MUROS E GRADES

Everton dos Santos
PET História UFS
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5 min readOct 3, 2018
Foto: Léo Ramos Chaves

A música Muros e Grades, composta por Humberto Gessinger e Augusto Licks, faz parte do CD Várias Variáveis, lançado em 1991 pela banda gaúcha Engenheiros do Hawaii. A canção versa acerca das contradições do modo de vida nas grandes cidades, abordando questões como a violência, a cultura do medo e como isso nos afeta enquanto sociedade. A partir das reflexões trazidas pela música e com base no livro de Régis de Morais, intitulado O que é Violência Urbana (1995), buscaremos falar brevemente sobre o tema em questão.

“Nas grandes cidades de um país tão violento” (GESSINGER, LICKS, 1991).

Não é novidade alguma que o país em que vivemos é violento, os números comprovam e são alarmantes. Segundo o Atlas da Violência 2018, somente em 2016 foram 62.517 as vítimas de homicídio no Brasil, número recorde na nossa história, sendo 3 em cada 4 são resultantes de arma de fogo.

Fonte: O Globo

Outros dados demonstram que os homens jovens, principalmente negros são as maiores vítimas dessa dura realidade.

Fonte: O Globo
Fonte: Folha UOL

A taxa de homicídios no país atingiu a incrível marca de 30,3 a cada 100 mil habitantes, uma das maiores do mundo, sendo 30 vezes maior que a média europeia. Somente a título de comparação, a quantidade de mortos no Brasil se equipara ao de países em guerra.

Fonte: Folha UOL

O número de estupros registrados nas unidades de saúde quase alcança 23 mil ocorrências. Vale ressaltar a grande subnotificação que estes números possuem. Só para se ter uma ideia, neste mesmo ano, 49.497 casos foram levados a polícia brasileira, mais que o dobro. É evidente que em ambos os casos, os números não dão conta de demonstrar a real dimensão da quantidade de vezes que esse tipo de agressão acontece.

Fonte: Folha UOL

“O medo nos leva a tudo, sobretudo a fantasia” (GESSINGER, LICKS, 1991).

Por essas e outras, a população brasileira que reside nas grandes cidades vive sob constante ameaça da violência. Em geral, causada pela desigualdade social e falta de políticas públicas eficazes. O medo está instalado, fazendo parte do dia a dia dos cidadãos e sendo diariamente alimentado pelos meios de comunicação que ocupam boa parte de sua programação — a demonstrar como os atos de violência acontecem a cada dia sem nenhum motivo aceitável, além de sustentarem a criação de estereótipos de criminosos na população periférica. De certa forma induzindo as pessoas a evitarem cada vez mais saírem de suas casas, a visitarem locais considerados perigosos, assim como criticarem a eficiência policial ao lidar com tais situações e a decidirem adotar medidas desesperadas como a de buscar armas para autoproteção, mesmo que essa prática não traga nenhuma eficiência comprovada.

“Nas grandes cidades de um país tão irreal” (GESSINGER, LICKS, 1991).

Vale ressaltar que entre as diferentes formas de violência que nós estamos submetidos cotidianamente, nem todas são criminosas e hostis. Existem algumas ocasiões em que ela aparece de maneiras não passíveis de punição, juridicamente falando, mas que alimentam ainda mais a nossa sensação de insegurança. Em um país com todos esses problemas socioeconômicos, vivenciamos a falta de estabilidade nos empregos, os juros exorbitantes cobrados pelos bancos, o transporte público caro e de péssima qualidade, tudo isso fruto de políticas públicas favoráveis aos grandes empresários. Ou seja, a violência “legalizada” pelo estado também causa danos à qualidade de vida dos cidadãos.

“A violência travestida faz seu trottoir” (GESSINGER, LICKS, 1991).

Esse trecho faz uma alusão a uma música lançada anteriormente pela banda, no CD O Papa é Pop, na qual reflete sobre como a violência sutil, porém eficaz, está em todos os lugares da sociedade, fazendo parte da sua base e estando presente nas coisas mais simples, como em propagandas, padrões de comportamento e ideologias propagadas pela mídia, inclusive dentro de nossas próprias casas, entre outras inúmeras coisas a que estamos submetidos e nem nos damos conta.

“Então erguemos muros que nos dão a garantia de que morreremos cheios de uma vida tão vazia” (GESSINGER, LICKS, 1991).

O fato é que nas grandes cidades o medo faz parte do cotidiano dos cidadãos, e o grande perigo é o poder de inibição que este sentimento nos causa. Acabamos por aceitar situações que deveríamos contestar. Esse medo também gera um desaquecimento das relações humanas; temos cada vez mais dificuldade em expandir nossos laços de amizade, evitamos conversar com as pessoas na rua, justamente por receio do que o outro pode nos causar. Nos enclausuramos cada vez mais, tornando-nos reféns de nós mesmos, por isso construímos muros e grades que não somente protegem nossas casas, mas que também nos afastam do convívio social.

Referências Bibliográficas

ACAYABA, Cíntia. POLATO, Amanda. Brasil chega à taxa de 30 assassinatos por 100 mil habitantes em 2016, 30 vezes a da Europa, diz Atlas da Violência. 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/brasil-chega-a-taxa-de-30-assassinatos-por-100-mil-habitantes-em-2016-30-vezes-a-da-europa-diz-atlas-da-violencia.ghtml> Último acesso em: 20/08/2018.

CERQUEIRA, Daniel. Atlas da Violência 2018. Instituto de Pesquisa e Econômica Aplicada. 2018. Diponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=33410>. Último acesso em: 21/08/2018.

GESSINGER, Humberto. LICKS, Augusto. Muros e Grades. Disponível em: https://www.letras.mus.br/engenheiros-do-hawaii/45733/. Acesso em: 29/08/2018.

Folha de São Paulo. Total de mortes violentas no Brasil é maior do que o da guerra na Síria. 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/06/total-de-mortes-violentas-no-brasil-e-maior-do-que-o-da-guerra-na-siria.shtml> Último acesso em: 20/08/2018.

MORAIS, Régis de. O que é violência urbana. 2° ed. São Paulo. Brasilienses. 1985.

SALGADO, Daniel. Atlas da Violência 2018: Brasil tem taxa de homicídio 30 vezes maior do que Europa. 2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/atlas-da-violencia-2018-brasil-tem-taxa-de-homicidio-30-vezes-maior-do-que-europa-22747176> Último acesso em: 20/08/2018.

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Everton dos Santos
PET História UFS

Aracajuano. 23 anos. Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe.