Exílio e privação de liberdade

Brenda Figueiroa
PET História UFS
Published in
3 min readMar 23, 2020
Ferreira Gullar (1930–2016). Foto: Reprodução. Fonte: Google

Nascido em 1930 em São Luís no Maranhão, José Ribamar Ferreira, foi escritor, poeta e um dos fundadores do neoconcretismo junto à artista plástica mineira Lygia Clark. O neoconcretismo surge no final da década de 50 no Rio de Janeiro (Grupo Frente), como forma de oposição ao Movimento Concretista de São Paulo (Grupo Ruptura). O grupo Frente criticava a forma artística racionalista e objetiva do grupo Ruptura, queriam propor uma arte mais libertária, abstrata, que tivesse uma interação maior com o público. E esse movimento neoconcretista vai influenciar nas escritas de Ferreira Gullar (pseudônimo que ele mesmo inventou).

Durante a ditatura civil-militar no Brasil, Gullar se exilou na Argentina assim como muitos outros artistas que tiveram que deixar seu país devido a censura intensificada com o AI5 (Ato Institucional). Exilado em 1975 escreveu sua mais conhecida obra “Poema Sujo”, como forma de dar seu testemunho final antes que o calassem. O poema chegou contrabandeado ao Brasil com a ajuda de Vinícius de Moraes que promoveu diversas sessões para que o poema, gravado em fita cassete, circulasse entre intelectuais e jornalistas. Publicado um ano mais tarde (1976), a obra tornou-se um poema ícone do período da repressão militar ao expressar o mal-estar de quem está privado de liberdade.

“Não sei de que tecido é feita minha carne e essa vertigem

que me arrasta por avenidas e vaginas entre cheiros de gás

e mijo a me consumir como um facho-corpo sem chama,

ou dentro de um ônibus

ou no bojo de um Boieng 707 acima do Atlântico

acima do arco-íris

perfeitamente fora

do rigor cronológico

sonhando…” (GULLAR, Ferreira. 1980. p. 4)

Além do Poema Sujo, Ferreira Gullar escreveu outras obras que também retratavam questões sociais e desigualdades que vale a pena dar uma lida. Uma delas é Poemas Escolhidos que figurou na lista de livros censurados do dia 6 de fevereiro de 2020 no estado de Rondônia e uma outra obra é Dentro da noite veloz, a qual se encontra o poema Agosto de 1964 que aborda as angústias de alguém privado de sua liberdade e vivenciando um regime autoritário.

“Entre lojas de flores e de sapatos, bares,
mercados, butiques,
viajo
num ônibus Estrada de Ferro-Leblon.
Volto do trabalho, a noite em meio,
fatigado de mentiras.

O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógio de lilases, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
que a vida
eu compro à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito policial-militar.

Digo adeus à ilusão
mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do horror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato
um poema
uma bandeira.”
(GULLAR, Ferreira. 1975. p.39)

Referências Bibliográficas

GULLAR, Ferreira. Poema sujo. São Paulo: Círculo do Livro, 1980.

GULLAR, Ferreira. Agosto de 1964. In: Dentro da noite veloz. São Paulo: Companhia das Letras, 1975.

FOLHAPRESS. Folha de São Paulo, 2020. Página inicial. Disponível em: <https://www.google.com/amp/s/www1.folha.uol.com.br/amp/educacao/2020/02/governo-de-ro-manda-recolher-macunaima-e-mais-42-livros-e-depois-recua.shtml > Acesso em: 21 de março de 2020.

--

--