O Museu da Boneca de Pano

Redação para Mídias Digitais
Pici Cultural
Published in
9 min readJun 2, 2019

Os Fundadores

A história do Museu da Boneca de Pano se confunde com a de seus fundadores, Liduina Rodrigues e Tchauei, e é contando sobre eles que iniciaremos nossa jornada.

Liduina e Tchauei chegaram na comunidade em 1991, na antiga “Base Velha do Pici”. Tchauei aponta pras paredes da casa, mostrando como ele mesmo cavou os alicerces para fazer as primeiras colunas. Mesmo que não tivesse relação com o artesanato, ele diz, a casa precisava ser feita: “nós pegamos um terreno de ocupação, então a gente tinha que correr pra cima”.

Em 1998, criaram a Escola Letra Mágica, que funcionou durante 10 anos. Nesse tempo, fizeram projetos, como o “Curumins pernas de pau”, grupo formado por crianças que faziam o resgate do caminhar sobre pernas de pau. A escola precisou ser fechada em 2008, por complicações de saúde, tanto de Liduina, como de Tchauei.

“Acredito que educação e cultura anda tudo junto, como a museologia social também”

A presença da boneca de pano na vida de Liduina é antiga, que aprendeu a fazê-las com a mãe. Quando era criança, queria brincar de boneca — mas tinha que ser uma “boneca de cabelo”. Como não dava para ter a boneca Suzy, ela passou a fazer as próprias bonecas com pedaços de pau e tecido desfiado. Junto com as amigas, a brincadeira despertava a imaginação e a criatividade. Hoje, lamenta que as crianças estejam perdendo parte disso por causa da tecnologia.

Liduina se mostrou sempre esperançosa durante nossas conversas. Desde sempre envolvida com a cultura e a educação, trabalhou na escolinha, no museu e em tantos outros projetos. Encara como missão preservar e levar adiante o que chama de “esse fazer” e “esse brincar”. Ela diz, durante nossa conversa: “quanto mais gente… criança, a gente passar isso aí.. é um sonho, viu?”.

Liduina e Tchauei

Já Tchauei, artesão nato, acompanha Liduina há muito tempo nessa jornada. Aos 12 anos já costurava bolsas artesanais e as vendia no mercado central. Depois disso descobriu que sabia fazer bolsas de tecido. A mãe avisava sobre lojas que tinham bolsas famosas, e Tchauei ia lá observar, voltava pra casa, “riscava, desenhava e fazia a bolsa”, como ele mesmo diz. Vendia para São Luiz, Teresina, Brasília… umas 6 capitais do Nordeste, conta com orgulho.

Ele, que sempre fez parte da história do Museu da Boneca, encontra-se afastado do trabalho por motivos de saúde. É possível notar em suas palavras que a batalha é travada diariamente, mas ele não parece perder a esperança. Nas palavras dele: “É porque eu também sou muito forte, eu sei que tenho que encarar dessa forma, não posso baixar a cabeça. Eu tenho que continuar”.

Durante todas nossa visitas, Tchauei não deixou de estar presente em nenhum momento e foi se soltando aos poucos. Hora alegre, hora triste, comentava conosco sobre o passado e presente do museu, além de nos explicar prontamente sobre qualquer peça, boneca ou instrumento musical que nossa curiosidade nos obrigava a pegar na mão. Não só isso, ele nos contou que é reconhecido como professor até hoje na comunidade, por conta do trabalho na Escola Letra Mágica, mesmo sem ter diploma da profissão. Aliás, sobre isso, ele lembra que estava presente no primeiro vestibular da Unifor, em 73. Ver toda a trajetória de Tchauei nos deixa claro que força e coragem não são traços que faltem à ele.

Idealização e Construção do Museu

O Museu da Boneca de Pano surgiu de um convite feito à Liduina para a regulamentação de um museu. Ao conhecer a iniciativa, prontamente ela viu que tinha tudo a ver com o trabalho que ambos faziam, e sentiu vontade de trazer esse trabalho de museologia para a comunidade, já que considera que a comunidade é carente de espaços para se trabalhar a cultura.

