As diversas relações da memória coletiva

Resenha do livro “A memória Coletiva” de Maurice Halbwachs

João Vitor Braga
PET História UFS
6 min readJul 27, 2020

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Via: freepik.com/

A Memória Coletiva é uma obra póstuma de Maurice Halbwachs (1877–1945), publicada pela primeira vez na França, em 1950. O autor, sociólogo e filósofo, escreveu produções que contribuíram para outras áreas, como a História e a Psicologia. Sempre foi influenciado por Émile Durkheim, pois também acreditava que para estudar o indivíduo e seus comportamentos particulares deveríamos partir da sociedade, ou seja, do coletivo.

Halbwachs nasceu em Rennes, na França e durante sua vida acadêmica foi aluno de Henry Bergson e de Durkheim. Maurice foi professor em diversas universidades, na França, em Caen, Strasburgo e Sorbonne, e nos EUA em Chicago. Ainda foi colaborador da revista L’Année Sociologique e publicou outros livros como: Quadros sociais da memória (1925), As causas do suicídio (1930) e Morfologia social (1938).

O livro de que trata a presente resenha é formado por quatro capítulos: I. Memória individual e memória coletiva (29–71), II, Memória coletiva e memória histórica (71–113), III. A memória coletiva e o tempo (113–157), IV e A memória coletiva e o espaço (157–191).

Capa do livro, 2010. Fonte: amazon.com.br

O tema geral da obra é a memória e suas relações com tempo, espaço, história e a sociedade. A sua tese básica é a de que toda memória é coletiva, até mesmo nossas lembranças mais íntimas, individuais.

Antes dos capítulos de autoria de Halbwachs, Jean Duvignaud prefacia a obra, apresentando uma breve biografia do autor e destacando os principais aspectos do livro.

No primeiro capítulo Memória individual e memória coletiva, o autor apresenta a proposição central do livro, já mencionada, de que nenhuma lembrança pode ser rememorada, apartada da sociedade ou de um grupo ao qual o indivíduo pertence. Na visão do autor, “Nossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos” (HALBWACHS, 2006, p. 30).

Dessa forma, para o autor, qualquer lembrança que tivermos é decorrida dos grupos sociais que nós convivemos durante a vida. Por isso é importante lembrar que somos influenciados pelos meios sociais, rememoramos aquilo que foi vivido de acordo com os grupos dos quais participamos.

Associado a essa tese o autor discorre ainda, no decorrer deste capítulo, sobre o fato de não nos lembrarmos da nossa primeira infância, ou seja, de quando somos bebês. E a principal razão disso é por que: “nossas impressões não ligam a nenhuma base enquanto não nos tornamos um ser social” (HALBWACHS, 2006, p. 43). Ou seja, nós não temos um contato direto com um grupo social na medida em que não sabemos nos comunicar, por isso não lembramos de nada.

Desse modo, podemos dizer que a memória individual permanece ligada intimamente com a memória coletiva. Além disso, Halbwachs também acredita que para ocorrer o processo de rememoração é preciso ter uma base comum entre os pensamentos dos integrantes do grupo. Ou seja, é fundamental que haja uma concordância entre as memórias dos testemunhos para que ela seja relembrada.

O autor também revela que para que a memória se mantenha nas lembranças das pessoas é necessário que essas tenham contato frequente com o grupo social. Pois, o esquecimento de algum período de nossa vida, deve-se por uma perda de contato com aqueles com os quais convivemos em determinada época.

Maurice também faz uma ressalva para os níveis e a duração das nossas lembranças. De modo que explica por que lembramos mais de um acontecimento do que de outro. Ele relata que isso acontece porque o grupo com o qual estávamos envolvidos na época tem uma maior quantidade de pessoas. Dessa forma, é mais difícil que ocorra a perda de contato e assim a memória perdura na mente dos envolvidos.

