Zootopia:

As animações e o debate acerca das causas sociais.

Maria Beatriz
PET História UFS
6 min readJun 22, 2020

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Figura 1 Foto: Reprodução. Fonte: http://www.livrosechocolate.com.br/2016/06/na-telinha-zootopia.html

Vencedor do Oscar de Melhor Filme Animação em 2017, Zootopia é uma animação produzida pela Walt Disney Animation Studios, dirigido por Byron Howard e Rich Moore. Sendo eleito um dos dez melhores filmes americanos do ano de 2016 pelo American Film Institute foi aclamado pelo público geral pela critica social incutida no filme. A produção destinada a espectadores infantis e adultos apresenta uma narrativa na qual os personagens e suas condições psicológicas, físicas e sociais são exploradas durante a trama de forma cômica e aventureira.

“Zootopia- Essa cidade é o bicho” trata-se de uma “cidade dos sonhos”, pois é composta pela junção entre os animais que outrora foram separados pela condição de predador e presa, e passaram, portanto, a viver em harmonia e igualdade após um longo processo civilizatório. A representação dos animais e a simbologia presente em toda trama desencadeia as mais variadas interpretações do imaginário e do real presentes no filme, no entanto, o desfecho é singular e caminha para uma mensagem objetiva.

A partir dos enfrentamentos da protagonista Judy Hoppes, uma coelha que almeja se tornar policial é possível analisar as estruturas e as suas respectivas castrações no que diz respeito à liberdade individual, dentro do sistema no qual “diversidade” e a “igualdade” eram o lema, mas em sua essência camufla preconceito, corrupção, crime e desigualdade. O enredo centrado nos desafios da adjuvante, para exercer a tão sonhada profissão de policial, após ter tido que se destacar como a melhor da sua turma, visto que os animais responsáveis pela segurança da cidade eram os de grande porte e com força física inquestionável, portanto, o padrão não alcançava os coelhos, muito menos os do sexo feminino. Sendo os filmes e as animações um produto cultural e um elemento importante para a intensificação do processo educativo, na medida em que promovem debates, reflexões e análises sobre o mundo e as nossas próprias convicções (GOMES e SANTOS, 2007), a animação em questão apresenta com objetividade temas diversos e urgentes na contemporaneidade.

A utilização da sátira para realizar reflexões sobre a sociedade é recorrente nos filmes e animações computadorizadas (GOMES e SANTOS, 2007). E desta forma, a narrativa no filme em questão se constitui. Inicialmente, a atuação dentro dos acontecimentos revela a figuração de comportamentos machistas, a exemplo, a ocasião em que a coelha Judy é subjugada dentro do Departamento de Polícia (majoritariamente composto por animais machos e grandes), de realizar operações de busca e apreensão, com a justificativa de que a mesma não teria condições físicas suficientes, mesmo portando formação idêntica aos demais e ainda tendo-a concluído com desempenho excepcional. Não obstante, foi posta como guarda de trânsito, decisão do Chefe Bogo, que representava o Departamento e suas respectivas operações, era o mais assertivo para a Oficial Hoppes sendo esta “pequena e fofa”, distanciando-se do ideal de “protetores” da cidade, composto por búfalos, leões, lobos, ursos, etc. À vista disso, a discriminação faz com que a protagonista tenha que — novamente- provar sua competência, e somente a partir disto, ser reconhecida, respeitada e incluída. Deste modo, as evidências do que há de mais desigual e injusto começam a incorporar toda a trama.

Por conseguinte, a segunda ocasião de contradição na cidade de Zootopia é a não superação das diferenças que outrora separava os animais em predadores e presas. Após inexplicáveis ataques de mamíferos predadores, a cidade entrou em colapso desencadeando uma onda de incitação ao ódio contra os animais que se encontravam na condição de “predispostos a conduta selvagem”, após o pronunciamento da Oficial Hoppesno qual ela atribuía os novos casos de ataques dos predadores a uma condição biológica e genética, isto é, estava no DNA dos mamíferos predatórios a inclinações a regressão aos hábitos selvagens, procedimento jamais suscetível as presas inofensivas, como os coelhos, por exemplo. No entanto, com muita veracidade, a animação insere a Judy que outrora era alvo do preconceito, como um ser passível de carregar e disseminar o mesmo aos demais, porém, o reconhecimento de que foi preconceituosa faz com que a coelha quebre os padrões comportamentais que permaneciam alimentados por um ciclo contínuo. Vale relembrar que nas fábulas, gênero textual que contém animais com características e comportamentos humanos (antropomórficas), o objetivo central é finalizar histórias com ensinamentos educativos de caráter instrutivo, que esboça semelhanças com a cena citada anteriormente.

