Aladdin: Um Oriente místico a ser descoberto?

Matheus Carvalho
PET História UFS
Published in
6 min readMay 4, 2020
Aladdin, 1992. Foto: Reprodução

Aladdin é uma animação produzida pelos estúdios Disney, lançada no ano de 1992. Com direção, roteiro e produção de John Musker e Ron Clements, o filme contou com um orçamento de cerca de 28 milhões de dólares e arrecadou mais de 500 milhões, sucesso que rendeu a história spin-offs e continuações.

A animação faz parte de um conjunto de outras produções de sucesso que reavivaram os estúdios Disney nos anos 1990, a chamada Era do Renascimento, que conta com A pequena Sereia (1989), A Bela e a Fera (1991), o próprio Aladdin (1992), O Rei Leão (1994), Pocahontas (1995), Corcunda de Notre-Dame (1996), Hércules (1997), Mulan (1998) e Tarzan (1999). Em comum, essas animações são baseadas em histórias clássicas, mitos e lendas de todos os cantos do mundo.

Conjunto de animações da chamada Era do Renascimento da Disney. Foto: Reprodução. Fonte: Wikipedia.com.br

A história baseada nos mitos persas e no romance Mil e uma Noites, conta a lenda de um tesouro, localizado na caverna das maravilhas, cuja entrada só seria permitida àquele de coração generoso. O tesouro é uma lâmpada mágica que aprisiona um gênio, o mesmo tendo a atribuição de conceder três desejos ao dono da lâmpada. Atrás do artefato está Jafar, o Vizir do Sultão de Agrabah, o primeiro ministro desse reino fictício, localizado próximo ao rio Jordão. Jasmine, a princesa, deveria se casar com um príncipe, porém, ansiando casar-se por amor, foge do palácio e após ir ao mercado de Agrabah, conhece Aladdin, um jovem que vive de pequenos furtos.

A narrativa a partir de então conta essa dupla trama, que se desenvolve a através da presença de Aladdin, tanto no mundo de Jasmine, que sonha com uma vida livre, que possa ser dona de suas escolhas, como no plano do vilão Jafar.

Edward W. Said (1935–2003). Foto: Reprodução. Fonte: edwardsaid.org

Edward Said (1935–2003) foi um intelectual palestino, radicado nos Estados Unidos foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento dos estudos, chamados decoloniais, cuja principal meta é decodificar e recriar — a partir de uma outra visão — o pensamento colonial, presente nas estruturas formais e sociais das civilizações que em maior ou menor nível, passaram pelas mãos dos países europeus, foram construídos a partir da exploração e do genocídio de suas populações originárias. Entre seus escritos mais famosos, estão Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente (1978), traduzido para mais de 30 idiomas e Cultura e Imperialismo (1993).

Em Orientalismo (1978), Said busca demonstrar como a categoria Oriente se refere muito mais a um ser cultural, não determinado geograficamente, entre leste e oeste do globo, mas por um conjunto de normas e valores tidos como “Ocidentais” que não estão presentes em outras culturas e são herança de uma tradição greco-romana. Esse todo resto, é o que Said busca caracterizar como Oriente, e no caso específico da cultura Árabe, como esse mundo oriental é na verdade uma projeção ocidental sobre um desconhecido. À cultura europeia branca e “civilizada” uma tradição milenar, ao desconhecido, uma terra mística, cujas religiões não passam de mitos e as tradições são bárbaras e grotescas.

É com Cultura e Imperialismo (1993), que Said analisa através da literatura como se constituem as relações imperialistas. O autor demonstra através da literatura do final do século XIX, como o colonialismo estava presente não só no plano geopolítico das relações entre as “grandes” nações europeias, mas também na cabeça dos indivíduos. Para ele, a cultura é o único meio capaz de sustentar e justificar o imperialismo, mais que a violência constante, está nas ideias o poder de fazer-te acreditar na bondade e na importância do colonizador.

cenas do filme. Foto: Reprodução.

