Black is king: uma odisseia contemporânea da negritude

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4 min readAug 31, 2020

Por Soraia Joffely

“Uma carta de amor a África.” é assim que Beyoncé define The Gift, álbum de sua curadoria e trilha sonora do live action de Rei Leão. Em um compilado de melodias e representatividade, o álbum dava vida a mais uma jornada do pequeno Simba, porém, muitos não esperavam que sua futura releitura em formato cinematográfico poderia dar vida a um jovem que decide realizar uma peregrinação rumo à ascensão de sua própria coroa.

Todos estavam cientes da dublagem feita pela cantora a dar voz à personagem Nala, assim permitindo envolver-se mais e mais nessa história cercada e vivenciada pela cultura africana, em que o negro é o centro de tudo e o seu papel é fundamental para o percurso da narrativa de excelência negra. Dessa forma, Beyoncé aproveitou o gancho para aplicar da maneira mais exemplar e certeira possível o retrato de uma África, de um povo e de uma história, na qual o ser negro é o brilhar e o protagonista.

O restabelecimento de um debate acerca do povo preto, fora do eixo doloroso que durante anos é imposto à comunidade é recebido por todos com um olhar que difere da esfera racista e violenta, e que frisa abertamente uma discussão mais digna a respeito do negro. Black is king é sobre a perspectiva do povo africano e sua diáspora em meio ao afroturismo.

Coberto de metais, diamantes, brilhos e luzes, o filme de 90 minutos reflete e resplandece a beleza negra ao acompanhar a caminhada desse menino negro ao triunfo, onde ele possa a cada passo reconectar-se com sua ancestralidade, suas raízes africana e sua nascente original. Não é o retrato de um mito africano, mas sim a reiteração de uma história vivenciada e que foi retirada do braço do povo pela colonização e pela escravidão.

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Para a coluna do jornal americano The Guardian, a jornalista Candice Frederick comenta: “Ela incorpora imagens da realeza negra como um meio de combater a opressão anti-negra. Black is King tem recebido elogios universais. Por quê? Porque afirma, não divide.” É a reverberação do óbvio e a amostra do que o sistema racista e opressor causou ao “ressignificar” a história do negro, renegando toda a sua cultura e todos os seus direitos.

Entretanto, Black Is King não soa hollywoodiana por ser transmitida pela plataforma Disney+. Na verdade, ela abre e abriu portas para que os artistas negros pudessem disponibilizar sua arte e usá-la na produção. Foi uma obra 100% construída por pretos e pretas, desde as mais de 50 perucas usadas por Beyoncé até cada detalhe de edição. É uma história narrada por negros e sobre os negros que permite visualizar a verdadeira ressignificação da narrativa africana, contada pelos olhos, produzidas pelas mãos e ovacionada pelo público que representa essa obra.

O empoderamento feminino impera durante toda a filmografia da artista, que desde o aclamado documentário Lemonade reforçou a luta do feminismo negro como vertente intersseccional de combate ao racismo e a misoginia. O protagonismo feminino percorre por todo o filme, a partir do momento que uma estrutura matriarcal é defendida e impulsionada como aspecto principal de movimentação da sociedade e ponto crucial para a formação dessa, além da representatividade que ela carrega, sendo primordial para o andamento dos movimentos feministas em prol da igualdade, da libertação e dos direitos das mulheres.

Desde My Power e Brown Skin Girl, a beleza negra é enaltecida e o poder da mulher é ecoado de forma ilustre. A reluzente e espelhável pele negra estava sendo refletida sob uma luz real e a importância de representar os diferentes tons de negros se mostrava essencial no meio de uma comemoração que celebrava uns aos outros.

Ademais, Black is king não significa reparação histórica de um povo violado, mas a exalação de um presente reconstruído, que une uma gama de cultura e compartilha crenças geracionais, é a dominação e poder que o povo possui sobre sua própria história. A potencialização de como os livros podem refletir acerca da cultura e a narrativa do povo negro de maneira que evidencie sua essência e seu extraordinário e importante futuro.

O ato efetivo criado por Beyoncé é um lembrete de que mesmo que vidas negras tenham sido sentenciadas por anos pela mão do homem branco, eurocêntrico e pelo patriarcalismo, sua trajetória, história e importância como povo que luta todos os dias para garantir um espaço na sociedade e que sua identidade e valores passados, presente e futuro jamais serão apagados. “Consciência exclui o que memória inclui”, já disse Lélia Gonzales em Racismo e Sexismo na cultura brasileira.

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