DEIXE LÁ FORA TUDO QUE LHE PERTURBA A MENTE

Daniel Ponick Botke
Piedade e devoção
7 min readJul 25, 2022
Photo by Priscilla Du Preez on Unsplash

Por todos os cantos do nosso país ouvimos um discurso e uma sincera busca por uma igreja que seja relevante. Por relevante quer se dizer uma igreja que não se restrinja a “apenas” cultuar nos domingos, e fique “presa entre as quatro paredes” do templo. Muito se fala neste sentido sobre assistência social aos carentes, fala-se bastante sobre educação, sobre política nas mais diversas óticas e abordagens. Mas pouco se fala sobre arte, sobre justiça, sobre economia ou filosofia. E como as igrejas têm lidado com esta necessidade e pedido para serem relevantes? Estas respostas têm sido adequadas? E por que mesmo dentre esta boa intenção sincera de ser relevantes percebemos ênfases tão fragmentadas e desproporcionais? Neste artigo buscaremos demonstrar que a resposta para estas perguntas é encontrada no estudo da cosmovisão.

Esta busca por relevância nas igrejas não está sozinha na aspiração dos corações. Ela está vinculada a uma carência contemporânea de nossa sociedade, da qual também os filhos de Deus padecem muitas vezes, a falta de significado. Por conta da nossa sociedade pós-moderna, como detalharemos a seguir, vivemos em tempos líquidos como diria o sociólogo Zygmunt Bauman, onde as verdades são relativizadas e a autossatisfação comercializada torna-se praticamente inalcançável. Nesta realidade nossas almas ficam sem apoio seguro, sem uma rocha firme para se apoiar. Nós cristãos então olhamos para nossas igrejas, e percebemos elas desconectadas da nossa realidade do dia a dia, fala-se quase que outro idioma, perde-se a relevância. Como buscaremos demonstrar a seguir, acreditamos que isto é resultado de cosmovisões idólatras incorporadas pela igreja:

1. Uma igreja secular

Em primeiro lugar observaremos as igrejas que abraçaram o secularismo dos tempos modernos. Neste tipo de igreja ouvimos frases do tipo “deixe do lado de fora os seus problemas, e se concentre apenas em adorar a Deus”, “Não se preocupe com o irmão que está do seu lado, apenas adore ao Senhor”. Este tipo de frase e abordagem da adoração a Deus e sentido do culto demonstra uma clara mentalidade secular a igreja. Este tipo de abordagem faz uma rígida divisão entre o sagrado e o secular, entre o andar superior daquilo que é espiritual e aquilo que é carnal. Qual é o resultado disso? Pregações, louvores, costumes e doutrinas dualistas, e muitas vezes legalistas, que vêm o cristianismo como totalmente separado e contra a cultura, descolando a igreja e o culto da realidade.

Esse dualismo, contudo, de modo algum e sustentado pelas Sagradas Escrituras. Quando João está descrevendo o salvador, primeiro nos diz que Cristo é a *Palavra eterna, por quem todas as coisas são feitas, e que é a vida dos homens”. Paulo também testifica que “‘todas as coisas foram criadas por Cristo e subsistem por meio dele”. (KUYPER, 2019, p. 126)

2. Uma igreja pós-estruturalista

Em segundo lugar, mas ainda na trilha do secularismo, podemos observar uma abordagem pós-estruturalista dentro das Igrejas. Como o nome já sugere, os pós-estruturalistas defendem uma descrença e uma destruição de todas as crenças estruturadas, tornando tudo relativo e volátil no tempo, sendo constantemente reconstruído. Para pensadores como Foucault, Derrida, Deleuze e Judith Butler, coisas como sentido único de um texto, estrutura de um sexo masculino e feminino, sentido de verdade única, são construções euro-centradas e “manchadas” por ideologias, e devem ser desconstruídas. Consoante a isso, temos visto pastores e igrejas relativizando a autoridade das sagradas escrituras, atualizando a bíblia, tornando o evangelho num EUvangelho individualizado, e muitas vezes livre de compromisso com a comunidade de fé, livre de estruturas.

3. Uma igreja consumista

Em terceiro lugar, e talvez este seja o mais comum e fácil de identificar, vemos o consumismo de nosso presente século adentrando as portas dos nossos templos. O evangelho é comercializado, Deus é consumido como uma fonte de bênção, ou realização pessoal, ou ainda satisfação emocional. Nossos irmãos são consumidos como uma peça ou alguém que pode ser útil na busca por satisfação. Membros são avaliados, e muitas vezes abusados, por aquilo que podem fazer ou deixar de fazer na igreja. A Teologia da prosperidade com a nova capa e cara da teologia do coach usa de estratégias de marketing e emocionalismo para aumentar seus ouvintes. Métricas de consumo são utilizadas para avaliar uma igreja, pregador ou culto, Se muita gente “foi tocada” o culto foi bom, se eu gostei da palavra e do louvor, o culto foi bom, se me fez bem a igreja é boa, se o líder tem milhares de seguidores nas redes sociais ele é um líder de sucesso. Será que nosso senhor concordaria?

4. Uma igreja tecnicista

Por fim, nas abordagens problemáticas e paganizadas temos as igrejas tecnicistas. Aquelas que acreditam que para serem relevantes precisam sempre inovar nos seus cultos. Precisam sempre estar utilizando as últimas tecnologias em suas igrejas: luzes, telões, efeitos especiais, super transmissão ao vivo, igreja no meta-verso. Ao invés de terem fé no Senhor e na sua palavra, ao invés de terem fé de que quem convence do pecado, da justiça e do juízo é o Espírito Santo de Deus. Estes, mesmo que às vezes inconscientemente, têm fé de que o progresso é inevitável, e se acompanharmos o progresso seremos relevantes, e seremos boas igrejas, mas será mesmo assim?

