Fazendo Pipoca: Como nasceu a fonte proprietária da Pipo

Letícia Barros
Pipo Saúde
11 min readJan 30, 2023

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Texto por Letícia Barros e Maria Carvalho, com contribuições de Greg Milani e Flora de Carvalho

Caracteres da fonte Pipoca

Separando o milho

A Pipo é uma empresa relativamente nova na área da saúde — há três anos em um mercado tão tradicional, ainda estamos dando os primeiros passos na nossa jornada de crescimento. Mas quando falamos de idade de startup, a Pipo já é uma jovem adulta, com ideias sólidas sobre os seus objetivos e identidade. Parte dessa maturidade vem de termos colocado o design no centro das decisões desde a criação da empresa, o que acabou nos ajudando a ter uma visão mais holística da marca. Entendemos bem como os elementos da nossa identidade visual se comportam tanto individualmente quanto dentro de um todo, e assim conseguimos prever bem quais ajustes e mudanças podem potencializá-los.

E em um mercado composto majoritariamente por marcas tradicionais, o nosso desejo é provar que a Pipo é uma opção diferente, que une atendimento humanizado com um produto de tecnologia facilitador e confiável. Refletir esses atributos em cada um de nossos pontos de contato de marca é a nossa prioridade, desde o logo e as ilustrações, até as fontes usadas nos nossos textos.

Observar a timeline tipográfica da Pipo é uma ótima maneira de entender a nossa jornada enquanto marca, e como fomos evoluindo o nosso entendimento da nossa identidade e da nossa voz.

2019–2020: Poppins

Amplamente difundida no mercado das startups, a Poppins foi nossa primeira fonte para títulos. Trazendo os valores de confiança e modernidade do nicho, a fonte nos pareceu uma escolha segura, exatamente por já estar bem estabelecida.

No entanto, essa mesma popularidade acabou resultando em uma identidade visual “comum” para a Pipo. Visualmente, estávamos muito parecidos com o resto do mercado, o que se transformou em um problema para o nosso sistema de identidade visual, principalmente quando a empresa começou a crescer e a ter uma voz e propostas próprias mais firmes. E além das questões estéticas, esbarramos em questões de acessibilidade. O uso nos fez perceber mais os detalhes micro, e fomos nos incomodando com a própria estrutura da Poppins: por exemplo, a falta de diferenciação entre alguns caracteres da família (típica em fontes desse estilo) passou de uma escolha estilística interessante e clean a um problema, já que acabava dificultando a legibilidade e leitura em alguns materiais.

Instagram da Pipo Saúde com fonte Poppins nos títulos

2021–22: Metropolis

A experiência de nos tornarmos uma empresa totalmente remota, de aumento do quadro de colaboradores, enfim, a experiência de crescimento da Pipo nos trouxe um conhecimento muito mais profundo sobre o nosso produto e sobre o nosso público. Com esse novo nível de maturidade, decidimos que era o momento de fazer algumas mudanças na identidade visual que refletissem esses novos passos. Nisso, aposentamos a Poppins e passamos a utilizar a Metropolis, outra typeface moderna e geométrica, mas com um sistema de pesos um tanto mais visualmente confortável do que a da Poppins.

E durante essa mudança nos deparamos com um pequeno desafio que também nos ensinou muito sobre as necessidades do sistema de marca da empresa: por trabalharmos 99% do tempo de forma online, a Pipo precisa de uma presença dinâmica e acessível em ferramentas de trabalho coletivas. Fontes proprietárias, ou mesmo fontes gratuitas criadas fora do guarda-chuva do Google Fonts, como é o caso da Metropolis, costumam precisar de um nível mais complexo de configuração para rodarem em espaços não proprietários (como a Google suite). Por isso, e pensando em oferecer alternativas para que quem trabalha na Pipo possa ter autonomia na montagem de documentos, escolhemos usar a Proxima Nova como fonte de títulos alternativa à Metropolis, de uso essencialmente virtual, em templates de documentação interna e apresentações. Assim, conseguimos manter a identidade da Pipo como algo ainda coeso, mas com flexibilidade o suficiente para se adaptar às necessidades reais de quem mais usa a marca da Pipo: as Pipocas.

Feed da Pipo no instagram, em meados de 2021

Mas afinal, por que fazer uma fonte proprietária se já existem 1001 fontes grátis?

Depois de tantas experimentações e desafios, começamos a sonhar com a tipografia própria. Nosso Head de Design, Greg Milani, acreditava na potencialidade de fortalecermos nossa identidade visual e propagarmos com mais autoridade nossos atributos de marca, começando por uma repaginada na fonte da Pipo.

A ideia de ter uma fonte proprietária veio daí, de pensarmos como poderíamos fazer a marca da Pipo falar como a Pipo. A Pipoca é a nossa voz, e o processo de construção dela nos fez entender ainda mais o que a Pipo tem a dizer, e como ela quer falar. Queríamos trazer para a nossa comunicação textual aquilo que já fazemos no dia a dia nos nossos atendimentos e conversas com clientes: a tradução de tópicos sensíveis e burocráticos para uma linguagem clara e amigável. Criar uma fonte proprietária que reflete o nosso real propósito seria uma forma concreta de evidenciarmos nossos valores. Fortalecer a voz da Pipo em cada uma dessas minúcias solidificaria como gostaríamos de ser reconhecidos: enquanto uma parceira de saúde que cuida de cada detalhe para o bem-estar de cada um dos colaboradores.

Assim, fomos em busca de especialistas criadoras de letras e outras miudezas para nos ajudarem nesse grande trabalho. O portfólio da Toda refletia bem esses valores, era diverso em estilos, e éramos muito fãs do que a Flora especificamente já tinha produzido em tipografia e editorial. Entramos em contato e a Toda aceitou embarcar nesse desafio!

Esquentando a manteiga: o processo

Nosso primeiro moodboard apresentado à TODA, com posts do Clube do livro do Design, Gumroad e Oscar
Nosso primeiro mooboard mostrado à TODA

O processo da Pipoca foi dividido em três etapas, algumas rodando simultaneamente: Briefing, reuniões de alinhamento e testes. Na parte um, quando começamos a pensar o que o projeto poderia ser, o briefing era o de uma fonte display (ou seja, para uso em títulos) que conseguisse articular com o que já tínhamos de ilustração, cores e fotos, e que funcionasse bem no digital (principal ponto de contato da Pipo com seus clientes.) Optamos por continuar com uma fonte Google, a Work Sans, para os textos corridos. A continuidade do uso da Work Sans aconteceu pelo mesmo motivo pelo qual passamos pela Poppins e Metropolis antes: a sua ótima escalabilidade e facilidade de acesso dentro da Google Suite.

E junto de todas essas preocupações técnicas e de escopo, também passávamos por uma grande reflexão existencial sobre o que significava ser a Pipo depois de dois anos de empresa. Quais valores iríamos fortalecer com a Pipoca (nome carinhoso que demos a nossa fonte proprietária) dali pra frente? O que nós deixaríamos para trás? Para nos guiar nesse processo, construímos um pentágono com os principais valores que gostaríamos que a Pipoca refletisse:

Na base desses valores, o ponto de partida para todo o resto: cuidado e tranquilidade. Como mediadora entre clientes e mercado de saúde, a Pipo precisa trazer seriedade e confiança nas suas relações, se mostrando parceira e companheira, e mantendo a leveza necessária para trabalhar bem com outras pessoas. A Pipoca vem, em conjunto com os outros elementos da nossa identidade visual, para dar suporte a esses valores. Como carro-chefe dos nossos materiais e peça principal do nosso logo, queríamos que a Pipoca atuasse como cartão de visita da Pipo. Para isso, pensamos em 5 características da marca nas quais a fonte poderia se apoiar. Pensar esses arquétipos nos ajudou a entender melhor o que a Pipo representa para nós e aonde queríamos chegar com as novas descobertas de marca.

Porém, como aprendemos no nosso uso da Poppins, era preciso também ter atenção a como a fonte se comportaria em situações menos ideais, e com menor foco estético. Com isso em mente, listamos algumas características formais que gostaríamos de transmitir na nova fonte:

1. O primeiro foco estava na acessibilidade: com boa legibilidade para telas; letras com pesos variáveis nas linhas (sem serifa humanistas) e diferenciação do PBDQ em caixa baixa. Tínhamos alguns desconfortos com a Poppins, principalmente com a falta de diferenciação entre caracteres. No projeto da Pipoca deixamos em evidência nosso desejo por letras de fácil legibilidade.

pqbd da fonte Poppins

2. Identificação e Diferenciação: a Pipoca deve ter personalidade no seu desenho, mas sem causar estranheza para o leitor.

3. Parte de um todo: a Pipoca precisa conversar bem com os outros elementos da nossa identidade visual, mas sem se perder no meio deles.

Por último, deixamos claro o que esperávamos da funcionalidade da fonte: que ela funcionasse tanto para nossa plataforma, materiais online e redes sociais, quanto para nossos materiais gráficos impressos.

Esses diagramas e lista de funcionalidades foram essenciais na hora de alinharmos as expectativas em relação à Pipoca e seguirmos confiantes para os próximos passos. Entregamos tudo para a Flora, que usou essas informações para traçar uma régua com dois atributos opostos: Personalidade e Objetividade. Inicialmente, o time de design indicou que a fonte deveria ser mais próxima ao atributo Objetividade, para que pudéssemos nos posicionar enquanto empresa séria e confiável no mercado de saúde.

