PRECISAMOS ABAIXAR A GUARDA

Daniel Ponick Botke
Piedade e devoção
7 min readJul 19, 2022
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Qual o significado de apologética? Ao respondermos a essa pergunta, comumente fazemos afirmações que evocam um sentido de conflito e combate. O mais corriqueiro é pensarmos na apologética como defesa da fé. Nossa “posição mental” se coloca em guarda, com as mãos calçadas nas luvas e coladas no queixo. Sempre que nos vemos em uma discussão de cunho apologético, preparamos todas as nossas armas de argumentação, buscando a melhor estratégia para colocar nosso adversário na lona. Contudo, essa atitude recorrente é a esperada de nós por Deus? Será esse o caminho ensinado pelas Sagradas Escrituras? Acreditamos que não, e buscaremos demonstrar isso no decorrer deste artigo.

O mundo está demasiadamente beligerante. Por todo lugar e com quem quer que nos relacionemos, todos parecem estar sempre prontos para tirar alguma vantagem ou “defender seus direitos”. Brigas nas redes sociais, brigas no trânsito, entre vizinhos e entre familiares são comuns em nosso meio. Porém, queremos observar mais especificamente que dentro da igreja também encontramos essa beligerância. A luta para demonstrar qual conjunto de doutrinas é o melhor, a discussão sobre a cor da parede da igreja, o tipo de vestimenta que o crente deve usar etc. Nossas conversas com nossos irmãos parecem sempre sobre ovos, e a desunião já é evidente. Como se não bastasse, brigamos também com os incrédulos, tentando provar que seu ateísmo é errado, acusando-os de assassinos de crianças por defenderem o aborto, e assim por diante, sempre com aspereza e vituperante.

Entretanto, esse não é o caminho pelo qual vemos caminhar nosso Mestre nos evangelhos. Cristo foi à casa de cobradores de impostos, protegeu e perdoou prostitutas e chamou para perto de si um grupo de homens em sua maioria pouco instruídos. Evidentemente, Ele foi duro e repreendeu os escribas e sacerdotes diversas vezes quando julgou necessário, mas, aos famintos, Ele deu de comer.

Hoje a maioria dos homens na América não está faminta fisicamente. Aliás, a maioria dos americanos está sufocada no fedor de uma sociedade completamente abastada. Mas não importa qual seja seu sistema filosófico e intelectual; o homem, sendo criado à imagem de Deus, tem fomes humanas que precisam ser satisfeitas. Para alguns, a principal fome é intelectual; eles têm de ter respostas. Por isso eles buscam na filosofia existencial, na análise linguística, e em outras filosofias não cristãs. Mas não há nenhuma resposta definitiva por ali. Outras pessoas têm uma fome intensa de beleza. Então, elas tentam produzir beleza do seu próprio desmoronamento e da autoexpressão do desmoronamento. Mas a resposta definitiva e o verdadeiro conforto não estão ali (SCHAEFFER, 2018, p. 15).

Nossa sociedade está faminta por significado para a sua vida. Os homens do nosso século estão vazios de sentido. Por quê? Pois todo ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, e, por esse motivo, carrega dentro de si um sentido religioso, o que Calvino chamava sensu divinitatis. Esse senso do divino nos faz ter duas reações possíveis: amá-lo e buscá-lo de todo coração, que ocorre com os filhos de Deus regenerados pelo Espírito Santo de Deus; ou reprimir, sufocar a verdade que clama em seu interior com a injustiça, como faz o ímpio (Rm 1.18–23).

Ele [Paulo em Rm 1] então nos fez saber que na raiz do nosso coração ímpio não reside ignorância, mas uma supressão da verdade. Essa supressão modela nossa impiedade; ela é seu elemento definidor. Agora aprendemos que a verdade que é suprimida é na realidade o conhecimento claro e universal de Deus, que é dado pelo próprio Deus (OLIPHINT, 2013, p. 144)

Temos a resposta, temos a solução. Há uma mesa, uma única mesa que pode satisfazer a fome religiosa do ser humano. Contudo, por que, na maioria das vezes, o ímpio não aceita se alimentar do pão presente nessa mesa? Pois, na maioria das vezes, o que fazemos é jogar “migalhas do pão” ao achar que, com isso, ele se interessará por se assentar conosco e comer do pão na mesa. Em nossos debates apologéticos ou evangelísticos, jogamos todo tipo de evidência sobre nosso adversário por esperarmos vencê-lo pelos argumentos. Talvez até tenhamos sucesso em vencer a discussão, mas será que ganharemos o coração? Antes, é importante ressaltar que reconhecemos que quem convence e converte os corações ao Senhor é o Espírito Santo, é obra Dele, e não nossa. Porém, isso não significa que temos justificativa para sermos displicentes na forma como apresentaremos o evangelho.

Num contexto apologético, a persuasão é essencial. Uma apologética persuasiva toma algo que o não cristão já afirmou ser verdade e usa-o em favor da defesa cristã. O que separa o argumento persuasivo dos outros tipos de argumentos é que, sempre que possível e permitido, ele incorpora as crenças do oponente em seu próprio benefício (do argumento). Isso automaticamente “traz o oponente” para dentro da discussão, por afirmar algo que ele próprio já disse (OLIPHINT, 2013, p. 171).

Assim, se temos a genuína intenção de alcançar o coração do nosso interlocutor precisamos entender que, por mais importante que seja nosso arcabouço intelectual, este não deve ser usado como um arsenal de argumentos irrefutáveis. Não devemos despejar todo o nosso conhecimento racional esperando que, com isso, o outro seja convencido do pecado, da justiça e do juízo.

