Hotel Ruanda: África em Perspectiva no Pós-Colonialismo

Ludmila Guerra
PET História UFS
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4 min readJun 30, 2019
Cartaz “Hotel Ruanda” (2005). Foto: Reprodução. Fonte: http://filmes.film-cine.com/hotel-ruanda-m167

Do diretor Terry George, Hotel Ruanda é um filme de gênero drama, baseado em fatos reais, que aborda o genocídio em Ruanda nos anos 90 como consequência de um processo colonial ocorrido na África. Chamada também de “Corrida da África” tal reinvindicação exploratória teve como ponto crucial a divisão do território africano entre países da Europa durante o neoimperialismo, entre 1880 e 1914.

Lançado em 2004, é uma produção realizada por vários países como Reino Unido, África do Sul, Itália e EUA; após sua estreia mundial, em 2005, o mesmo concorreu ao Oscar na categoria de melhor ator com Don Cheadle que interpreta o personagem principal, Paul Rusesabagina. Também temos a interpretação de outros atores no papel de personagens coadjuvantes tão importantes quanto para o desenvolvimento essencialmente dramático do longa, tais quais Sophie Okonedo (Tatiana Rusesabagina), Nick Nolte (Coronel Oliver) e Joaquin Phoenix (Jack Daglish).

O enredo do filme é construído, em grande maioria, nas imediações do Hotel des Milles Collines de franquia belga administrado por Paul Rusesabagina, gerente ruandês que sempre preza pelo bem-estar de seus hóspedes, como também pela manutenção do alto nível que vê-se necessário ao hotel de luxo. Destoando desse cenário, desde o início do longa, é possível perceber que existe um conflito étnico-racial acontecendo em Ruanda em 1994, esse que tem como origem na segregação entre os grupos hutus e tutsis intensificada no período de colonização do país pela Bélgica até a independência da República de Ruanda em 1962.

Demarcação de Ruanda no mapa político da África. Foto: Reprodução. Fonte: https://pt.maps-rwanda.com/ruanda,-%C3%A1frica-do-mapa

Historicamente, os embates entre Hutus (85% da população) e Tutsis (15% da população) já ocorriam no país desde o século XV por conta da disputa territorial após a chegada da minoria estrangeira tutsi que, até então, ainda não habitava a região e fora incessantemente perseguida. Durante a colonização, os Tutsis foram escolhidos como subordinados diretos da Bélgica, governando o país juntamente com os colonizadores, o que constituiu na marginalização da maior parte da população, os Hutus. Para promover uma segregação inevitável e, assim, manter o poder colonial, os belgas utilizaram-se de teses eugenistas e classificaram racialmente esses dois grupos, atribuindo aos Tutsis características como pele mais clara, narizes mais finos e até mesmo, mais inteligência, em detrimento dos Hutus. A divisão foi categórica e perdurou mesmo com a retirada da Bélgica após a independência e a descolonização de Ruanda, período em que a população toma o poder e instaura um governo Hutu.

Em Hotel Ruanda, o personagem Paul Rusesabagina, que é hutu, apesar da segregação racial no país, é casado com Tatiana, uma tutsi — ambos existentes na real história do genocídio de Ruanda. Os grupos tiveram um período de convivência relativamente pacífica, até que a crise econômica se intensifica devido à queda da importação do café, principal fonte de renda do país e a partir desse momento, Hutus passam a se organizar criando a Inteharamwe (milícia radical Hutu) e a utilizar-se da grande mídia, a exemplo da RTML (Radio Télévision Libre de Mille Collines) para convencer a população que os Tutsis seriam os principais culpados das mazelas que assolavam Ruanda. Com a morte do presidente Hutu Juvenal Habyarimana que tem seu avião derrubado, novamente aos Tutsis é atribuído o ato e assim, a RTML divulga a perseguição total às “baratas”, provocando estopim do conflito que ficou conhecido como um dos mais sangrentos da história do país, com a estimativa de 800 mil ruandeses mortos, sendo 90% desses, Tutsis.

É possível perceber uma transição de cenários no longa, pois inicialmente há uma ambientação coesa entre estrangeiros e ruandeses no Hotel des Milles Collines, um dos mais renomados em Kigali, capital de Ruanda. Porém, com a disseminação do conflito, o mesmo local torna-se irreconhecível ao ser convertido em um refúgio de tutsis. Nesse momento, é abordado ainda, o resgate, por forças militares belgas, de todos os hóspedes europeus que ali estavam, deixando os ruandeses à própria sorte. Sem apoio militar externo, o conflito apenas tem seu fim quando a Frente Patriótica Ruandesa, milícia formada por Tutsis exilados, volta ao país derrotando a Inteharamwe.

Em todo o clímax, é perceptível a crítica que se debruça sobre o comportamento da comunidade internacional diante de conflitos ocorridos em países fundamentalmente negros, ou seja, que não estão situados na rota de comoção ocidental. Assim como a França que foi acusada de financiar o conflito fornecendo armas aos Hutus, a ONU, ao final do genocídio em Ruanda, é duramente criticada por não intervir de forma direta a fim de evitar que em torno de 13% da população ruandesa fosse dizimada em 1994.

Devido à vastidão do continente africano, sempre coexistiram nele diversos grupos étnicos com suas culturas e dialetos próprios, como também suas desavenças. Com a exploração da África, países europeus, além de desconsiderar as diferenças étnicas, culturais e territoriais, utilizaram-se desses conflitos internos como um auxílio na fragilização e dominação desses povos fragmentados. Os resquícios desse período colonial são explicitados em Hotel Ruanda que não economiza nas cenas comoventes, deixando o telespectador atento às críticas e às problemáticas socioeconômicas do continente em questão, bem como seu contexto histórico.

É um filme significativo e muito recomendado para ser trabalhado em sala de aula, abordando assuntos como o neocolonialismo, a Partilha da África e a descolonização europeia.

Referências:

Hotel Ruanda. Terry George. Reino Unido: MGM, 2004. (121 min)

Rotten Tomatoes. Hotel Rwanda. Disponível em: <https://www.rottentomatoes.com/m/hotel_rwanda>. Acesso em 13 de março de 2019.

Wikipédia. Partilha da África. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Partilha_de_%C3%81frica>. Acesso em: 13 de março de 2019.

BBC. Entenda o Genocídio de Ruanda de 1994. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/04/140407_ruanda_genocidio_ms>. Acesso em 13 de março de 2019.

Geledés. O Filme Hotel Ruanda. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/o-filme-hotel-ruanda/>. Acesso em 13 de março de 2019.

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Ludmila Guerra
PET História UFS

Uma maranhense sergipana, 22. Graduanda em História na Universidade Federal de Sergipe, flertando com a Geografia.