Mas nisso voltamos àquela questão existencial do começo de tudo: como essa escolha faria a Pipo se diferenciar do que o mercado já tinha a oferecer? Afinal, agora já tínhamos dois anos de experiência como pano de fundo, e sabíamos que havia como sermos objetivos na nossa comunicação, sem abrir mão da personalidade. Levamos esses anseios para as reuniões de alinhamento, e com a ajuda da Flora conseguimos entender que existiam caminhos estéticos na tipografia que serviriam como um meio termo equilibrado para o que esperávamos: nem divertido e extrovertido demais, nem terno e gravata demais. E disso nasceu a Pipoca em sua versão mais criancinha, a Noemia*.

*É comum na tipografia usar uma série de caracteres mais ou menos aleatória para testar o relacionamento entre as letras. Noemia foi o nosso exemplo dessa prática.

Primeiros testes da Toda com a Noemia

1, 2, 3, testando

As conversas na fase de briefing e ideação — que deram origem à Pipoca versão beta — fizeram com que nos sentíssemos muito confortáveis para estabelecer uma troca de feedbacks constante entre a Toda e o time de Design da Pipo. Ter essa relação de confiança entre os dois lados foi muito importante para que pudéssemos chegar à próxima etapa do processo confiantes: era hora de colocar a Pipoca a teste, e isso demandaria esforços do time inteiro, tanto Marca como Produto.

Nos dividimos em vários mini squads, cada um responsável por testar a Pipoca em um canal de contato da Pipo diferente: mexemos em cards para redes sociais, e-books, materiais físicos, telas da plataforma usada pelos nossos clientes e páginas do nosso site. Tínhamos acordado com a Toda que iríamos esticar a Pipoca até onde dava, testando não somente o seu uso ideal (em títulos, em combinação com a Work Sans), como também como elemento gráfico principal em composições all-type (usando a letra quase que como uma ilustração) e em subtítulos curtos.

Enquanto fazíamos a organização desses testes iniciais do lado de Marca, fomos percebendo que havia um canal específico no qual era extra importante que a Pipoca funcionasse bem: a nossa plataforma. Afinal, se a Pipoca vinha para ser a voz da Pipo, o nosso canal central de comunicação de valor para os clientes tinha prioridade. Da plataforma, poderíamos seguir para os outros materiais sem medo, sabendo que Pipo e clientes continuavam em uma conversa sem ruídos. Corremos para o time de Produto e chamamos Gabriela Vieira e Daniela Tiemi para serem nossas mestres oficiais das questões da Pipoca na plataforma. Com elas aprendemos boas práticas de acessibilidade e composição, e vimos na prática a diferença que faz um bom contraste e espaçamento entre caracteres. Os aprendizados colhidos com Design de Produto foram decisivos para a Pipoca, mas também nos guiaram em outras decisões de marca que aconteceriam após o projeto ter sido concluído. Podemos dizer que a Pipoca foi a porta de entrada para um fluxo de colaboração mais frequente e mais nutritivo entre DM e DP, colaboração essa que cresce até hoje.

Desdobramentos: Deu tudo certo

Ao passo que realizávamos os testes do lado de cá, o feedback do time de design sobre o desenvolvimento da fonte auxiliava a Toda a se direcionar ao caminho que gostaríamos de seguir. A Toda prosseguiu com os desdobramentos, e aos poucos, a Pipoca foi tomando forma e se tornando a fonte cheia de sensibilidade e personalidade que é hoje. É importante salientar que toda essa construção só foi possível devido ao sucesso de nossa parceria: Flora pacientemente nos guiava para compreender cada pequena escolha em todas as minúcias do processo.

A Pipoca, por fim, se comportou exatamente como gostaríamos: uma fonte com bons recursos de acessibilidade, e que consegue transmitir confiança sem perder seu lado quentinho e afetivo. Ela nos confere liberdade de uso em diferentes meios, da nossa plataforma ao site, de materiais enviados a clientes até as redes sociais. Sua forma também conversa bem com nossas ilustrações (forte ponto de apoio da marca da Pipo), sem pesar na composição ou passar a sensação de duas coisas completamente diferentes quando lemos uma imagem.

Ver a fonte assim, pronta, é muito gratificante para nós. Não imaginávamos o leque de possibilidades que a Pipoca abriria para implementar a marca, aumentar nosso engajamento com os membros e aproximar cada vez mais nossos laços com as pessoas que cuidamos e as que ainda iremos cuidar. Porque se tem Pipoca no texto, você sabe que tá falando com a Pipo. E se você está falando com a Pipo, não precisa se preocupar.

Desdobramentos da Toda com a fonte Pipoca finalizada

P.S.: Nesse meio tempo, ainda tão novinha, a Pipoca já ganhou prêmios. Foi vencedora da categoria Craft For Design do Brasil Design Award de 2022.

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