Jovens profissionais e o cenário atual do Jornalismo no Brasil

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6 min readOct 16, 2020

Por Nendra Sued

Foto: Mark Wilson

O que é ser jornalista hoje em dia? Os jornalistas estão sendo valorizados na profissão? E sobre os jovens jornalistas, como é estar em um mercado de trabalho que cada vez exige mais dos profissionais?

Waldick Júnior, de 21 anos, repórter, Malu Dácio, 22 anos, fotojornalista e Ana Luiza Santos, 24 anos, assessora de comunicação, falam sobre as experiências em suas respectivas áreas, a sensação de conseguir o primeiro emprego e as dificuldades de quem desempenha essa profissão de grande importância social.

Exercer o jornalismo nunca foi simples e pacífico, mas atualmente jornalistas se deparam com situações desagradáveis constantemente. Podemos citar como exemplos linchamentos virtuais, fake news, precarização do trabalho e, principalmente, os episódios caracterizados pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo) como assédios morais feitos pelo presidente da República em diversas situações.

Comentários em rede social na postagem do presidente Jair Bolsonaro, falando que gostaria de encher a boca de um repórter com porrada. Fonte: BBC News Brasil

Quem ainda está cursando a graduação pensa em como será quando se formar. O mercado de trabalho não é igualitário e uma das coisas que os profissionais mais escutam é que “Jornalismo não dá dinheiro”, porém a sensação de conseguir o primeiro emprego, mesmo durante a faculdade chega a ser tranquilizante no Brasil. Nosso país bateu recorde de desemprego recentemente, com 13,1% milhões. Entre jovens, essa taxa ultrapassa o dobro, com 27,1% entre adultos de 18 a 24 anos de idade.

Alívio é uma palavra que define bem. O mercado está cheio, muitas pessoas se formando e algumas se submetendo a situações e condições que, muitas vezes, desvalorizam o mercado e seus profissionais”.

(afirma Malu, quando questionada sobra a sensação de conseguir o primeiro emprego).

Multifuncionalidade ou precarização?

Frequentemente, é falado que para ser um bom jornalista é preciso “saber de tudo um pouco”, ter as novas habilidades que acompanham a revolução tecnológica e desempenhar, no mínimo, mais de uma função além da principal.

“Hoje, nós, jornalistas — principalmente os que trabalham nas redações de jornais e portais — lidamos com os salários baixos para a quantidade de trabalho que temos. Vemos muito esse discurso de que jornalista tem que ser multimídia, fazer de tudo um pouco e ao mesmo tempo, e recebemos pouco pra esse monte de função. Isso desvaloriza o profissional. Em muitos locais, o jornalista tem que assumir o papel de designer, social media, e deixa a principal função — jornalista — de lado”, explica Ana Luiza.

Uma pesquisa divulgada em setembro pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) mostrou que a maioria dos profissionais considera regular ou ruim a valorização da empresa em relação aos trabalhos desempenhados e às garantias dos direitos trabalhistas.

Você vai encontrar muita exploração. Cada vez mais nosso trabalho está sendo precarizado. Estamos recebendo menos e trabalhando mais.

(Comenta Waldick, que estuda e trabalha desde o início da faculdade.)

“O fato de eu ser repórter contratado e ainda não ser formado é um indicativo do nosso mercado. A situação dos direitos é tão precária que a maioria dos jornais prefere contratar pessoas que ainda não estão formadas para que eles consigam pagar um valor menor. Então você entra enquanto não é formado e assim que se forma, se não for tão bom, eles mandam embora para poder contratar alguém que ainda não está formado e continuar pagando menos.”, continua ele.

O combate às fake news

Agora mais do que nunca o jornalismo é o “sistema imunológico da sociedade”, como definiu Seema Yasmin, diretora do Stanford Health Communication Initiative. Enquanto o mundo está vivendo uma pandemia e cientistas estão tentando descobrir uma forma de deter o vírus, as notícias falsas só triplicaram e é aí que fica evidente o quão importante é o trabalho do jornalista.

