ACONSELHE NA PALAVRA

Daniel Ponick Botke
Piedade e devoção
7 min readDec 24, 2022
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“Prega a palavra, insiste a tempo e fora de tempo, aconselha, repreende e exorta com toda paciência e ensino.” 2Tm 4.2 (A21)

O ministério da Palavra não se resume à pregação do evangelho no culto público. Este certamente é um ponto alto da assembleia dos santos e de nossas semanas, mas o serviço pastoral não se finda ali. Paulo exorta a Timóteo, no mesmo versículo acima, tanto a pregar a palavra como também a aconselhar, repreender e exortar. O apóstolo sabiamente coloca lado a lado duas atividades de um mesmo ministério. A pregação e o aconselhamento. Um público e outro privado. Esta santa vocação, o ministério da Palavra, deve ser exercida pelo ministro “a tempo e fora de tempo”, quer seja numa porção de tempo reservada e preparada específica e publicamente para o anúncio das boas novas de Cristo, quer seja em uma conversa privada de aconselhamento. Em todo tempo, os ministros são convocados a cumprirem seu chamado. Mas como estas duas facetas se comunicam? Há alguma relação entre a pregação pública e o aconselhamento privado? Ou, ainda, há algum auxílio ou benefício oferecido pelo culto público ao aconselhamento um-a-um? Nossa intenção é demonstrar não somente que sim, o culto público auxilia no processo do aconselhamento, como também este é o melhor ambiente possível para sua aplicação e continuidade.

David Powlison nos ensina que esta dupla atuação do pastor não é negociável, pois todo pastor é um pregador e um conselheiro. Mesmo que alguns possam não ter facilidade com alguma destas áreas, ou ser melhor em uma do que em outra, Powlison nos lembra que nosso chamado ao ministério pastoral está em toda a Escritura:

Textos clássicos incluem Atos 20.20; Gálatas 6.1–2, 9–10; Efésios 3.14–5.2; 1 Tessalonicenses; Hebreus 3.12–14; 4.12–5.8;10.24–25 e dezenas de outras passagens sobre “uns aos outros”. Na verdade, todo lugar que trata de preocupações específicas de uma pessoa pode ser considerado uma passagem de aconselhamento. (POWLISON, 2022, p. 34)

Assim, o autor acertadamente revela a singularidade deste aconselhamento quando realizado por um cristão, uma vez que temos ao nosso lado a Palavra de Deus, que prescruta o mais íntimo do homem. Temos o Espírito Santo de Deus que convence da justiça do pecado e do juízo. Temos um amor sincero e doador do ministro do evangelho, que aconselha sem receber por isso. Temos o entendimento de uma antropologia bíblica: um homem criado à imagem e semelhança de Deus, homem e mulher, criados como uma unidade psicossomática (duas dimensões, corpo e alma, unidos no ser humano). O drama divino da salvação nos revela que o homem está caído em pecado, e daí vem o mal que o aflige e o faz carecer de aconselhamento. Nos revela também que é em Cristo que encontramos redenção para nossos pecados e esperança em um mundo caído. O ministro opera em continuidade ao ministério de Cristo e no seu poder, realizando tudo de acordo com sua boa vontade. Que outro tipo de conselheiro tem estas ferramentas a sua mão? Nenhum, pois este é um grande privilégio dos conselheiros cristãos. (POWLISON, 2022, p. 38–44)

Um de seus sucessores, o pastor Heath Lambert, detalha um pouco mais a forma como este aconselhamento deve ser executado em seu livro Teologia do Aconselhamento Bíblico. Lambert defende o aconselhamento bíblico, em contraste ao que é conhecido por aconselhamento cristão. Resumidamente, a diferença entre estas duas abordagens se encontra principalmente no entendimento do papel das disciplinas científicas do estudo da psiquê humana, que se dizem livres de crença religiosa e, do outro lado, o entendimento da suficiência das sagradas Escrituras para o aconselhamento. Ou seja, os que defendem o aconselhamento cristão são integracionistas, assimilando diversas técnicas e ferramentas da psicologia em seus aconselhamentos. Porém, mais do que isso, estes consideram esta assimilação imprescindível para que o aconselhamento tenha sucesso, uma vez que não reconhecem as Sagradas Escrituras como suficientes para tal.

Em contrapartida, o aconselhamento bíblico defendido por Lambert, com o qual concordamos, por mais que reconheça e entenda que a ciência possa contribuir no ministério do aconselhamento, nosso ponto de partida deve sempre ser a Bíblia. “Toda a Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; a fim de que o homem de Deus tenha capacidade e pleno preparo para realizar toda boa obra”, diz 2Tm 3.16–17. O crivo para definir se uma determinada prática deve ser incorporada pelos conselheiros não é o pragmatismo, mas o Evangelho de Cristo Jesus. Nas palavras de Lambert:

Aquele momento, quando o conselheiro deve responder à dor que foi revelada por uma pessoa quebrada, é uma das ocasiões mais sagradas de toda a vida. Outro ser humano acaba de revelar algo íntimo, profundo e difícil sobre sua vida, e agora ele está esperando por uma resposta. (…) Tudo o que dizemos, demonstra uma confiança em uma fonte de autoridade. (…) A “sabedoria” que vem de sua boca demonstra onde está a sua confiança — se é a “sabedoria” do mundo, a “sabedoria” da psicologia secular, sua marca pessoal de “sabedoria”, ou a sabedoria de Deus na Bíblia. (LAMBERT, 2017, p. 43–44)

Portanto, um conselheiro ou psicólogo não cristão pode até obter bons resultados práticos, e de mudança de atitude por meio de técnicas de persuasão, ou pelo uso de medicamentos em caso de psiquiatras, mas este aconselhado sairá dali com um melhor entendimento do sentido da sua vida? Ele terá seus pecados, origem dos seus problemas, confrontados? Ele terá o poder o Espírito Santo operando em sua vida por meio da palavra e oração do conselheiro? Certamente não. Estes benefícios são exclusivos ao conselheiro bíblico, instrumento nas mãos de Deus, para conversão e arrependimento dos seus aconselhados. Há, no entanto, um último benefício a ser considerado, a comunidade dos santos e, ainda mais especificamente, o culto cristão.

Os conselheiros bíblicos têm ao seu favor o que podemos chamar do ecossistema da igreja. O aconselhado encontra no culto e na sua comunidade de fé um local seguro onde ele pode aplicar os conselhos do seu conselheiro. O aconselhamento deve ser cristocêntrico e centrado na Palavra. Da mesma forma, o culto é um ambiente centrado na Palavra, onde a mensagem do evangelho de Cristo é anunciada, tornando-se o lugar perfeito para a prática do aconselhamento. A comunidade de fé é a rede de apoio que o aconselhado precisa para o suportar em amor, incentivar, e até mesmo fiscalizar quando necessário. Esta rede completa de apoio coloca inveja em qualquer conselheiro não cristão, como diz Powlison:

Desde o século passado, muitos psiquiatras e psicólogos sensíveis têm reconhecido francamente as limitações da prática profissional baseada em consultórios, desejado “serviços de saúde mental” baseados na comunidade. Isso faz todo sentido, uma vez que os problemas das pessoas se desenvolvem no lar, no local de trabalho, na rua, em relacionamentos, exigências e contingências da vida cotidiana. Os conselheiros seculares, contudo, têm estado quase impotentes para realizar seus sonhos, sem saber o que é necessário para realizar a tarefa. Você está vivendo o sonho deles. (POWLISON, 2022, p. 58–59)

Os pastores têm, portanto, não somente a obrigação e a missão de aconselhar os seus fiéis, como têm em suas mãos ferramentas e realidades de dar inveja a qualquer conselheiro. Cristo abriu um novo e vivo caminho para nos redimir dos nossos pecados e nos achegar a fim de sermos restaurados de nossa condição caída. Ele prometeu que seria nosso conselheiro e ajudador. Está tudo pronto, basta obedecermos. Como bem pontua Lambert:

Tudo do Cristocentrismo, fortalecimento do Espírito, e a mudança baseada na Palavra, aconteceram no contexto da igreja local. Quando afirmamos que a igreja é um pilar e um apoio da verdade, o que nós queremos dizer é que a igreja é o local para que o conselho seja ouvido e aplicado. Deus nos deu a verdade com o propósito de mudar nossas vidas. A igreja é o pilar e a sustentação da verdade. É projetada para suportar e manter a verdade que muda nossas vidas quando estamos com problemas. (LAMBERT, 2017, p. 326)

Por fim, é importante ressaltar que o ministério de aconselhamento não é exclusivo para pastores. Todo cristão é chamado a aconselhar um ao outro, em amor. Todos somos chamados a amarmos o próximo como a nós mesmos, suportando e sendo suportados. “Levem os fardos pesados uns dos outros e, assim, cumpram a lei de Cristo. Se alguém se considera alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo” (Gl 6:2–3). Que possamos nos inspirar e incentivar nesta prática. E que estas verdades sejam um incentivo não apenas para que pastores e membros se tornem hábeis conselheiros para a glória de Deus, mas também para que nossas comunidades se tornem aptas a receber, acolher, amar, exortar e apoiar uns aos outros em toda e qualquer dificuldade. Assim sendo, que nos animemos com a exortação paulina que não devemos tão somente pregar a palavra, mas também aconselhar e exortar na palavra. Em todo tempo, em toda oportunidade, no público e no privado, na igreja, em casa ou no café, no culto ou no aconselhamento.

Que Deus nos ajude. Amém.

Bibliografia

LAMBERT, Heath. Teologia do Aconselhamento Bíblico. Tradução de Airton Williams Vasconselos Barbosa. Eusébio, CE: Peregrino, 2017. 364 p.

POWLISON, David. O pastor como conselheiro: o chamado ao cuidado das almas. Tradução de Elizabeth Charles Gomes. Brasília, DF: Monergismo, 2022. 70 p.

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Daniel Ponick Botke
Piedade e devoção

Servo de Jesus Cristo, apaixonado pelas Sagradas escrituras, buscando viver a aprender a viver o evangelho em cada centímetro quadrado da vida.