Foi aí que Liduina teve a ideia de fazer um museu para a boneca de pano, lembrando da sua história de infância junto à mãe, sobre “o fazer” que tanto considera. A divulgação do espaço começou apenas entre amigos, para depois tomar proporções maiores.

No início, quem ensinou Liduina a costurar foi Tchauei. Ele também é o responsável por muitas das obras que vimos no espaço. São quadros, instrumentos musicais, bonecos gigantes, entre outros. Foi ele quem ambientou o museu e teve a ideia de usar material reciclado para montar o local.

“Um museu de periferia, na comunidade, de forma tradicional”

O uso do material reciclado e dos temas apresentados no museu tem a ver com a vontade de Liduina e Tchauei de darem visibilidade às suas raízes e cultura. Como eles dizem: “para o museu ter nossa cara”. No espaço é permitido tocar no material exposto, algo que não é possível em qualquer museu, e detalhe sempre aproveitado pelas crianças que visitavam o local.

Museu da Boneca de pano e a história do brinquedo no Brasil

A boneca de pano é um brinquedo popular muito valorizado pela sua diversidade de cores, tecidos e estilos regionais, que encantam muitos brincantes. Assemelham-se com a anatomia humana, abordando também os detalhes ou as diferenças que poderiam tornar um indivíduo único e uma boneca um brinquedo especial.

Na cultura brasileira, a bonequinha de pano era parte do brincar de uma maneira tão presente que se tornou história. Monteiro Lobato deu vida a uma bonequinha inteligente e brincalhona chamada Emília, que foi a protagonista de muitas aventuras do autor.

Voltando para as décadas de 1940 e 1950 no Brasil, as donas de casa poderiam ser consideradas verdadeiras artesãs com seus trabalhos de corte e recorte, utilizados até para suprir a necessidade do brincar de seus filhos.

Bonecas expostas no museu (foto tirada pela equipe)

No Dicionário do Folclore Brasileiro (1969), Câmara Cascudo menciona: “As bonecas de pano, ‘bruxas’, brinquedos de criança pobre, indústria doméstica precária e tradicional no Brasil são documentos expressivos da arte popular”.

O Museu da Boneca de Pano trouxe a essência do fazer e do brincar dos idealizadores e, nas palavras de Liduina, “já nasceu grande”. As primeiras bonecas foram produzidas por ela e seu companheiro Tchauei, que deu as instruções na costura das roupas e vestidos dos encantadores personagens de pano que eram criados.

A imaginação infantil não se limitava ao submeter tantos papéis teatrais a um único brinquedo, que um dia poderia ser uma dona de casa, no outro a rainha de um castelo, e aos finais de semana uma menina de 10 anos que toma chá com biscoitos imaginários.

E esse fazer e imaginar eram levados para as crianças e visitantes, que poderiam através das oficinas criar seus heróis, vilões, guerreiros, princesas e tantos outros personagens mergulhados nesse universo criativo, fugindo da linha comercial de querer, comprar e consumir para querer, imaginar e produzir.

Acervo

Segundo as contas de Liduina e Tchauei, o museu possui mais de 300 peças no acervo. Entre as bonecas, destacam-se alguns tipos, que apresentaremos na seção abaixo.

Namoradeira

Uma boneca de origem mineira. Não se sabe ao certo a história de como as “namoradeiras” surgiram, mas estamos certos que o humor brasileiro é o primeiro passo para o surgimento de ideias muito criativas. Ela vem retratar uma época onde os casamentos eram arranjados e as moças não tinham liberdade de sair com frequência. Uma moça de família deveria ser prendada e ficar em casa. Com isso, o entretenimento de algumas jovens era simplesmente ficar em suas janelas vendo as pessoas passarem de um lado para o outro.