Os profissionais estão constantemente buscando se informar sobre saúde, ciência e, ao mesmo tempo, precisando ser uma “barreira” para as fake news. Ana Luiza já é graduada em Jornalismo e acredita que as fake news não atrapalham apenas a vida do comunicólogo.

“Da democracia em si. As fake news fazem com que as pessoas desacreditem dos veículos e instituições democráticas. Os meios de comunicação são um elemento essencial pra manutenção da nossa democracia. Quando se perde a confiança nesse pilar, que de certa forma intermedia a esfera pública por ser responsável por informar a sociedade, isso gera um desgaste. Creio que um cuidado redobrado na apuração dos fatos seja uma boa forma de combater isso. O jornalismo que combate com fatos e dados é o jornalismo que vai se sobressair frente às fake news.”

“No meio disso tudo nossa missão é tentar organizar essa informação. Saber o que é e o que não é verdade e passar isso para as pessoas” — completa Waldick.

Dia a dia durante a pandemia

É desafiador. E honestamente, dá medo. Estar se expondo ao vírus diariamente, sabendo que alguém quem você ama pode estar em risco. É péssimo para a saúde mental.

(confessa Malu).

Trabalhar em uma área que vai além do ambiente virtual durante uma pandemia se torna um desafio para repórteres, fotojornalistas, assessores e as diversas outras vertentes do Jornalismo e da Comunicação em geral, porém é de extrema importância visto que diariamente é preciso informar os números de infectados, as atualizações sobre as vacinas, o Brasil e o mundo em pandemia, dentre as outras demandas já existentes.

Foto: Christian Hartmann

“O Jornalismo já é uma profissão de risco e acaba se tornando mais ainda. Você precisa conversar com as pessoas, ir para a rua. Você não pode não ter esse contato, essa comunicação. A gente tenta se prevenir como pode, mas não podemos parar porque as pessoas estão sabendo de tudo sobre o corona vírus e a pandemia através do Jornalismo”, lembra o repórter.

Profissionalismo e sensacionalismo

“Vivemos na época do imediatismo, onde a ânsia por ser o primeiro a dar a notícia muitas vezes pode comprometer a qualidade da informação. Notícia boa é notícia bem apurada. Sem contar com a banalização da profissão que enfrentamos. Muita gente acha que pra ser jornalista não é preciso diploma, basta gostar de escrever e ter jeitinho pras câmeras. Ledo engano. Como cobrar profissionalismo e qualidade de alguém que gosta de escrever e fica bem na televisão, mas não tem o estudo, a técnica, a noção de que passar a informação ao público é uma responsabilidade enorme?” — indaga Ana Luiza.

Os três entrevistados alertam sobre a importância de ter ética no trabalho. Constantemente vemos pessoas que apelam para o sensacionalismo e que desrespeitam o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.

Art. 4º, Capítulo II — Da conduta profissional do jornalista (Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.)

“Acredito, também, que a quantidade de programas sensacionalistas que se auto intitulam jornalismo também é um desafio para nós, comunicadores. A popularidade desses programas e apresentadores é tão grande que as pessoas acreditam que quem faz um trabalho sério, ético e de qualidade. Está errado. Hoje vemos coisas absurdas. Espetacularização de tragédias, repórteres que parecem estar num show de humor ao dar notícias (especialmente policiais), o estímulo ao senso comum (“bandido bom é bandido morto”, “direitos humanos para humanos direitos”, “todo político é bandido e não faz nada”). Tudo isso contribui para a banalização da profissão e pro descrédito de profissionais que se dedicam ao bom jornalismo”, finaliza a assessora.

Entrevistados

Waldick Junior

Ana Luiza Santos

Malu Dácio

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Blog do Programa de Educação Tutorial de Comunicação da Universidade Federal do Amazonas.