O jogador Leandrinho fala de sua chegada na NBA e uma história do grande Shaq

Victor Santos
Pilaco Vaps
Published in
5 min readAug 18, 2017

Essa matéria foi publicada originalmente no site Players Tribune, em inglês, e pode ser acessada no link

Eu cresci em uma favela na cidade de São Paulo (SP). O lugar era complicado, alguém entrar ali sem conhecer ninguém era arriscado.

Leandro Barbosa começou a jogar em 1999, no Palmeiras, onde ficou até 2001, quando foi para o Bauru e em 2003 foi para a NBA. Foto: facebook.com/leandrobarbosa

Eu vendia frutas com a minha mãe durante o dia e jogava basquete à noite. Em casa, dormia no chão. Aos oito anos vi Michael Jordan na TV. Depois disso eu sabia que precisava chegar na NBA. Queria jogar na liga do Jordan. Mais importante era tirar minha família de onde morava.

Para mim, o basquete era um jogo, mas também minha porta de saída daquela situação. A chance (para a NBA) apareceu em 2003.

Me lembro de andar por Manhatan, no caminho do Madison Square Garden, para o Draft da NBA (para mais informações clique aqui). No Brasil, as pessoas falam muito bem dos EUA. É como um sonho. Mesmo estando lá, não parecia real. Eu não podia acreditar que estava em Nova York. Estava chocado, tudo era muito diferente, os prédios, as pessoas. Não acredito que troquei mais de dez palavras com alguém naquela noite. Eu só assistia. Até quando chamaram o meu nome no Draft eu não tive reação, as pessoas aplaudiam e eu só ficava lá sentado.

Originalmente, fui draftado pelo San Antonio Spurs. Poucos minutos se passaram e vieram me dizer que eu ia para o Phoenix Suns. Eu realmente não conseguia entender o que estava acontecendo. Eu nunca tinha ouvido falar de nenhuma das duas cidades, eu só balancei a cabeça e aceitei o que passaram.

O Phoenix Suns foi o primeiro time da NBA que Leandrinho jogou, entre 2003 e 2010, depois voltou em 2014 quando se machucou após poucos jogos e na temporada 2016/2017. Foto: Facebook.com/leandrobarbosa

Fui para o Arizona no dia seguinte. Do aeroporto fui para a arena. Alguns membros do staff do Suns foram ao vestiário e me mostraram uma baia com meu nome, camisa e tênis. Foi a mais.

Através do meu tradutor, expliquei que eu não queria voltar para o hotel aquela noite, queria dormir ali.

“Mas não pode dormir aqui. Não tem como. Aqui é só… o chão”, disseram.

Expliquei que aquilo era muito melhor do que eu tinha em casa. Disse que eles entenderiam se pudessem ver onde eu morava em São Paulo.

Tinha uma TV grande, uma geladeira e o meu nome estava em um armário da NBA. O que mais poderia precisar?

Leandro Barbosa é um dos principais nomes do basquete brasileiro. Foto: facebook.com/leandrobarbosa

Eu dormi no carpete do vestiário, foi uma das melhores noites da minha vida. No dia seguinte, conheci dois caras (jogadores) que viraram minha família: Shawn Marion e Stephon Marbury.

Shawn entrou no vestiário sem saber que eu estava lá, questionou: “Cara, o que você está fazendo aqui? Você é maluco!”.

Ele continuava a me chamar de “crazy” e ficava rindo. Eu percebi que era um cara legal e a gente riu muito aquele dia e para o resto das nossas carreiras.

Shawn me mostrou as instalações e me apresentou a jogadores do time. Conheci Stephon naquela tarde, ele me perguntou da minha mãe, meu irmão, como estávamos nos adaptando à vida nos EUA.

Conhece a história do primeiro carro de Leandrinho nos EUA? Assista:

Nos meus primeiros meses, ele me ajudou muito, eu gastava horas na casa dele, que me levava pra passear nos seus carrões. Eu ainda não falava muito bem o inglês, o que eu acho que ele apreciava, pois podia falar qualquer coisa para mim. Mas quando tocava rap no carro, aí a gente falava a mesma língua.

Eu conhecia as mesmas músicas que ele: Jay-Z, Snoop Dogg, Dr. Dre. Minha habilidade como rapper era ruim, mas Stephon amava. Ele ligava o sistema de som da Range Rover no máximo.

Leandrinho foi atleta do Golden State Warriors de 2014 até 2016, onde ganhou um campeonato da NBA e foi vice em outro. Foto: facebook.com/leandrobarbosa

Um dia, durante os treinamentos de verão, ele me puxou de lado depois do treino e disse que tinha algo para mim. Me levou para fora e apontou para um carro, um Cadillac Escalade. “Não, não, eu não posso aceitar”, falei.

Ele respondeu que queria me dar aquele presente, que gostava de mim. Comecei a chorar, de verdade. Era difícil acreditar que alguém me presentearia com um carro, minha vida tinha sido muito dura. Eu lutava por comida e de repente alguém me dá um carro?

Jamais esqueci esse sentimento. Stephon é minha família para sempre. Ele até me ensinou a falar inglês, os palavrões principalmente, mas me ensinou como usá-los para o bem e para o mal. Até para eu me virar bem nos jogos.

Mas sabe quem era o melhor nisso? Meu amigo Shaquille O’neal.

Em 2008, não era possível brincar contra nosso time do Phoenix Suns. Shaq era um gigante muito amigável, mas de repente se tornava o cara mais dominante e agressivo da quadra. Os oponentes nunca sabiam contra quem iam jogar. Algumas vezes ele gritava, xingava, ameaçava os jogadores dos outros times.

Com certeza, o Shaq é um cara assustador. Mas quando se vê um cara nu, se vê um lado diferente da pessoa. Talvez vocês não estejam preparados para essa história.

Leandro Barbosa e Shaq jogaram juntos no Suns entre 2008 e 2009. Foto: facebook.com/leandrobarbosa

Era dia de jogo, começo da tarde. Shaq me buscou e fomos ao centro de treinamento para nos preparar antes da partida. Fomos ao vestiário, tiramos nossa roupa, fomos para o lugar para reabilitação muscular mas o treinador não estava lá. Esperamos por 15 minutos, de toalha e Shaq já não estava feliz com a situação. Então, se levantou, tirou a toalha e foi para a sala do treinador. Abriu a porta e:” Você vem ou vou ir até aí e te trazer?”.

Em um primeiro momento, nosso treinador não sabia se era brincadeira ou não. Shaq se aproximou e foi quando o técnico percebeu que era real, então levantou e veio rápido.

É claro que Shaq o acompanhou, ainda nu. Só que ele estava correndo, passando por trabalhadores da arena e o pessoal do staff do time, além de tudo ele gritava. Esse era um dia normal de trabalho. Um dos maiores jogadores da história da NBA correndo nu, gritando para o meu técnico.

Dentro de mim, ainda me sinto um menino de São Paulo. A NBA e os amigos que fiz foram muito importantes no meu amadurecimento.

Minha caminhada ainda não acabou. Minhas pernas ainda respondem bem e ainda tenho o espírito competitivo. Mas, acima de tudo, sou grato.

Agradecimentos: Guilherme Almeida

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