Algumas eram apelidadas de fofoqueiras que queriam apenas bisbilhotar e ver o que estava acontecendo pelas ruas. Outras eram apelidadas de namoradeiras, garotas que sempre estavam em suas janelas buscando encontrar um jovem que pudesse notá-las.

Abayomi

Bonecas artesanais feitas das sobras dos panos, apenas com nós. O brinquedo surgiu no período da escravidão, quando as escravas que eram trazidas de navio desejavam dar um pouco de doçura à realidade amarga de seus filhos e faziam, com pedaços de suas próprias roupas, as Abayomis nó por nó.

Tilda

A boneca Tilda foi criada pela designer norueguesa Tone Finnanger aos 25 anos, em 1999. No Brasil, essa boneca tem vários estilos e modelos, mas todas elas partiram da original que mede 63 cm, com lindas bochechas rosadas e dois pontinhos que seriam seus olhos. O que há de mais belo na boneca é o fato de não ter boca: a Tilda fala com o coração. E realmente, os artesãos que conhecem a sua história fazem seu coração.

Bonecas de outros Países

O Museu, através de doações de colecionadores, pesquisadores e outros grupos, apresenta um miscigenado acervo com bonecas de diferentes regiões do país e do mundo, trazendo em seus traços e suas vestimentas um pedacinho da cultura de onde elas foram criadas.

Dificuldades Atuais

Já perto do final da entrevista, perguntamos qual a maior dificuldade do museu: a manutenção. Liduina não contava que seria tão difícil quando começou. Pensava apenas no lado pedagógico, lúdico, de salvaguardar a tradição e difundi-la. Foi quando começaram a “caminhar” que perceberam a dificuldade.

“abrir um espaço para o que você for fazer é fácil, mas a manutenção… esse caminhar aí é difícil”

Ainda assim, a comunidade procura ajudar em alguns momentos. Ela nos conta que quando ocorrem eventos, sempre aparece um grupo de rapazes para dar uma força no trabalho.

A recepção do museu pela comunidade foi positiva, em parte também por causa do trabalho anterior, feito na escolinha. Nas palavras de Liduina: “Foi fantástico”. Hoje ela sente falta por não poder proporcionar mais oficinas à comunidade, por conta dos problemas na estrutura do museu. Mesmo assim, sem perder a esperança e a vontade, Liduina termina de nos responder com a mensagem: “Mas já dá certo”.

Quando em funcionamento, o local contava com visitas as segundas, quartas e sextas-feiras, além de agendamentos para os outros dias. Ultimamente, devido aos problemas, o espaço era aberto apenas nas quartas-feiras. Um dado triste que encontramos é que por estar situado em uma comunidade, algumas pessoas interessadas demonstram um pouco de receio após descobrirem que o museu fica dentro do planalto Pici, e acabam desistindo da ideia da visita.

Infelizmente o Museu da Boneca de Pano encontra-se fechado às visitas do público atualmente. Mas Liduina e Tchauei seguem firmes, nos contando que pretendem abrir em breve, por causa da alta procura. Atualmente, quem custeia o museu são os dois, com recursos próprios.

“…você vê que o mote da boneca de pano é encantador”

Liduina e Tchauei consideram que ainda tem muita coisa pra passar e aprender. Quando perguntados sobre se pretendem encerrar o museu e parar de vez, pensam um pouco, mas não demora até que pareçam decididos a continuar. Dizem que há um sentimento “tão forte, que é maior do que a gente”, que pensam que não podem parar.

Para quem deseja conhecer um pouco mais do Museu da Boneca de Pano, deixamos abaixo o endereço e um telefone para contato:

Rua Deputado Joel Marques, 110, Planalto Pici. Cep 60510–511.

(85) 8866–7418

museudabonecadepano@gmail.com

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Perfil da turma da disciplina de Redação para Mídias Digitais 2019.1 do curso de Sistemas e Mídias Digitais da UFC.