Não conhecemos primeiro a Deus devido ao nosso equipamento epistêmico (nossa habilidade de saber alguma coisa qualquer), mas porque Deus se estende para nos alcançar. Ele fala. Na linguagem de Hopkins, ele enche o mundo com sua magnificência. É por causa dessa carga, dessa fala sem palavras (como afirma o SI 19.3–4), que podemos ouvi-lo e vê-lo por meio do mundo, da poesia e da arte do artista (SIRE, 2017, p. 82).

Com a queda de Adão, toda a humanidade caiu e, junto à Queda, todos sofremos os seus efeitos noéticos. Nossa razão não pode mais chegar a Deus por ela mesma, não conseguimos mais ver e interpretar as coisas criadas como apontadas para seu Criador. Estamos “quebrados”, precisamos de outras ferramentas, outras armas.

A Bíblia deve ser central em qualquer discussão sobre apologética. É da Bíblia que precisamos, e devemos abri-la, quando se trata de pensar em apologética e começarmos a nos preparar para fazê-la. Lutar a batalha do Senhor sem a espada do Senhor é tolice. Deixar de usar a única arma que é capaz de penetrar o coração é lutar uma batalha perdida (OLIPHINT, 2013, p. 26).

As armas que devemos usar em nossa defesa são “armas de surpresa”. Devemos ir para a batalha com armas invisíveis, armas com as quais o inimigo não está familiarizado, armas que irão surpreendê-lo. Quando o inimigo é pego de surpresa, fica muito mais suscetível à derrota ou rendição. As armas espirituais são nossas armas de surpresa. Embora aqueles que atacam o cristianismo eventualmente esperem que respondamos como eles, somos encorajados por Paulo a responder com armas que apenas nós podemos compreender — a verdade, a fé, a justiça, uma espada espiritual. Nosso inimigo será surpreendido com estas armas. E, pela graça e providência de Deus, poderá mesmo se render ao evangelho da graça (OLIPHINT, 2013, p. 106).

Com isso, queremos dizer que nosso papel na apologética e evangelização do ímpio, em primeiro lugar, é chamá-lo para sentar conosco à mesa. Isso significa estar disposto a ouvir, a caminhar junto e a conhecê-lo. Em segundo lugar, precisamos mostrar-lhe que, invariavelmente, ele não está livre de adorar; ou ele adorará a Deus, ou a ídolos. Mesmo o ateu que diz não ter religião encontrará sua fonte de sentido e realização em algo que se tornará seu deus. “E substituíram a glória do Deus incorruptível por imagens semelhantes ao homem corruptível, às aves, aos quadrúpedes e aos répteis” (Rm 1.23). Em terceiro lugar, precisamos convencê-lo — com o auxílio do Espírito Santo — a retirar seus óculos de idolatria, que distorce toda a realidade, e, ao sentar ao nosso lado na mesa, olhar o pão da vida com nossos óculos, as Sagradas Escrituras. Precisamos demonstrar que todas as coisas só fazem sentido em Deus. Esse é o nosso chamado, é para isso que devemos estar sempre preparados (1Pe 3.15).

A apologética inclui em grande medida uma espécie de “mentalidade”. Muito do que fazemos para estar “sempre preparados tem a ver com gravarmos a verdade das Escrituras tão firmemente em nosso coração que podemos ver sua verdade em tudo o mais ao nosso redor. Se conseguirmos ajustar nossa mente dessa maneira, não seremos intimidados por outras “coisas altivas” que cruzarem o nosso caminho. Precisamos ver que não existe nada mais altivo’ que a verdade das Escrituras em toda a sua riqueza e plenitude. Precisamos ser novamente convencidos de que “todo o conselho de Deus” é a única coisa elevada e sublime em que vale a pena acreditarmos. Precisamos entender que o único lugar em que o ser humano pode descansar é o conhecimento de Deus e de Jesus Cristo (OLIPHINT, 2013, p. 100).

Para esse fim, devemos trabalhar em nossas igrejas, mais especificamente em nossos cultos, para equipar os santos para essa obra. Nossas músicas devem, ao mesmo tempo, estar conectadas com a realidade estética do nosso século, mas revelar a pecaminosidade do coração e a salvação em Cristo Jesus. Nossos sermões devem preparar e auxiliar nossos ouvintes a fazer uma boa exegese bíblica, mas também uma boa exegese cultural para que possam habilmente destronar os ídolos do coração dos ímpios, tirar o seu telhado, como dizia Schaeffer, e apresentar o Deus verdadeiro. Esse deve ser nosso anseio, e esta deve ser nossa postura: sair do ringue e ir para a mesa do Senhor.

Se nós somos cristãos e não temos sobre nós o chamado para responder à perdição do perdido e uma compaixão para com aqueles da nossa espécie para esta vida e para a eternidade, nossa ortodoxia é feia. E é feia na presença de qualquer pessoa que é honesta. E mais do que isso: ortodoxia sem compaixão é feia para Deus (SCHAEFFER, 2018, p. 83).

Que Deus nos ajude. Amém.

Bibliografia

OLIPHINT, K. S. A Batalha Pertence ao Senhor: O Poder das Escrituras para a Defesa de Nossa Fé. Tradução de Felipe Sabino e Marcelo Heberts. Brasília, DF: Modergismo, 2013. 222 p.

SCHAEFFER, Francis A. Morte na Cidade. Tradução de Sachudeo Persaud. 2ª ed. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018. 96 p.

SIRE, James W. Apologética além da razão. Tradução de Jonathan Hack. São Paulo: Cultura, 2017. 160 p.

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Daniel Ponick Botke
Piedade e devoção

Servo de Jesus Cristo, apaixonado pelas Sagradas escrituras, buscando viver a aprender a viver o evangelho em cada centímetro quadrado da vida.