UMA ASSEMBLEIA CATÓLICA DIÁCONO-MISSIONAL CRISTÃ: O CULTO

Daniel Ponick Botke
Piedade e devoção
7 min readDec 7, 2022
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O culto cristão seja talvez o ato mais praticado pelo povo de Deus na face da terra, mas na mesma proporção este é o mais irrefletido de todos. Vamos ao culto em nossas igrejas semanalmente — em sua grande maioria — mas grande parte dos cristãos (ou até mesmo dos oficiantes) teriam dificuldade de apresentar uma definição desta solene reunião. Tendo isso em vista, procuraremos contribuir com nossas igrejas por meio de uma definição teológica do culto cristão. Releva ressaltarmos que quando falamos de culto no sentido de adoração ao nosso Deus, temos consciência de que não é correto reduzi-lo à reunião dominical na igreja. Contudo, tendo em vista o espaço limitado deste artigo, por mais que tocaremos no sentido de adoração como uma forma de vida cristã, focaremos nossos esforços em descrever a assembleia solene dominical.

Iniciaremos esta explanação utilizando uma definição oferecida por Daniel Block e, a partir dela, analisaremos algumas de suas partes e consequentes implicações para o culto cristão. Block define o culto da seguinte forma: “O verdadeiro culto envolve atos humanos reverentes de submissão e honra diante do divino Soberano em resposta à sua graciosa revelação de si mesmo e em conformidade com sua vontade” (BLOCK, 2018, p. 25).

Essa definição do culto se inicia evidenciando a existência de um culto que seja verdadeiro e, consequentemente, a existência de um culto falso. E talvez o ponto crucial a ser observado para fazer tal diferenciação esteja em outro termo utilizado por Block nesta definição, a saber, “resposta”. De acordo com o autor, o culto é um ato humano realizado em resposta a Deus. Neste sentido podemos entender que a convocação deste culto não é um ato humano, mas procede do próprio Deus. Podemos observar esta realidade já em um dos primeiros relatos de culto público registrados nas Sagradas Escrituras, em Ex 19–24, sendo este também um dos mais extraordinários. O Senhor conclama este encontro com o seu povo por meio do seu servo Moisés e o seu povo atende. Block, analisando tal relato, descreve como uma característica do culto cristão o fato deste ser uma audiência do povo com seu Deus (BLOCK, 2018, p. 44). Falando sobre os oficiantes do Culto cristão, von Allmen ressalta que por presumirmos a presença de Deus no culto, nos esquecemos muitas vezes de sua primordial necessidade, uma vez que sem a presença de Deus, a reunião não é culto (ALLMEN, 2005, p. 183).

Com isso, podemos estabelecer as duas primeiras características do culto. em primeiro lugar, o culto cristão é uma assembleia, uma vez que Deus chama o seu povo para lhe prestar culto, reunido como um só corpo. E, consequentemente, em segundo lugar, essa assembleia é católica, visto que o chamado de Deus para cultuá-lo se estende ao seu povo de toda tribo, povo e nação (Ap 5.9).

Diferente do verdadeiro culto acima descrito, o falso culto não se trata de uma resposta dos homens a Deus, mas, conforme visto nos cultos pagãos, trata-se de um ato de culto que visa atrair a atenção ou conquistar o favor de Deus. Cabe aqui um comentário e observação sobre a realidade atual de culto em nossas igrejas. Infelizmente, o que mais vemos em nossos dias são cultos centrados não na pessoa de Cristo, mas no próprio homem, em satisfazer suas buscas e anseios. Deus é instrumentalizado (como se isso fosse possível) e ingenuamente gerenciado para satisfazer as vontades humanas. Entrega-se a Deus, barganha-se com ele com demonstrações de boas obras, bons corações e ofertas, com o fim de obter suas bênçãos (HORTON, 2016, p. 197). Em outras palavras, o que estávamos fazendo nestas reuniões não é um verdadeiro culto cristão, mas um falso culto pagão.

Seguindo na análise da audiência do povo de Israel com Deus registrado em Ex 19–24, Block observa que não somente Deus é quem chama o seu povo para adorá-lo, como também é Ele que estabelece as regras e o formato deste encontro. Dentre estas exigências, por exemplo, o povo deveria se purificar para que pudesse entrar na presença de Deus, pois o culto aceitável a Deus é aquele oferecido por um povo de mãos limpas e coração puro (Sl 24). Vemos o Senhor estabelecendo as regras da adoração ao seu nome não somente no texto citado, mas no decorrer de toda a sagrada Escritura. Ele estabelece em ricos detalhes o tabernáculo, bem como os rituais que deveriam ser feitos e quem deveria executar (BLOCK, 2018, p. 70) até chegarmos no Novo Testamento, com a clara definição do que deveríamos fazer todas as vezes que nos reunimos em memória de Cristo (ALLMEN, 2005, p. 147).