Se analisarmos Aladdin, a partir do seu contexto de produção, fica evidente que algumas ideias chave defendidas pelo Said estão presentes na animação. Primeiro é o fato de a história começar com um mercador, que tenta vender uma peça capaz de fazer mil coisas, que comicamente se desmonta ao longo da explicação dele. Esse mercador é quem nos apresenta a lâmpada mágica e passa a ser o narrador da história ao tentar segurar o ouvinte em sua barraca. É interessante perceber, que logo nos primeiros minutos, quando Aladdin furta um pão e sai em fuga pelo mercado, diversas cenas ilustram esse Oriente.

Cena em que Jasmine teria a mão decepada por pegar uma maça sem pagar, minuto 18–19. Aladdin, 1992.

O mercado é mostrado enquanto Aladdin foge dos guardas, homens sisudos, corpulentos, com traços árabes exagerados que perseguem o protagonista pelo furto de um alimento. Daí, alguns elementos dessa cultura vão sendo mostrados em segundo plano, cheia de misticismo, violência e barbárie.

Outro ponto passível de análise no contexto apresentado por Aladdin, e que me recorda talvez por coincidência uma obra literária do século XIX, é o fato de que os protagonistas do romance possuem traços árabes “suavizados” e europeizados, assim como a princesa Aouda, de Volta ao mundo em 80 dias, que só integra a história dos protagonistas após enfatizado o fato de que a moça, apesar de nascida na Índia, possuía formação inglesa. Ou seja, tanto na literatura como no cinema, os protagonistas de uma história oriental precisam aparecer “simpáticos” aos olhos ocidentais. Essa necessidade de simpatia, como já exposto, não acontece com os guardas ou com os mercadores, seus traços são exagerados e caricatos e expressam a violência dos costumes e um Estado repressor. Aliado aos traços das personagens que constroem esses atributos, outros estereótipos podem ser observados, como o de um povo altamente sexualizado, com haréns e dançarinas do ventre.

Essas características, expostas nas músicas e nas imagens que ilustram o desenrolar da história produzem um discurso e este, não pode ser outro se não o de oposição aos ideais americanos, de racionalidade, liberdade e civilização.

Em suma, como produção cultural, Aladdin pode ser enquadrado num discurso orientalista e essencialmente americanista, que produz um ano após o fim da Guerra do Golfo (1991), uma animação que apresenta ao mundo o Oriente. Assim como em outras produções culturais, como a literatura, consciente ou inconscientemente, esse discurso deflagra a necessidade de autoafirmação de uma cultura sobre outra, cria e reforça estereótipos e preconceitos a partir de um olhar distorcido e distante, de quem só precisa demarcar um nós e um eles, obviamente dividido em bons e maus.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Flávia Ferreira de Paula. Jasmine: a representação do oriente e da mulher sob a ótica da Disney. 2014. 89 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação — Habilitação em Jornalismo) — Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

ALADDIN. Direção de Ron Clements. [s.i]: Walt Disney Pictures, 1992. (90 min.), son., color.

DE CARVALHO, Matheus Santos Garcia. Para Treinar um Novo Olhar: Edward W. Said e o Imperialismo. REVISTA DA ACADEMIA LAGARTENSE DE LETRAS, [S.l.], v. 1, n. 5, dez. 2019. ISSN 2594–5378. Disponível em: <http://www.allrevista.com.br/index.php/allrevista/article/view/114>. Acesso em: 13 abr. 2020.

SAID, Edward W. Cultura e imperialismo. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

SAID, Edward W. Orientalismo: O oriente como invenção do ocidente. Trad. Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

WIKIPEDIA. Aladdin (filme de 1992). Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Aladdin_(filme_de_1992). Acesso em: 13 abr. 2020.

WIKIPEDIA. Renascimento da Disney. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Renascimento_da_Disney. Acesso em: 13 abr. 2020.

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