Figura 2 Foto: reprodução. Cena do filme

Nesse contexto, o personagem secundário, uma raposa carregada de estigmas, trás outra perspectiva sobre aquela sociedade, evidenciando suas problemáticas no campo psicológico e social, visto que, as raposas em geral carregavam o rótulo de “espertas e traiçoeiras”. Nick Wilde, realiza trapaças corriqueiramente, além de viver de forma clandestina por ser uma raposa, não passível de confiança e, portanto, sendo marginalizado e cada vez mais distante de se tornar incluso nos ideais de “diversidade” e “igualdade” da cidade onde o mantra é: “Em Zootopia, qualquer um pode ser qualquer coisa”. Ou seja, a aparição de Nick evidencia a outra face do sistema: o racismo. A questão se torna evidente nos primeiros minutos do filme, no qual o coadjuvante entra numa sorveteria e tenta comprar um picolé, mas o dono do estabelecimento se recusa a vender e questiona: “Não tem sorveteria de raposa na sua parte da cidade?”, nos deixando a suspeita da existência de um bairro só para raposas, com estabelecimentos só para raposas. E, sendo a animação produzida nos EUA, é quase impensável não retornar ao século XX onde a Segregação Racial entrou em vigor não somente nos Estados Unidos com a criação de leis segregacionistas, mas também na Alemanha Nazista, com o antissemitismo e a África do Sul com o apartheid.

Além da segregação e da marginalização, o personagem apresenta o bullying sofrido na infância por fazer parte da espécie das raposas, e através dos flashbacksas agressões físicas e psicológicas também fizeram parte da construção do Nick Wilde.

Figura 3 Foto: Reprodução. Cena do filme

A interpretação e a compreensão dos códigos contidos nas animações computadorizadas são direcionadas ao público que contém “bagagem” para decodificá-los, mas apesar desse pré-requisito selecionar um público alvo a animação como um todo não é prejudicada. As produções atuais possuem uma proposta inovadora de explorar outras narrativas, diferente dos desenhos passados que se fixavam somente nos contos de fadas. (GOMES e SANTOS, 2007).

Sendo assim, a animação se encerra deixando as suas diversas interpretações e possíveis ensinamentos, no entanto, os diálogos com as questões sociais tornam toda a película estimulante, educativa e indispensável para todos os públicos. Além da estética e da produção impecável do filme. E por fim, é importante perceber a presença das referências à sociedade atual, bem como a crítica direcionada a mesma.

REFERÊNCIAS

MAIS BOLSAS. Origens e características da Fábula. 26 de Dez. de 2019. Disponível em <https://www.maisbolsas.com.br/enem/lingua-portuguesa/origens-e-caracteristicas-da-fabula> acesso em 10 de Jun. de 2020.

GOMES, Luciana Andrade; SANTOS, Laura Torres S dos. O Double Coding na Animação:A Construção do Desenho Animado Contemporâneo para Adultos e Crianças. INOVCOM –Revista Brasileira de Inovação Científica em Comunicação. v. 2, n. 2, p. 74–81, 2007. Disponível em http://portcom.intercom.org.br/revistas/index.php/inovcom/article/view/345 acesso em 06 de Jun. de 2020.

FERNADES, Cláudio. Segregação Racial nos Estados Unidos. Disponível em <https://mundoeducacao.uol.com.br/historia-america/segregacao-racial-nos-estados-unidos.htm> acesso em 10 de jun. de 2020.

ZOOTOPIA: Essa Cidade é o Bicho.Byron Howard e Rich Moore. Estados Unidos da América: Walt Disney Animation Studios., 2016. 108 min, son, color.

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