Isso é o que, em outras palavras, Block quer dizer ao afirmar em sua definição que o culto é uma resposta do homem “à sua graciosa revelação de si mesmo e em conformidade com sua vontade” (BLOCK, 2018, p. 25). Por Deus ter se revelado a nós na pessoa de Cristo Jesus, somos chamados a prestarmos culto em sua memória. Da mesma forma, somos ordenados a cultuá-lo de acordo com sua prescrição escriturística. Diferentemente dos povos pagãos, não precisamos sofrer na busca pela forma que nosso Deus quer ser adorado, ele graciosamente revelou a nós em sua Palavra.

Por fim, este culto deve ser conforme a vontade de Deus não somente em seus elementos, formas e ritmos, mas, consequentemente, em seus objetivos e resultados. Definimos este objetivo em dois termos, a saber, diaconal e missional. Diaconal no sentido de que o culto é um instrumento divino que atua como ato de serviço do povo de Deus. Todas as vezes que nos reunirmos como povo de Deus devemos fazê-lo em nome e em memória de Cristo. Devemos, por isso, a cada culto, recapitular a história da redenção de Cristo para conosco, culminando em sua encarnação (vida, morte e ressurreição). Através disso, o culto irá repetida e constantemente atualizar nossas mentes e corações, nos colocando no compasso da graça e não deste mundo, imprimindo em nós o ritmo do evangelho de Deus. Nesse sentido, podemos dizer que o culto serve como um metrônomo de nossas almas, nos lembrando, dominicalmente, que não somos deste mundo, mas fomos resgatados para o reino do amor de Deus (ALLMEN, 2005, p. 36).

Como uma consequência quase obrigatória, ao sairmos dessa reunião, somos enviados de volta ao mundo. Não somos cidadãos deste mundo, que habitamos em nossas casas e trabalhamos em nossas empresas. Antes, somos cidadãos do reino de Deus, que a cada culto somos enviados às nossas cidades, lares e trabalhos para sermos servos fiéis e bons mordomos daquilo que Deus nos deu neste século passageiro. Mas uma vez mais findada a semana, voltamos do mundo para o culto, voltamos ao nosso “consulado” nesta terra. Somos reequipados, e renovados através do serviço do culto para então sermos enviados novamente. Este é o caráter missional do culto. Nesse sentido, Vanhoozer compara a Igreja como uma companhia de teatro de Jesus, e o culto como o lugar onde ensaiamos as falas e os ritmos deste maravilhoso enredo da salvação. Para que, uma vez enviados ao mundo a cada domingo, possamos atuar fielmente o papel que nos está proposto (VANHOOZER, 2016, p. 415).

Por fim, importa-nos reforçar que este culto deve ser cristão, e nada mais emblemático na nossa fé, do que a nossa fé trinitária. De igual modo, o nosso culto deve também ser trinitário. Nosso culto é ao Senhor Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Contudo, podemos adorá-lo tão somente por meio de Cristo Jesus, por sua vida e morte redentora. Nossa adoração deve ser em Espírito e em verdade, o que quer dizer que antes do local onde estamos cultuando, o que mais importa é que sejamos levados a adorar ao nosso Deus pelo Espírito Santo. É o Espírito que nos leva a adorar ao Senhor, e sem ele nossa adoração não é em verdade, mas sim em falsidade. Por isso, resumidamente, nossas orações devem ser dirigidas a Deus em Espírito e por meio de Cristo. Nossas músicas não devem falar de nós mesmos, nossos feitos, nosso coração, mas devem revelar as maravilhas de Cristo e sua obra por nós. Nossos sermões devem proclamar a história da redenção do povo escolhido de Deus em Cristo Jesus, e não enaltecer o homem e suas obras de qualquer forma.

Dessa forma, chegamos a uma definição mínima, não exaustiva, do que se trata o culto, a saber ser este uma assembleia católica diácono-missional cristã. Muito ainda pode ser dito e acrescentado a esta reunião, mas cremos que se perseguirmos estes poucos pontos cruciais em nossas igrejas, certamente teremos uma sólida base para esta solene reunião dos santos. Tendo esta disposição em nossos corações, exerceremos de forma mais excelente nosso serviço cúltico ao Senhor, ouvindo a Palavra, respondendo a ela em testemunho, orações e sacrifícios, resultando numa fiel vida cristã em mordomia ao Senhor.

Que Deus nos ajude. Amém

Bibliografia

ALLMEN, J. J. V. O culto cristão: teologia e prática. Tradução de Dírson Glênio Vargas dos Santos. 2ª. ed. Santos: ASTE, 2005.

BLOCK, Daniel I. Para a Glória de Deus: Resgatando uma teologia bíblica do culto. Tradução de Thiago Machado Silva. São Paulo: Cultura Cristã, 2018. 432 p.

HORTON, Michael S. Simplesmente crente: por uma vida cristã comum. Tradução de Elizabeth Gomes. São José dos Campos: Fiel, 2016.

VANHOOZER, Kevin J. O drama da doutrina: uma abordagem canônico-linguística da teologia cristã. Tradução de Daniel de Oliveira. São Paulo: Vida Nova, 2016. 512 p.

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Daniel Ponick Botke
Piedade e devoção

Servo de Jesus Cristo, apaixonado pelas Sagradas escrituras, buscando viver a aprender a viver o evangelho em cada centímetro quadrado da vida.