5. Uma igreja remida

Gostaríamos de propor uma quinta cosmovisão e como consequência abordagem cultural, a qual consideramos a correta postura cristã. Esta cosmovisão é melhor expressa em uma narrativa, a qual pode ser encontrada nas sagradas escrituras, a narrativa cósmica da redenção de Deus no mundo. Esta narrativa é dividida em 4 grandes atos: Criação, Queda, Redenção e Consumação. Podemos resumir a história da redenção do nosso Deus, descritas das Sagradas Escrituras de Gênesis a Apocalipse nestes quatro atos. Deus criou todas as coisas boas, o homem pecou e com ele a condenação veio a humanidade e ao mundo, Deus enviou o seu filho Jesus para viver e morrer em nosso lugar, e um dia ele voltará para consumar seu reino e obra. Estes 4 atos nos relembram e nos ajudam a entender onde nos encontramos neste drama divino, como devemos interpretar e nos relacionar com a realidade. Estes 4 atos canônicos deveriam fundamentar e moldar nossa cosmovisão cristã, e por isso devem ser ensinados e relembrados em nossas igrejas.

O ato e doutrina da criação não apenas nos lembra que Deus é o criador de todas as coisas, mas no relato da criação lemos que em tudo deus viu que era bom. Deus olhou para toda a criação e viu que era boa. Essencialmente todas as coisas criadas são boas. Não deve haver diferenciação entre sagrado e secular como vimos na igreja secular, mas devemos olhar para toda a criação de Deus, como originalmente boa, e como instrumento que reflete sua glória. Além disso, Deus criou todas as coisas como elas são, em sua diversidade de aspectos e característica. Num mesmo objeto e ser vemos variadas características e aspectos (ou pontos de vista como alguns gostam de chamar). Como cristãos não devemos absolutizar um destes aspectos (ex. tratar tudo em nossa vida por uma ótica economista), antes devemos ratificar, prestigiar e respeitar a diversidade da boa criação do nosso Deus.

Conhecidamente, a boa criação de Deus foi afetada pelo pecado e a boa estrutura da criação foi usada e direcionada para o mal. A Queda deve nos lembrar que em todos os aspectos da realidade, em todas as atividades, criações e artefatos da vida, sempre lidaremos com as consequências do pecado. Não devemos esperar uma vida sem aflições, pois vivemos em um mundo que jaz no maligno, o consumo não pode nos remir, o progresso não pode nos salvar. Não há nada nem ninguém que possa se dizer livre das consequências do pecado. Nosso trabalho como cristãos, portanto, é analisar e perceber a influência do pecado em cada atividade de nossas vidas, e procurar remi-las, como veremos no próximo ato.

Dois reinos estão em guerra. Uma batalha espiritual está acontecendo, um conflito de reinos que permeia todo o conjunto de atividades humanas. Do mesmo modo como as duas maneiras pactuais influenciam tudo o que fazemos, da mesma forma os dois reinos. Assim como toda a nossa vida cultural é criada e permanece sob o domínio de Deus e assim como somos chamados para servi-lo em tudo que fazemos, também toda a nossa vida se encontra agora caída. Nada há na criação que o pecado não tenha tocado: “O mundo inteiro jaz no maligno” (1Jo 5.19). (WALSH e MIDDLETON, 2010, p. 63)

No entanto, pela sua graça e misericórdia o Senhor enviou seu filho para viver e morrer neste mundo, nos dando a sua redenção. Em Cristo Jesus todas as coisas são feitas novas. “A saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não levando em conta os pecados dos seres humanos e nos confiando a palavra da reconciliação.” (2Co 5:19 NAA). Todas as coisas são refeitas em Cristo, o reino de Deus é inaugurado na terra por meio de sua obra, nosso papel agora é vivermos como membros deste reino eterno, como filhos de Deus, remidos e resgatados do mundo de pecado, buscando viver em cada realidade e aspecto da criação conforme esta nova realidade em Cristo.

O objetivo da obra de redenção não está limitado à salvação de pecadores individuais, mas estende-se a redenção do mundo e à reunião orgânica de todas as coisas no céu e na terra debaixo de Cristo como seu cabeça original. O próprio Cristo não fala apenas da regeneração da terra, mas também de uma regeneração do cosmos (Mt19.28). Paulo declara: “Toda a criação geme esperando pela redenção do cativeiro para a glória dos filhos de Deus”. E quando João, em Patmos, escutou os hinos dos Querubins e do Redentor, toda honra, louvor e ação de graças foram dadas ao Deus. (KUYPER, 2019, p. 126)

Contudo, sempre temos de ter em mente que não somos chamados a trazer o céu para terra, nem remir todas as coisas. Isto está reservado para Cristo no final dos tempos, quando ele virá em poder em grande glória, e fará novas todas as coisas, novos céus e nova terra.

Isto é o que devemos ensinar e anunciar em nossas igrejas, isto é o que devemos viver em nossas comunidades se de fato queremos ser igrejas relevantes. Não uma cosmovisão sintetizada com as filosofias pagãs e idólatras deste mundo, mas uma cosmovisão genuinamente cristã, que produz vida e regeneração, em todos os aspectos e atividades da nossa vida.

Que Deus nos ajude. Amém.

Bibliografia

KUYPER, Abraham. Calvinismo. Tradução de Ricardo Gouvêa e Paulo Arantes. 2º. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2019. 208 p.

WALSH, Beian; MIDDLETON, J. R. A visão transformadora. Tradução de Valdeci Santos. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. 192 p.

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Daniel Ponick Botke
Piedade e devoção

Servo de Jesus Cristo, apaixonado pelas Sagradas escrituras, buscando viver a aprender a viver o evangelho em cada centímetro quadrado da vida.