Diários de Motocicleta
Retratos da América Latina
O filme Diários de Motocicleta foi lançado em 2004, dirigido pelo cineasta, banqueiro e empresário Walter Salles também conhecido pelo filme Central do Brasil (1998), que concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e de Melhor Atriz para Fernanda Montenegro. Ambas as obras são do mesmo gênero fílmico, o Road Movie, que por sinal é a especialidade deste diretor. Nos filmes desse estilo, os protagonistas se propõem a viajar, saindo então da sua rotina e com o decorrer da viagem vão passando por transformações em seu modo de enxergar o mundo que os cerca.
A película é uma coprodução entre Argentina, Brasil, Peru e EUA; e foi vitoriosa em algumas premiações do cinema mundial. No Oscar, foi indicado para a categoria de Melhor Roteiro Adaptado e levou a estatueta no quesito de Melhor Canção com a música Al Otro Lado del Río, de Jorge Drexler.
O enredo do filme retrata uma história real sobre dois jovens argentinos que em 1952 percorrem a América do Sul em cima de uma velha moto Norton 500, denominada de La Poderosa. Os protagonistas da aventura são: o Ernesto Guevara de La Serna (1928–1967), o famoso Che Guevara (interpretado por Gael Garcia Bernal) que no período em que se passa a película era apenas um estudante de medicina; e o seu amigo e companheiro de viagem, o bioquímico Alberto Granado Jiménez (1922–2011), representado por Rodrigo de La Serna, primo em segundo grau do Che. O longa-metragem é baseado nos próprios relatos do diário de Guevara, contidos no livro De Moto pela América do Sul (1993), escrito por ele durante a jornada.
Para visualizarmos o contexto histórico do período em que se passa o filme, é necessário entender a relação entre a América Latina e os Estados Unidos da América. O período da Política da Boa Vizinhança (1933–1945), em que se tinha por objetivo garantir a lealdade dos países latino-americanos diante da concorrência europeia, tornando-os as principais fontes de matérias-primas e grandes consumidores das mercadorias produzidas nos EUA. Com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939–1945), os investimentos norte americanos se voltaram principalmente para a Europa, mas com o avanço da Guerra Fria (1945–1991), a grande preocupação dos estadunidenses é com os possíveis avanços da influência soviética. Logo, o anticomunismo se tornara presente em todos os governos da América Latina que queriam contar com o apoio norte-americano.
No que se refere à relevância da película para sua utilização como dispositivo pedagógico nas aulas de História para a formação de alunos do ensino básico, o filme é um prato cheio por abordar aspectos importantes da cultura latino-americana, repleta de traços indígenas. Outro ponto importante é a situação de pobreza a qual se encontrava e se encontra boa parte da população da região. Camponeses sendo expulsos de suas terras, imigrantes se submetendo a péssimas condições de trabalho para sobreviver, são só alguns dos exemplos de situações que aparecem durante a viagem. Além disso, a película pode proporcionar uma análise interdisciplinar com a Geografia, a partir de sua excelente fotografia, que nos permite observar o relevo, clima, vegetação e paisagens presentes por toda a extensão do continente que o filme retrata.
Entre todos esses aspectos que podem gerar discussão e construção do conhecimento histórico, não podemos esquecer que o filme aborda uma das figuras mais importantes do século XX, o Che Guevara, que posteriormente participaria ativamente do grupo liderado por Fidel Castro, responsável pela Revolução Cubana, concluída em 1959 após a retirada do poder do ditador Fulgêncio Batista. Depois disso, partiu de Cuba em busca de implantar, sem sucesso, novas revoluções seguindo o mesmo modelo cubano, no Congo e posteriormente na Bolívia, onde foi capturado e morto por tropas bolivianas. Che se tornou um dos principais pensadores do marxismo latino americano ao lado de José Carlos Mariátegui (1894–1930), ambos adeptos a um marxismo heterodoxo, moldado a partir da realidade da América Latina. A viagem é vista, por muitos dos seus biógrafos, como um momento importante para a formação desse revolucionário.
Dono de uma história bastante controversa e fonte de discussões inesgotáveis entre esquerda e direita, o personagem histórico Che Guevara tornou-se conhecido no mundo inteiro, principalmente pela fotografia tirada pelo retratista cubano Alberto Korda, que ironicamente se tornou um item de consumo capitalista, presente em diversas estampas de camisas e acessórios utilizados por pessoas que nem sequer conhecem a história de tal indivíduo.
Por fim, Diários de Motocicleta é uma ótima opção para quem procura, além de explorar o nosso complexo e fascinante continente, conhecer um pouco mais sobre um dos personagens mais importantes e intrigantes da nossa história.
Referências
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