PREGUE A PALAVRA

Daniel Ponick Botke
Piedade e devoção
7 min readDec 15, 2022

“Pregue a palavra, esteja preparado a tempo e fora de tempo, repreenda, corrija, exorte com toda a paciência e doutrina.” 2Tm 4.2 (A21)

O apóstolo Paulo, na sua segunda carta ao seu amado discípulo, registra uma das mais belas, e, ao mesmo tempo, urgente e atual recomendação: “pregue a palavra”. Esta pequena e poderosa exortação é a recomendação e o remédio indicado pelo apóstolo para a cura contra as falsas doutrinas que se levantaram, e que ainda se levantaria, na igreja de Timóteo. Podemos repartir esta exortação paulina e identificar suas ênfases. Primeiramente, Paulo diz a Timóteo que é necessário que ele pregue. É preciso que ele anuncie, que abra sua boca, eleve sua voz e proclame ao seu povo, a sua igreja. Mas não proclamar qualquer coisa, não proclamar sofismas ou mensagem de autoajuda, mas pregar uma mensagem específica, pregar a Palavra, como lemos na segunda parte desta exortação. Com isso, temos claramente estabelecido e ordenado a nós a necessidade da pregação da Palavra de Deus em nossas igrejas. Mas como isso deve ser feito?

Daniel Block, no seu livro Para a Glória de Deus, demonstra como o culto é uma espécie de audiência de Deus com seu povo. Um exemplo e modelo emblemático desta audiência está registrado em Êxodo 19–24, quando, após fazer uma aliança com seu povo, Deus convoca uma audiência com eles no monte Sinai. Estabelece as regras para esta audiência: o povo deveria se consagrar, e apenas Moisés e os anciãos subiriam o monte. O restante do povo deveria ficar atrás de uma linha estabelecida, com pena de morte para quem ultrapassasse esta linha e subisse ao monte. Deus desce sobre o monte, produzindo sons, relâmpagos e tremores, e anuncia sua lei para Moisés, detalhadamente. Ao ouvir a lei, o povo concorda em obedecer. Moisés, Arão e mais alguns escolhidos vêm a Deus, mas não morrem. Uma verdadeira cena de cinema. (BLOCK, 2018, p. 44)

Tendo esta imagem em mente, ao pensarmos no culto como uma audiência de Deus com seu povo, há elementos essenciais nesta reunião, requeridos por Deus. Dentre eles, temos a Palavra do Senhor, pois, se estamos em uma audiência com Deus, o soberano sobre tudo e sobre todos, antes de mais ninguém, quem deve ser ouvido é o Senhor desta audiência. E hoje ouvimos sua voz por meio das Sagradas Escrituras do nosso Senhor. Almmen diz o seguinte sobre isto:

Portanto, se colocamos a Palavra de Deus em primeiro lugar, não é com o intuito de fazer com que o culto se reduza a ela, mas sim com a intenção de realçar o fato de que, sem ela, o culto cristão esvaziar-se-ia de sua substância e perderia o traço que o separa de um culto não-cristão. (ALLMEN, 2005, p. 128)

No entanto, mesmo a Palavra de Deus sendo poderosa em seus efeitos, viva e proveitosa para repreender e corrigir, isso não quer dizer que ela seja um livro mágico, como muitos fazem parecer. Não basta que a leiamos em voz alta e dispensemos nossa congregação como se a Palavra do Senhor tivesse sido dada. Mais do que apenas ler, nos é ordenado a pregar a Palavra, o que quer dizer explicar o que é lido e aplicar a mente e coração dos nossos ouvintes. A “pregação é necessária ao culto porque o Reino de Deus ainda não se manifestou em poder” (p. 144), disse Allmenn.

Historicamente, as igrejas de tradição reformada concordam que a melhor forma de executar essa tão sublime tarefa de ser porta-voz do Deus Altíssimo é por meio da pregação expositiva. O sermão expositivo, resumidamente, consiste em ler o texto, explicar o texto e aplicar o texto. Este formato tem a vantagem de estar preso à Palavra do Senhor, pois submete o que será dito àquilo que foi lido e estudado. Já um sermão do tipo tópico, pelo contrário, estabelece os tópicos que serão falados, para então buscar versículos que os apoiem. Sobre este tema, Bryan Chapell complementa:

Um sermão expositivo apresenta tema, pontos principais e pontos secundários extraídos do texto. Na mensagem expositiva, o pregador assume o compromisso de explanar o que determinado texto diz. O objetivo de tal sermão é simples: fazer com que os ouvintes compreendam o que a passagem estudada significa, antes do término do culto. (CHAPELL e SALUM, 2022, p. 2639, destaque nosso)

Encontramos um registro escriturístico pronunciado pelo nosso mestre, no caminho de Emaús, para discípulos seus, após sua ressurreição. O texto registra que Jesus “começando por Moisés e todos os profetas, explicou-lhes o que constava a seu respeito em todas as Escrituras” (Lc 24.27). Cristo lembrou seus discípulos do que Moisés e profetas falaram, explicou as leis e as profecias, aplicando esta palavra a si mesmo, o Messias encarnado. O que nos demonstra uma das principais características de um sermão expositivo: independente da passagem bíblica que está sendo exposta, no final das contas, ela deve nos levar até Cristo. Os sermões expositivos devem revelar como a passagem em questão se encaixa no drama da redenção divino, e assim, como esta nos revela Cristo. Assim, aprendemos com o príncipe dos pregadores:

Jamais encontrei um texto que não contivesse um caminho para Cristo, e se alguma vez encontrar um, prosseguirei aos trancos e barrancos, mas chegarei ao meu Mestre, pois o sermão nada pode fazer de com a menos que haja um perfume de Cristo nele. (SPURGEON, 1860, p. 140)

Por isso, se desejamos cumprir o conselho do apóstolo Paulo para Timóteo, e pregarmos a palavra, precisamos pregar Cristo, que é a palavra, o verbo que se fez carne e habitou entre nós. A Palavra de Deus encarnada e revelada para nós na pessoa de Jesus de Nazaré.

Por fim, o sermão expositivo não deve “somente” encontrar e demonstrar claramente como aquela passagem nos leva a Cristo, mas deve tornar esta passagem atual e operante para seus ouvintes. O expositor faz isso ao identificar e demonstrar que todo ser humano da face da terra nasce em pecado, e carece da glória de Deus. Todos nós estávamos mortos em nossos delitos e pecados. Não buscávamos a Deus, antes o odiávamos. Todo ser humano se encontra nesta situação, desde Adão até nós, passando por todos os escritores e personagens bíblicos. O papel do expositor, portanto, é identificar como nossa condição decaída se assemelha a mesma condição dos leitores da nossa porção bíblica. Por que este texto precisou ser escrito naquela época, para aquelas pessoas? E qual a nossa similaridade com elas? Certamente encontraremos respostas para estas perguntas em toda a Escritura.

Uma vez identificado este ponto, o expositor deve, por fim, demonstrar como a graça e a redenção de Cristo em nossas vidas nos livra e nos corrige em nossa condição pecaminosa. Com esta demonstração da graça do bom Deus, o pregador estará pronto para a aplicação do seu sermão, identificando como agora viveremos em resposta a maravilhosa graça do nosso Deus. Nossas aplicações não devem ser antinomistas, reduzindo ou até extinguindo as exigências que a Palavra de Deus faz a nós. Abusando e distorcendo a graça de Deus, apaziguando indevidamente o coração dos nossos ouvintes, insinuando que, uma vez salvo, nada mais nos é requerido. Mas, ao mesmo tempo, devemos fugir de toda e qualquer aplicação legalista, que impõe peso e responsabilidade sobre nossos ouvintes, que já foram carregados por Cristo. Que dão a entender, seja no nível que for, que o resultado positivo daquele sermão na vida da congregação, depende deles.[1] Do contrário, uma vez que o sermão nos levou a Cristo, devemos urgentemente demonstrar como a obra redentora de Cristo nos capacita a viver da forma como nos é demonstrado no texto. Precisamos, como pregadores, sermos capazes de demonstrar como nossa vida é restaurada poderosamente pela graça, e pelo Espírito de Deus. E então anunciar como agora viveremos EM RESPOSTA a maravilhosa obra do nosso Senhor em nossas vidas.

Eis que assim cumpriremos em nossos cultos fielmente o santo ofício de pregar a Palavra, pregar a Cristo e este crucificado. Animemo-nos neste maravilhoso ministério, como nos evoca mais uma vez o apóstolo dos gentios:

“Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Assim como está escrito: Como são belos os pés dos que anunciam coisas boas!” (Rm 10.14–15 A21)

Que Deus nos ajude. Amém.

Bibliografia

ALLMEN, J. J. V. O culto cristão: teologia e prática. Tradução de Dírson Glênio Vargas dos Santos. 2ª. ed. Santos: ASTE, 2005.

BLOCK, Daniel I. Para a Glória de Deus: Resgatando uma teologia bíblica do culto. Tradução de Thiago Machado Silva. São Paulo: Cultura Cristã, 2018. 432 p.

CHAPELL, Bryan; SALUM, Oadi. Pregação Cristocêntrica: Um guia prático e teológico para a pregação expositiva. 1ª E-Book. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2022.

SPURGEON, Charles H. Christ Precious to Belivers. Londres: Passmore and Alabaster, 1860.

[1] Quantos de nós já não ouvimos algum sermão que durante as fazes de leitura e explicação do texto bíblico correu tudo bem e ortodoxo, mas ao final do sermão, após toda a explicação, na aplicação daquele conteúdo, o pregador solta alta e sonoramente: “Agora isso só depende de uma pessoa: VOCÊ”. Este não é o evangelho da graça do nosso Senhor Jesus que carregou sobre si nossos pecados e rasgou o escrito de dívida que havia sobre nós na cruz do calvário.

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Daniel Ponick Botke
Piedade e devoção

Servo de Jesus Cristo, apaixonado pelas Sagradas escrituras, buscando viver a aprender a viver o evangelho em cada centímetro quadrado da vida.