Perspectivas de uma Guerra: Engenheiros do Hawaii e a Guerra do Vietnã

Camile Victória
PET História UFS
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5 min readJun 15, 2020

Nascido nos anos 80 para tocar em apenas um festival da faculdade de arquitetura e predispostos a serem feitos para durar, o grupo musical Engenheiros do Hawaii se perpetuou dali a longos anos. Formada incialmente por quatro estudantes de arquitetura, o nome da banda surgiu de forma irônica como provocativo aos colegas da engenharia, cujo quais, mantinham uma certa “rixa”. Unindo o rock, o MPB e o pop, a banda produziu inúmeros álbuns com musicas que perpassam sempre pelo criticismo da MPB, a inovação do pop e o atrevimento do rock and roll.

Em 1990, inserida no álbum O Papa é Pop, a canção “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones” emplaca grande sucesso. A música é uma regravação da versão do grupo “Os incríveis”, que tem por compositor original o Italiano Gianni Morandi (1944). Trazendo à tona na forma de crítica o envio de jovens para lutarem na Guerra do Vietnã, as entrelinhas da canção refletem as consequências, bem como, as inconsequências que a guerra trouxe para esses jovens.

Capa do álbum, 1990. Foto: Reprodução. Fonte: amazon.com.br

Especificamente, a música conta a história de um jovem guitarrista que foi mandado ao Vietnã por meio do recrutamento militar obrigatório. A primeira estrofe da canção aproxima o ouvinte do protagonista da música, quando através de um senso de realidade afirma “era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones”. É no permeio do seu cotidiano e da liberdade que achava deter que ele recebe uma carta sem esperar, “fora chamado na América”.

Sem opção de escolha, da sua guitarra ele foi separado, agora usa um instrumento que sempre soa a mesma nota “Rá, tá, tá, tá”. Precisou dar um stop no som dos Beatles e dos Rolling Stones para ouvir o som dos tiros e do caos. O jovem guitarrista perdeu o futuro como músico, pois foi obrigado a lutar por uma guerra que não o pertence. Após algumas estrofes de profundas reflexões e denúncias que perpassam por contrapor a falta de liberdade que as pessoas realmente possuem em um país que a mesma liberdade é a força motriz de propagandas políticas, a realidade desse jovem não se torna destoante da realidade de muitos outros que também foram fazer a Guerra no Vietnã, acabaram mortos. O simbolismo do descaso da guerra torna-se evidente quando a canção relata que em seu peito um coração não há, só restaram duas medalhas de “honra ao mérito”.

Nesse ínterim, a música torna-se reflexo da expressão de descontentamento dos jovens com a Guerra, pôde-se fazer da arte um objeto para conscientizar e questionar. Trazendo os aspectos brutais da guerra, a canção foi capaz de inaugurar pensamentos profundos em uma população que antes era à parte de problemas sociais como esse.

Combatentes da Guerra. Foto: Reprodução. Fonte :conhecimentocientifico.r7.com

É no ano de 1956 que os Estados Unidos começam a interferir no conflito entre o Vietnã do Norte e o Vietnã do Sul. Militarmente, passou a prestar assessoria ao sul, oferecendo treinamento e recruta militar aos opositores do regime socialista do Norte, objetivando assim, a hegemonia capitalista em todo o espaço global.

Com o passar do tempo o número de jovens americanos enviados para lutarem no Vietnã se tornou exorbitante. Inexperientes, eram arrancados do bojo da sua família pelo alistamento militar obrigatório, milhares de jovens tinham que lutar por uma causa que nem conheciam e mandados para um país que nem sabiam onde ficava. Por volta de 1966 já havia cerca 265 mil soldados americanos na guerra, um ano depois esse número subiu para 1 500 000.

Ademais, a televisão levava aos americanos, imagens de compulsivos ataques de bombas aéreas aos vilarejos vietnamitas. A cena de crianças cobertas de napalm, de mulheres e idosos mortos chocou o mundo. Entre 1965 e 1973 cerca de oito milhões de toneladas de bombas já haviam sido lançadas pelo Vietnã do Sul. Corriqueiramente, aviões levavam de volta dentro de sacos plásticos os corpos mortos dos jovens americanos recrutados para guerra, os que retornavam vivos encontravam-se psicologicamente afetados e muitas vezes, mutilados.

Criança atingida por napalm, 1972. Foto: Reprodução. Fonte: veja.abril.com.br

Em consonância com os fatos citados, uma nova juventude proclamava sua indignação contra as guerras com os seus emblemas “paz e amor”. Viviam um estilo de vida alternativo e faziam parte do movimento da contracultura, onde contestavam o moralizador estilo de vida americano. Em um país que prega a liberdade, por que eram duramente reprimidos quando manifestavam sua indignação pelo fator violência que o país estava inserido e tanto enaltecia? Onde estava a liberdade de escolha de milhares de jovens que foram obrigados a lutarem no Vietnã?

Protesto contra a Guerra. Foto: Reprodução. Fonte: pinterest.com

Esse novo estilo de mobilização e contestação social se manifestava através de novas formas de pensar e se relacionar com o mundo, para isso, transmitiam seus valores em forma de poesia, no modo de se vestir, por meio de protestos e principalmente em canções. Nas letras das músicas que bradou multidões de vozes, denunciavam atrocidades e buscavam na arte a força do questionamento. Sob essa perspectiva, a música que ficou conhecida no Brasil pela banda Engenheiros do Hawaii tem o objetivo de clarificar os conseguintes da guerra, tendo o poder de propagar informações e firmar a autenticidade de uma juventude crítica e atuante.

Referências:

CARREIRA, Felipe. Grupo de estudo americanista Cipriano Barata. 2016. Disponível em: <http://geaciprianobarata.blogspot.com/2015/04/analise-da-musica-era-um-garoto-que_4.html>. Acesso em: 19 de maio 2020.

Em Sintonia com Humberto Gessinger. UFRGS TV. 2012. (27min 45s). Disponível em: https://youtu.be/43JvgkeSQPM. Acesso em: 18 de maio 2020.

GESSINGER, Humberto. Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones. Disponível em <https://www.letras.mus.br/engenheiros-do-hawaii/12886/> Acesso em: 29 de maio 2020.

HILLS, Ken. A Guerra do Vietnã. São Paulo: Editora Ática, 2006.

PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O que é contracultura. São Paulo: Nova Cultura: Brasiliense, 1986.

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Camile Victória
PET História UFS

Graduanda em História pela UFS, ex-bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET História) e estagiária do Tribunal de Justiça no Memorial do Poder Judiciário