maria Engroff. 2012, p.17).

Sob essa perspectiva, o poema escrito por Vinicius de Moraes permite que sintamos essa experiência sem que a tenhamos vivenciado, levantando reflexões polissêmicas a cerca do incidente como um todo e permitindo que sempre haja mais de uma interpretação e significados. O poema é um convite para estar no lugar do outro.

[1] Pilotos de aviões japoneses cujo objetivo era promover ataques aos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Esses ataques tinham teor suicida, os pilotos lançavam seus aviões cheios de explosivos sobre os alvos inimigos.

REFERÊNCIAS:

BARROS, Kawillians Goulart; OLIVEIRA, Natália Figueiredo de; RANGEL, Tauã Lima Verdan. ROSA DE HIROSHIMA: ROSA CÁLIDA, BOMBA ATOMICA. 18 e 19 de Outubro de 2016, v. 28, p. 77.

BORGES, Rejane. “As consequências das bombas de Hiroshima e Nagasaki” Obvious. Disponível em: http://obviousmag.org/archives/2014/02/as_consequencias_e_efeitos_da_bomba_de_hiroshima_e.htm. Acesso em 02 de setembro de 2020.

CARVALHO, Leandro. “Entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial”. Mundo Educação. Disponível em: <https://mundoeducacao.uol.com.br/historiageral/entrada-dos-eua-na-segunda-guerra-mundial.htm>. Acesso em 02 de setembro de 2020.

DELLAGNEZZE, René. “Arsenal Nuclear e a paz no mundo globalizado: 17.000 ogivas estimadas”. Âmbito Jurídico. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-148. Acesso em 16 de Setembro de 2020.

FUNKS, Rebeca. “A Rosa de Hiroshima, de Vinicius de Moraes”. Cultura Genial. Disponível em: <https://www.culturagenial.com/rosa-de-hiroshima>. Acesso em 02 de setembro de 2020.

MORAES, Vinicius de. “A Rosa de Hiroshima”. Antologia poética. Rio de Janeiro: Editora a noite, 1954.

QUEIROZ, Danielle Noberto; DE OLIVEIRA, Lessandra Paula Targino. A rosa que excedeu os limites do ódio. PARA LER POESIA, p. 101.

RIBEIRO, Elisabeth Emília; MORESCHI, Jane Elice; RIBEIRO, Neusa Maria Engroff. Literatura brasileira: a poesia como denúncia social. Revista Eletrônica da Faculdade de Alta Floresta, v. 1, n. 2, 2012.

SILVA, Daniel Neves. “Efeitos das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki”. Brasil Escola. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/historiag/efeitos-das-bombas-atomicas-sobre-hiroshima-nagasaki.htm>. Acesso em 02 de setembro de 2020.

SILVA, Daniel Neves. “Lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki”. Mundo Educação. Disponível em: <https://mundoeducacao.uol.com.br/historiageral/lancamento-das-bombas-atomicas-hiroshima-nagasaki.htm>. Acesso em 02 de setembro de 2020.

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Camile Victória
PET História UFS

Graduanda em História pela UFS, ex-bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET História) e estagiária do Tribunal de Justiça no Memorial do Poder Judiciário