No segundo capítulo o autor diferencia a memória coletiva da memória histórica. De acordo com ele existe uma separação entre a primeira, que está ligada aos grupos dos quais participamos, ou seja, a memória coletiva; e a segunda, histórica que pode ser classificada como memória social. A primeira é interna, que seriam as nossas lembranças e convivências; já a segunda é externa e está relacionada a coisas que aconteceram, mas que nós não vivemos, ou seja, é uma memória “emprestada”.

Por isso nos atentamos com muito mais vigor às nossas lembranças, pois são aquelas que nós convivemos. E o que é lido, escutado, aprendido, no decorrer do tempo vai se perdendo. Dessa forma nós só podemos nos encaixarmos nessa memória histórica se nos distanciarmos de nós mesmos.

Sendo assim Halbwachs escreve que apesar de a memória externa ser maior e englobar a nossa memória individual, ela representa para nós o passado de maneira resumida, pois tivemos com ela um contato indireto. Já a nossa memória interna é mais duradoura, pois o contato foi direto com nossos grupos sociais.

Sintetizando, o autor caracteriza a memória coletiva como uma história contínua e que, como ele diz, não ultrapassa os limites do grupo. E também mostra que ela é multifacetada, ou seja, existem vários tipos de memórias de diferentes grupos. Já a própria história é totalmente contrária, é descontínua e na maioria das vezes possui apenas uma vertente.

Assim fazendo, Halbwachs revela seu pensamento quanto às diferenças de história e memória.

No terceiro capítulo o autor aborda a relação entre a memória e o tempo, discorrendo sobre a necessidade básica para existir uma rememoração. Conforme ele, é preciso lembrar do contexto em que a memória estava inserida, pois há nele algo que revela o seu caráter único. Sendo assim, a lembrança do acontecimento é mais fácil.

Essa questão também é explanada no prefácio quando o Jean Duvignaud diz: “é impossível conceber o problema da recordação e localização das lembranças quando não se toma como ponto de referência os contextos sociais que servem de baliza a essa reconstrução que chamamos de memória” (HALBWACHS, 2006, p.8).

Além disso o autor ainda discorre neste capítulo sobre a relação da lembrança com o tempo atual, considerando que elas são rememoradas de acordo com as necessidades atuais. Ou seja, lembramos somente do que necessitamos.

No quarto e último capítulo da obra, Maurice Halbwachs trata da relação entre memória coletiva e o espaço. Segundo ele o espaço em que convivemos diz muito sobre a nossa memória. Pois a forma como é organizado e suas concepções, são encontradas no local em que um grupo habita.

Dessa forma todo o espaço só faz sentido para o grupo a que pertence, pois cada grupo tem maneiras diferentes de pensar, de agir e isso também se reflete no lugar em que vivem.

Por isso, às vezes, determinados objetos e lugares provocam diferentes lembranças de acordo com cada indivíduo pois, dependendo do grupo que ele conviveu, aquele espaço pode significar uma coisa, já para outro não.

No decorrer da obra, Halbwachs trata da memória, relacionando-a com alguns campos: espaço, grupos sociais, história, indivíduos e tempo, ressaltando a importância dessas relações para um bom entendimento da mesma.

Em síntese, Halbwachs argumenta pelo caráter sociogênico da memória.

Memória coletiva, pela sua temática e abordagem é um marco nos estudos sobre o tema. É notável o esforço do autor no sentido de trazer a memória para o campo da sociologia. Por outro lado a obra também se destaca pelas distinções dos diferentes tipos de memória.

Por fim vale destacar que a obra apresenta alto grau de complexidade, principalmente devido a similaridade entre os conceitos de memória, relacionados as vezes a vocábulos que nos remetem a compreensões do senso comum, como coletivo e individual, de maneira que contribui de certa forma para o conflito de pensamentos em alguns momentos. Isso exigiu uma atenção e dedicação redobrada na leitura.

Referências bibliográficas:

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Centauro editora. São Paulo, 2006.

SILVA, F. G. da. A memória coletiva. Aedos. Porto Alegre, v. 8, n. 18, p. 247–253, Ago. 2016.

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João Vitor Braga
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Acreano, 22. Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe.